Da classificação à avaliação

Os instrumentos que contribuírem para a classificação dos alunos assumirão um papel preponderante na aprendizagem, embora todos os intervenientes reconheçam que a avaliação não se esgota na classificação.

A conclusão de um curso científico-humanístico do ensino secundário só é possível com a realização de exames finais nacionais. Este modo de certificar a conclusão da escolaridade obrigatória valida em certa medida a perspetiva de que a avaliação dos alunos tem como objeto apenas os conhecimentos e as capacidades das diferentes disciplinas e de que, por extensão, a avaliação corresponde às classificações obtidas em instrumentos com uma tipologia idêntica – na forma, no conteúdo e no espírito – à dos exames. As notas que os alunos conseguem nos exames são ainda um elemento decisivo para o acesso ao ensino superior, o que reforça a importância que alunos, professores e pais dão às classificações associadas à dimensão académica da escola. Não admira, pois, que a estratégia mais frequentemente aconselhada aos alunos seja a de que devem estudar a matéria (dimensão académica) para tirar boas notas (classificações). Mantendo-se as regras de certificação da escolaridade obrigatória e de acesso ao ensino superior, os instrumentos que contribuírem para a classificação dos alunos assumirão um papel preponderante na aprendizagem, embora todos os intervenientes reconheçam que a avaliação não se esgota na classificação. Mas há outros fatores que concorrem para esta centralidade da classificação.

Para avaliarem os alunos, os professores recorrem sobretudo a instrumentos passíveis da atribuição de uma classificação quantitativa, pois esta torna mais objetiva e rigorosa a avaliação e concorre para um tratamento equitativo dos alunos. Como seria de esperar, os alunos, pressionados pelo numerus clausus do ensino superior (mas também pela lei adolescente da poupança de esforço), atribuem mais importância às tarefas que são objeto de uma classificação numérica com reflexo na nota do final do trimestre ou do ano (em particular, nas disciplinas cujo exame nacional é exigido para o curso superior que desejam) e tendem a desvalorizar o que “não conta para a nota”. Também os pais dos alunos valorizam muito a média final e todas as tarefas que melhor preparem os filhos para o sucesso nos exames, pois é nessas variáveis que se joga o seu futuro académico e profissional. Finalmente, se não esquecermos que, de uma maneira geral, se aceita que a “qualidade” das escolas é determinada pelos rankings que a comunicação social publica anualmente, fica mais completa a descrição do que justifica esta convicção, muito enraizada na nossa cultura, de que classificação e avaliação são conceitos coincidentes.

Mantendo-se as regras de certificação da escolaridade obrigatória e de acesso ao ensino superior, os instrumentos que contribuírem para a classificação dos alunos assumirão um papel preponderante na aprendizagem, embora todos os intervenientes reconheçam que a avaliação não se esgota na classificação.

Enquanto peça essencial no mecanismo de avaliação, as reuniões dos conselhos de turma do final de cada trimestre acompanham em grande medida esta perspetiva sobre a avaliação, dado que é o momento em que o professor de uma disciplina propõe aos restantes uma classificação sumativa para cada aluno, enquadrando as propostas numa descrição sumária do seu desempenho, com base nos elementos que recolheu ao longo do trimestre. Nessa descrição do desempenho, é feita referência, tipicamente, a questões do domínio académico (por exemplo, o aluno não adquiriu determinados conhecimentos), do domínio das atitudes (por exemplo, o aluno não se aplica), e do domínio das estratégias, sendo deixada, na maior parte das vezes, a indicação de que os alunos devem “estudar a matéria para tirar boas notas”, por estas ou outras palavras.

Não obstante esta conjuntura, o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO), enquanto «matriz comum […] para a realização da avaliação interna e externa»[1], descreve um perfil de competências a desenvolver que nem sempre é facilmente conjugável com instrumentos de classificação semelhantes aos exames. Na verdade, ainda que algumas das competências previstas nesse documento sejam associáveis a conteúdos e capacidades desenvolvidos em disciplinas específicas, e, portanto, possam ser, com maior ou menor facilidade, classificáveis, há competências com as quais esse exercício se torna complexo. Por exemplo, como classificar a competência, prevista no PASEO, de «manifestar consciência e responsabilidade ambiental e social, trabalhando colaborativamente para o bem comum, com vista à construção de um futuro sustentável»[2]? De igual modo, que resposta veio sendo dada desde sempre à avaliação dos valores ou atitudes específicos de determinados projetos educativos, como é o caso, por exemplo, dos valores humanistas cristãos das escolas católicas?

Apesar do que fica dito mais acima, é também verdade que esta preocupação com uma avaliação em sentido mais amplo e com as particularidades do perfil do aluno que decorrem do projeto educativo da escola surge em muitos pais e encarregados de educação sob a forma de dúvida quanto ao reflexo que a «formação integral» (não) tem na avaliação dos alunos. No mesmo sentido, há professores que lamentam não haver um mecanismo devidamente valorizado pelas famílias através do qual lhes possam fazer chegar uma avaliação global do aluno, que inclua referências, por exemplo, à sua capacidade de compromisso ou de liderança. E esta é outra das razões por que encontramos nos critérios de avaliação parâmetros que atribuem às atitudes um peso percentual na classificação final: é um modo de fazer chegar aos alunos algum feedback, ainda que reduzido, sobre aspetos não estritamente académicos. Surgem igualmente nas autoavaliações dos alunos comentários que reclamam uma avaliação que não se reduza aos números das classificações, não obstante sentirem a pressão incontornável daquilo que esses números representam. Finalmente, é inequívoca no discurso atual sobre educação a defesa que é feita das competências que vão além dos conteúdos das disciplinas, por exemplo das habilidades não-cognitivas ou soft skills.

Apesar do que fica dito mais acima, é também verdade que esta preocupação com uma avaliação em sentido mais amplo e com as particularidades do perfil do aluno que decorrem do projeto educativo da escola surge em muitos pais e encarregados de educação sob a forma de dúvida quanto ao reflexo que a «formação integral» (não) tem na avaliação dos alunos.

Enquanto se mantiver o modo como certificamos a conclusão da escolaridade obrigatória e o processo de candidatura ao ensino superior, as classificações terão, obviamente, um papel predominante na avaliação de um aluno do ensino secundário. E, ainda que não houvesse exames, entendo que, tal como acontece noutras áreas da formação, como é o caso do ensino superior ou das certificações profissionais, caberia sempre ao professor da disciplina certificar as aprendizagens dos seus alunos, classificando-os. E isto não significa que se deva desvalorizar a autoavaliação e a heteroavaliação, até porque são procedimentos distintos da classificação: um aluno não certifica as próprias aprendizagens nem estas são certificadas pelos pares. No mesmo sentido, entendo que os professores que constituem um conselho de turma se podem (e devem) pronunciar sobre a avaliação de um aluno numa disciplina que não a sua, mas vejo mais difícil a sua participação na certificação das aprendizagens numa disciplina que não a sua. Estou certo de que o modelo de certificação de aprendizagens e de atribuição de classificações se deve manter, porque não é incompatível com uma avaliação compreensiva do progresso dos alunos nas atitudes e nas competências. O sistema atual de avaliação não é perfeito, mas a alternativa a uma avaliação imperfeita não é a sua supressão, é a sua melhoria. Neste sentido, apresento três reflexões que, espero, sejam um contributo para essa melhoria e que têm na sua base o mesmo princípio: o de que é possível enriquecer a avaliação dos alunos, acrescentando à classificação dos conhecimentos e das capacidades uma apreciação sobre as competências desenvolvidas, para que a avaliação seja integral.

A distinção entre a classificação de aprendizagens e a avaliação do aluno tem de se tornar mais concreta. Creio que o passo mais importante a dar neste sentido se encontra na operacionalização do PASEO. Em primeiro lugar, no início de cada unidade didática, através de um guião pedagógico, devem ser comunicadas aos alunos as áreas de competência que irão ser trabalhadas, para que eles ganhem consciência do seu enquadramento na sequência de aulas que têm pela frente. Em segundo lugar, vinculada a este guião pedagógico, no enunciado de cada instrumento de avaliação, deverá ser incluída uma tabela na qual o professor possa, de um modo simples, dar feedback sobre o desenvolvimento das áreas de competência definidas inicialmente, com base numa escala qualitativa. Por fim, os conselhos de turma do final dos trimestres partirão das áreas de competências do PASEO, avaliarão cada aluno à luz dos descritores de cada área e comunicarão aos pais e aos alunos um ponto da situação relativamente ao desenvolvimento dessas competências, de modo a que esta apreciação, não substituindo nem coincidindo necessariamente com a classificação das disciplinas, permita ter acesso a uma avaliação efetivamente integral e integrada no processo de aprendizagem. Nestas reuniões, os professores continuariam a propor as classificações, mas as suas diferentes perspetivas reunir-se-iam numa voz avaliativa única, porque é também único o aluno em causa e não um aluno dividido em tantas vertentes quantas as disciplinas que integram o currículo (vertentes que, de qualquer modo, se encontrariam espelhadas nas diferentes classificações obtidas nas disciplinas). A título de exemplo, um aluno poderia receber a classificação de 12 valores na disciplina de Português, e o conselho de turma considerar que esse mesmo aluno revela um desenvolvimento excecional na área de competência da Informação e Comunicação, por entender que, não obstante o desempenho satisfatório numa disciplina implicada nesta área, o aluno atinge um nível de excelência enquanto comunicador. Continuará a ser o 12 a certificar a conclusão da escolaridade obrigatória e a ser considerado no acesso à universidade, mas o registo não deixa de ser importante para o aluno, porque o pode utilizar em qualquer situação futura da sua vida como um aspeto que enriquece qualitativamente o seu currículo. Repito: não há incompatibilidade, mas sim complementaridade. Esta medida é, em parte, extensível aos aspetos idiossincráticos do projeto educativo de cada escola, como acontece com o perfil do aluno que resulta dos descritores da excelência humana da pedagogia inaciana: alunos competentes, conscientes, comprometidos e compassivos. Evidentemente, não se poderá esperar que se faça para cada instrumento a avaliação destes parâmetros, nem sequer no final do trimestre, mas vejo que poderá claramente ter lugar como juízo global no momento de encerrar o ano letivo.

Com o recurso a uma ferramenta de avaliação descritiva, deve abandonar-se a tentativa de converter em classificação numérica todos os elementos de avaliação. Ou seja, as atitudes podem ser avaliadas sem serem classificadas. Muitas vezes encontramos nos critérios de avaliação das disciplinas parâmetros que permitem atribuir ao comportamento dos alunos uma classificação com um peso percentual na nota final. É uma estratégia dos professores para levarem os alunos a adotar determinadas condutas, pois, quando os alunos percebem que estes elementos também contam para a nota, é isso que acontece. Incluem-se nestas atitudes outros aspetos da avaliação mais objetivos e quantificáveis, portanto, potencialmente classificáveis, como é o caso das faltas de material, de trabalho de casa ou de presença. Entendo que atribuir classificações ao comportamento, às faltas e a outras atitudes com estatuto idêntico são mecanismos definidos pelos professores por se reconhecer que concorrem para um melhor desempenho académico (por exemplo, é de esperar que um aluno que tenha consigo o manual ou que esteja atento acompanhe melhor a aula). Contudo, se o aluno não assume a atitude expectável, essa falha acabará por se refletir nas classificações obtidas, pelo que poderá ser pouco produtivo para a aprendizagem (e talvez redundante) penalizar o aluno por essas atitudes. Considero que as atitudes (uso o termo no sentido mais genérico possível) influem efetivamente nas classificações obtidas nos instrumentos, mas esse reflexo nas classificações não esgota a avaliação das atitudes, para a qual deverá ser reservado um espaço na apreciação que passará a ser feita sobre as competências do PASEO e sobre o perfil preconizado pelo projeto educativo. Finalmente, é verdade que comunicar (avaliar) estas falhas num momento sumativo pode ajudar o aluno a melhorar no trimestre seguinte, mas vejo mais proveitosa a comunicação (avaliação) feita em tempo real, e hoje em dia a tecnologia permite fazê-lo muito facilmente. Com as várias plataformas educativas que existem, o professor regista este tipo de informação e os pais e os alunos poderão ter acesso a ela de forma quase imediata. Este tipo de feedback permitirá que ele melhore algum aspeto durante o trimestre, tornando desnecessária a repetição dessa informação no momento da avaliação de final de trimestre.

A mudança de visão da avaliação não se resume a uma melhoria dos procedimentos que não estão concretamente associados à classificação. Também os procedimentos associados à classificação devem tornar-se mais definidos. Significa isto que o guião pedagógico a entregar aos alunos deve, entre outros aspetos, integrar uma referência explícita aos conhecimentos e capacidades que irão ser trabalhados bem como ao modo como será classificado. Isto permite ao aluno autorregular o seu processo de aprendizagem. No mesmo sentido, os instrumentos de avaliação devem também incorporar um mecanismo simplificado de feedback que permita aos professores apontar as áreas a melhorar e sugerir estratégias. É fácil elaborar uma lista dos pontos em que se revelaram dificuldades, dos pontos em que se evidenciou excelência e das estratégias de melhoria mais frequentes, de modo a que o professor apenas tenha de assinalar tópicos no próprio enunciado do instrumento, que estariam vinculados ao guião pedagógico. Paralelamente, e no mesmo sentido do parágrafo anterior, devem os professores comunicar as classificações dos testes nas plataformas educativas, deixando-as disponíveis para os pais acompanharem os filhos e para os alunos monitorizarem o seu progresso. O feedback regular é uma ferramenta com um impacto muito significativo na aprendizagem. Há estudos que indicam que equivale a um progresso adicional de 8 meses, quando se comparam alunos que recebem feedback com alunos que não recebem. Dar feedback em tempo real sobre aprendizagens e atitudes faz com que a informação pertinente chegue em tempo útil, promove a responsabilidade dos alunos na monitorização do seu processo de aprendizagem e permite poupar tempo nas reuniões de final de trimestre, libertando-as para que nelas possa ocorrer uma efetiva avaliação integral.

Em síntese, acredito que tornar mais concreta – quer ao nível do discurso quer ao nível dos instrumentos – a diferença existente entre a avaliação e a classificação poderá enriquecer ambas, em benefício dos alunos. Poder-se-á achar que é muito barulho para nada, porque, no final, o que conta é a média. Não creio que assim seja, porque, neste caso, terá valor aquilo a que dermos valor. Para tornar claro o que quero dizer, recorro a um exemplo do ensino profissional. Que fará um empregador ao receber um currículo de um aluno que se destaca pelo seu «desenvolvimento pessoal e autonomia», dado que se revelou capaz de «consolidar e aprofundar as competências que já possui, numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida»[3], ainda que tenha terminado com 10 valores a Português? E que fará um pai com a informação recebida nas avaliações do Natal, de acordo com a qual o filho tem 19 a Matemática, embora o conselho de turma considere que ele revela dificuldades em «interagir com tolerância, empatia e responsabilidade e argumentar, negociar e aceitar diferentes pontos de vista»[4]?

[1] Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, pág. 2.
[2] Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, pág. 27.
[3] Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, pág. 26.
[4] Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, pág. 25.

 

Fotografia por Jeswin Thomas – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.