Os corredores lá da escola andam mais sossegados. Continua a dar o toque, mas ninguém sai a correr das salas nem se demora a entrar nas aulas. É aquela altura do ano, em que muita gente pensa que os professores começaram os seus três meses de férias e os professores, na realidade, começam o tempo da sua vida oculta: reuniões, avaliações, programações, …
É, também, aquela altura em que muitos pais se perguntam o que fazer com os filhos durante este tempo e muitos professores pensam já em como podem tornar as aulas do próximo ano mais criativas, mais próximas dos alunos, mais desafiantes.
(Os professores não são os únicos que trabalham numa escola. Na verdade, auxiliares, administrativas, cozinheiros e outros educadores são um lado invisível sem o qual uma escola não pode existir. Ainda hei-de escrever sobre estas pessoas sem as quais uma escola não funciona; mas, desta vez, quero falar aos professores.)
Se é verdade que o tempo da educação formal pára durante uns meses, há outros tipos de educação que não vão de férias: a educação informal e a educação não-formal. Esta refere-se a qualquer tipo de atividade organizada, que acontece fora do sistema formal de educação, como atividades extracurriculares ou de tempos livres, programas de formação contínua, campos de férias, workshops, desenvolvimento cultural e social, etc. Já a educação informal é toda aquela recebida no dia-a-dia, por parte da família e da comunidade; é tudo o que se aprende pelo exemplo. E é nesta dimensão que me quero focar, pois se é certo que, em breve, chega o tempo de descanso para os professores, também é verdade que os professores nunca conseguem desligar completamente da sua missão de educar. Por isso mesmo, aqui ficam algumas dicas para sonharem enquanto descansam, depois de todas as reuniões que ainda têm pela frente.
Ser exemplo para os mais novos
Todos os professores que conheço quiseram ser professores e tiveram um professor ou uma professora ao longo das suas vidas que despertou neles o desejo de passar o resto das suas vidas numa escola. É verdade que muitos dos professores que conheço deixaram de ter tempo para alimentar esse desejo, não porque tenham perdido a vocação, mas porque se lhes encheu a vocação de burocracia e se lhes limitou a criatividade com relatórios, programas rígidos para cumprir e salários que os obrigam a procurar umas horas extra de trabalho para chegar ao fim do mês. Mas também é verdade que, no meio de tudo isso, os professores podem ser inspiradores dos mais novos que lhes são confiados, podem falar-lhes das suas paixões, do que os motiva. Este tempo de descanso e sem papeladas pode ser importante para voltar ao essencial e para voltar a perguntar sobre o que nos motiva, sobre o que é essencial em nós, que tipo de pessoa quero ser para que os meus alunos, no próximo ano, possam chegar a ser adultos conscientes do mundo que os rodeia, competentes no uso dos seus talentos ao serviço da comunidade, compassivos com os que mais sofrem injustiças sociais e comprometidos com a sociedade da qual fazem parte e na qual têm uma voz ativa.
A excelência de uma escola define-se pelas pessoas que forma. (P. Pedro Arrupe)
A educação informal também tem de ser planeada e intencional
Então, a educação informal não se improvisa. Se tem mais a ver com o ser que com o fazer, então tenho de ser consciente do meu impacto na vida dos meus alunos. Os alunos não querem do professor um amigalhaço. Querem alguém em quem podem confiar. Muitas vezes, os professores são os adultos de referência, quando falta a coragem para falar com os pais.
Assim, o cuidado com a linguagem, a criação de um clima de confiança e confidencialidade, de espaços seguros em que os alunos podem ser quem são e partilhar as suas vivências é algo que um professor pode construir. Neste sentido, um professor não pode impor regras que ele próprio não cumpre. Dois exemplos. Os telemóveis: não podemos exigir aos nossos alunos que deixem o telemóvel na mochila ou que, durante os intervalos, conversem uns com os outros, se nós andamos pelos corredores a mandar mensagens ou a acabar uma chamada “importante” ou quando entramos na aula e deixamos o telemóvel na secretária “para ver as horas”. A pontualidade: exigimos aos nossos alunos chegar a horas, marcamos faltas de presença e faltas de atraso sem, muitas vezes, ter em conta as razões do aluno e nós – quantas vezes! – esperamos pelo segundo toque na sala dos professores ou roubamos dois minutos de intervalo para acabar de expor uma ideia.
Preparar os conteúdos de uma aula não é o único trabalho de um professor. A atitude, os pormenores, a coerência de vida são tudo dimensões a ter em conta antes de chegar à escola. Sem darmos conta, somos o modelo que os alunos seguem e imitam.
Pode acontecer fora do contexto escolar e, definitivamente, fora da sala de aula
Neste sentido, o que acontece nos corredores, nos intervalos ou depois das aulas é muito importante. Os alunos não são tontos e, se forem adolescentes, não são superficiais, como tantas vezes julgamos. Só ainda não sabem que podem ser profundos. Por isso mesmo, o professor nunca se pode esquecer de quem tem à frente e que o corpo de alunos e alunas é um universo cheio de mundos, muitos deles com feridas, dúvidas e a navegar águas novas. Há que ajudá-los a criar espaços em que possam definir e desenvolver o seu carácter e estruturar valores.
Isto reflete-se em duas dimensões. Por um lado, na relação dos professores entre si, que tem de provocar nos alunos a sensação de um ambiente saudável e fraterno e, ao mesmo tempo, exigente. Por outro, é natural que, ao fim de algum tempo, demos a conhecer aos alunos um pouco de quem somos além dos nossos conhecimentos técnicos. Contudo, é fundamental definir limites nas relações – não podemos ser nós a esquecer-nos que os alunos não são nossos amigos (fora ou dentro das redes sociais) e que a nossa vida pessoal e a vida pessoal dos alunos, embora se toquem, não se podem confundir.
Os resultados não são quantitativos
Nesta educação informal e pelo exemplo, nunca saberemos medir os resultados como quem avalia um exame nem a qualidade das nossas relações será remunerada ao fim do mês. E também não se supõe que assim seja. Mas há um salário emocional que não tem preço e que dá todo o sentido à missão de educar. Há uma compensação afetiva que transforma todo o cansaço em alegria e dá, até, cor aos longos dias de correção de exames e revisões de atas. Há uma rede de relações que nos faz desejar ser cada vez melhores, dar o melhor de nós naquilo que fazemos e no tempo que dedicamos à escola. Há uma motivação que nos faz “vestir a camisola” e chegar ao fim do dia com a sensação de que vale a pena. Enfim, há um resultado que chega sem hora marcada, numa surpresa, numa palavra, num gesto de reconhecimento, que pede, da nossa parte, dedicação, perseverança e paciência.
O P. Pedro Arrupe, SJ (1907-1991), teve uma especial intuição para a atualização da educação. Termino com palavras suas, que nos podem inspirar: “a excelência de uma escola define-se pelo seu produto, isto é, as pessoas que forma. Hão-de ser pessoas de princípios retos e bem assimilados e, ao mesmo tempo, abertas aos sinais dos tempos, em sintonia com a cultura e os problemas à sua volta, pessoas para os outros”.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.