Dylan e a versatilidade

Nesta arte em constante renovação o ouvinte não sabe o fim da história, e mesmo havendo spoilers – a setlist está no site oficial – nunca é como imaginamos.

O “gigante americano” voltou a Portugal, com 3 concertos – um no Porto e dois em Lisboa. Os clássicos ficaram à porta, e, apesar da sua idade – 82 acabados de fazer – a reinvenção é uma constante. Num palco vazio, sem adereços; num concerto sem telemóveis; sem fotografias da imprensa, Bob Dylan reescreve a música pop e rock da sua, e da nossa, vida. O público não foi simplesmente ouvir um concerto, mas sim experienciar uma grandiosidade de um dos melhores artistas do séc. XX e XXI.

Entra e vai direto ao piano, sem pausas para um “olá”, e as músicas vão-se seguindo umas às outras – com apenas 7 “thanks you’s” murmurados levemente ao microfone (e sim, contei, porque não é comum ver Bob Dylan a pronunciar palavras que não pertençam às músicas). A cada início de progressão de acordes olho para o meu pai para ver quem acerta primeiro na música – o meu pai ganhou, só acertei uma. O artista e a sua criação estão em mutação ininterrupta. Não dá para cantar ao seu ritmo, novo a cada instante e isso denota-se na banda que o acompanha. Os músicos – Donnie Herron no pedal steel, Charlie Sexton na guitarra, Tony Garnier no baixo e contrabaixo e Matt Chamberlain na bateria –, que nunca o perdem de vista navegando num mar de improvisação com o mestre ao leme, sem que a musicalidade seja posta em causa.

Apenas numa hora e quarenta Bob Dylan mostra-se sempre novo, sempre um artista a descobrir, um artista que vai compondo à medida que toca. As músicas são sempre diferentes, fazendo com que a arte continue viva em cada palco, cidade e país. Tal como o próprio diz “Everything gonna be different when I paint my masterpiece” e, de facto é, sempre diferente, e o público vê as músicas a serem pintadas a cada segundo.

Apenas numa hora e quarenta Bob Dylan mostra-se sempre novo, sempre um artista a descobrir, um artista que vai compondo à medida que toca. As músicas são sempre diferentes, fazendo com que a arte continue viva em cada palco, cidade e país. Tal como o próprio diz “Everything gonna be different when I paint my masterpiece” e, de facto é, sempre diferente, e o público vê as músicas a serem pintadas a cada segundo.

Nesta arte em constante renovação o ouvinte não sabe o fim da história, e mesmo havendo spoilers – a setlist está no site oficial – nunca é como imaginamos. A arte vive e é criada neste palco; ir ao um concerto de Dylan é como ouvir as suas músicas pela primeira vez, como descobrir uma nova paixão e ficar maravilhado com este novo mundo. Cantou o seu último álbum, Rough and Rowdy Ways, lançado em 2020, quase na sua totalidade, excluindo uma das minhas preferidas – “A Murder Most Foul” – diria eu apenas pelo facto de ter 16 minutos e 56 segundos; passando por “Gotta Serve Somebody” numa versão mais rock; um cover de Chuck Berry e acabando com “Every Grain of Sand” da sua fase “christian rock”.

A cada música revela-se um novo Bob Dylan, como se o artista não acabasse, e os seus braços e pernas se estendessem para as letras e músicas que vai entoando. É bom ver um artista a criar sem medo apesar da sua finitude, sem medo das camadas que poderá mostrar, sem medo de se encontrar com um novo ‘eu’.

 

Fotografia:
Autor – Raph_PH
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* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.