Durante vários dias, o Facebook mostrou-me repetidamente um anúncio de um seminário de finanças pessoais cujo slogan era: as pessoas ricas são ricas porque controlam o seu fluxo de capital e as pessoas pobres são pobres porque não o sabem fazer. Controle o seu dinheiro e seja feliz!. Na sua inteligência, o Facebook sabe que o tema me interessa. Há vários anos que dou formação nesta área e que acompanho pessoas em situação de fragilidade financeira. O que o algoritmo não consegue (ainda) identificar é que não concordo minimamente com esta afirmação.
Há três questões neste slogan que me inquietam. A primeira é associar a riqueza/pobreza ao dinheiro. A segunda é resumir as causas da pobreza (material, imagino eu) ao facto de não se saber controlar os rendimentos e as despesas. A terceira e, para mim, a mais preocupante, é esta insistência em fazer depender a felicidade do dinheiro.
Os promotores deste seminário querem convencer-nos que, controlando as entradas e saídas de dinheiro da nossa conta, eventualmente, fazendo adequadamente um orçamento familiar, sabendo o que é uma taxa de juro ou qual a aplicação financeira mais adequada à nossa situação, seremos ricos ou, pelo menos, não teremos problemas financeiros. Sem dúvida que a iliteracia financeira é, ainda, um problema, e que estes temas devem ser abordados e trabalhados ao longo da vida. No entanto, a forma como gerirmos e gastamos o nosso dinheiro tem a ver, principalmente, com os nossos valores, os nossos princípios e as nossas atitudes e, por isso, não chega só conhecer os mecanismos financeiros, é preciso conhecermo-nos a nós próprios e à relação que temos com o dinheiro e com o consumo.
Por outro lado, temos de começar a dissociar a riqueza/pobreza do dinheiro porque todos nós conhecemos pessoas com muito pouco dinheiro mas que, na verdade, são muito ricas, e vice-versa. Na internet circula uma imagem que ilustra bem este tema e que tem a seguinte legenda: conheci um homem tão, mas tão pobre que a única coisa que tinha era dinheiro.
Por outro lado, temos de começar a dissociar a riqueza/pobreza do dinheiro porque todos nós conhecemos pessoas com muito pouco dinheiro mas que, na verdade, são muito ricas, e vice-versa.
Na intervenção com populações mais vulneráveis (financeiramente e não só) tem feito sentido para mim trabalhar esta questão. É importante pôr as pessoas a refletir sobre as suas pobrezas e riquezas: O que é a pobreza? Sou pobre? Qual é a minha maior riqueza? Naturalmente, já temos tendência para o pessimismo e quando a vida é marcada por percursos mais complicados, é fácil centrarmo-nos apenas naquilo que de negativo nos aconteceu. Por isso, pôr as pessoas a pensar nas suas riquezas leva, necessariamente, a um sentimento de gratidão pelo que têm, mesmo que seja pouco em termos materiais.
Nestas ocasiões, costumo desafiar as pessoas a fazerem uma lista das 20 “coisas” pelas quais se sentem agradecidas. Muitas vezes, peço também que me digam o que é que, para elas, é importante e que se compra com dinheiro; depois, o que é importante e que não se compra com dinheiro e, em conjunto, acabamos por perceber que a segunda lista é mais importante que a primeira e que aquilo que se inscreveu na primeira lista serve para atingir o que consta da segunda.
No fundo, satisfeitas as necessidades básicas (obviamente), trata-se de ajudar as pessoas a valorizar mais o ser do que o ter, a perceberem como é a relação delas com o dinheiro e a conhecerem-se nessa relação, para que o uso do mesmo seja mais racional que emocional.
Ben-Shahar, a quem chamam o professor da felicidade, diz-nos que esta depende da forma como olhamos o mundo, do nosso estado de espírito e não do estado da nossa conta bancária. Este professor da Universidade de Harvard concorda que o dinheiro não traz felicidade. Segundo os estudos que fez, o que traz felicidade é o facto de termos um sentido para a nossa vida, é estarmos com as pessoas que amamos e é expressarmos gratidão pelo que temos. Por isso, fazerem-nos crer que controlando o nosso dinheiro somos felizes é uma falácia!
Muitas vezes digo que o objetivo último da minha intervenção, como assistente social, é ajudar as pessoas a encontrar um propósito para as suas vidas. Se calhar há quem se insurja com esta ousadia, ou quem ache que é uma finalidade pouco científica ou pouco técnica, mas é isto mesmo o que me faz sentido. E na verdade quando se diz que o objetivo da intervenção social é promover o envelhecimento ativo, a autonomia das famílias, a capacitação dos jovens, etc., o que se está efetivamente a dizer não é que se pretende dar condições para que estas pessoas encontrem um propósito para as suas vidas? Obviamente, não lhes dou esse propósito para a vida, dou-lhes ferramentas para que possam descobri-lo. Mesmo em histórias de vida problemáticas, em ambientes multi-desafiadores, com orçamentos familiares muito abaixo do que consideramos digno, este exercício, que é naturalmente mais difícil, tem de ser possível.
E lá em casa, com os nossos filhos é igual. Quando decidimos que, a partir de certa idade, lhes damos uma semanada, queremos que aprendam a conhecer e a lidar com o dinheiro mas queremos, muito mais, que aprendam a lidar com as suas emoções, que se sintam agradecidos pelo que têm e, por isso, queiram partilhar com os outros, que escolham os amigos não pelo que têm mas pelo que são, que reconheçam o caminho e, assim, encontrem um sentido para a vida. Que sejam felizes!
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.