Educação e esperança são duas irmãs inseparáveis. Vejamos a sua dança entrelaçada, em dois movimentos.
Não é possível pensar e desenvolver a educação sem o horizonte e a prática da esperança. Como dizia Paulo Freire, na sua “Pedagogia da Esperança”, sem esperança não podemos pensar a educação, ou melhor, não podemos sequer começar a pensar a educação.
De facto, a educação, mesmo a escolar, não é uma mecânica mais ou menos carregada de dispositivos orientadores e de tralha técnica (leis, decretos, despachos, regras e mais regras, programas prescritos, circulares interpretativas). Ou é muito mais do que isso, ou pouco mais será do que uma perversão, uma mera domesticação dos seres humanos, institucionalizada pelos Estados nacionais que dela se vão servindo para normalizar e disciplinar cidadãos que nascem livres e únicos, com uma missão específica na imensidão do universo.
Por isso, a educação é sobretudo a revelação desse tesouro escondido dentro de cada um, um processo contínuo e lento (com fases bem rápidas) de explosão da riqueza que nos habita, a cada um de nós de modo bem diferente, implicando sempre laços e relações, esse belo bailado que entre si os seres humanos sabem fazer, com o condimento do amor, da ciência, da exigência e da sabedoria.
Não é possível pensar e desenvolver a educação sem o horizonte e a prática da esperança.
Costumo comparar a educação escolar a um estaleiro de humanidade, onde todos os dias se trabalha, educadores e educandos, em prol dessa revelação da humanidade irrepetível que cada um de nós traz inscrita na sua natureza humana (no seu cérebro e no seu “coração”, no seu nome!).
Sem esta profunda dimensão antropológica e ética não é aconselhável desenvolver-se qualquer tipo educação, pois será sempre uma grave manipulação. E nestes tempos em que está em marcha uma manipulação “tecnológica” dos seres humanos, sem precedentes, através da robótica e da inteligência artificial aplicadas à Internet, muito maior deve ser a vigilância de todos em torno do rumo que damos à educação escolar (que é tão longa e tão obrigatória!). O risco que advém do não distanciamento em relação a esta manipulação educacional é diretamente proporcional à prática mecânica de uma educação cheia de tralha técnica e esvaída de esperança.
Esta é apenas a abordagem mais comum a esta dança que entrelaça educação e esperança, a que coloca o seu foco na educação. Mas existe um outro bailado que também deve ser sublinhado: o que coloca o centro na esperança, o que canta o movimento que nos diz que a esperança também precisa da educação. Sem esperança não somos mais do que uns inábeis rastejantes, uma espécie de galinhas com asas, fechadas em capoeiras e que não sabem voar.
A esperança educa-se, provoca-se, acicata-se. É uma sede que se cria no coração de cada um, é a fonte das perguntas novas, inesperadas, inusitadas, oblíquas, para contrapormos às respostas já feitas ou às respostas direitas e normalizadas que todos procuram e que o Dr. Goggle tem (e, cada vez mais, sempre terá) para nos dar.
Temos, pois, de aprender a percorrer este caminho que nos leva sistematicamente do lugar onde estamos ou encalhamos até à esperança, esse planalto sempre refeito de onde se avista uma vida mais realizada e plena e não uma mera sobrevivência normalizada e controlada. E isso pode ocorrer todos os dias nas nossas famílias e escolas (e, em boa parte, ocorre mesmo, muitas vezes sem que disso nos apercebamos).
A educação e a esperança podem estar, deste modo, unidas num laço que as nutre uma à outra, servindo a “alegria completa” e a plenitude humanas, como algo que não constitui um privilégio, mas que tem de estar ao alcance de cada um e de todos, sempre de modos diferentes e únicos.
Mas para que tal possa ocorrer não podemos desperdiçar um minuto de vigilância crítica seja face a uma educação que se torna serva da economia ou de qualquer outro utilitarismo esvaziador da sua espessura humana, seja diante das enormes injustiças que se praticam em nome de meritocracias e outros enviesamentos.
Aquilo de que interessa realmente cuidar é de uma pedagogia rica em conhecimento e em densidade humana, apta a avivar a esperança no coração de cada ser humano. E, no alcance desse desígnio, escolas e famílias também têm de estar, hoje, muito mais e melhor entrelaçadas.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.