O que aprendemos com a pandemia do coronavírus é valioso. Devemos levar estes ensinamentos para preparar o que aí vem. Não falo só da possível segunda vaga. O que podemos retirar destes tempos serve-nos noutras vertentes. A vida política pode ganhar critérios. A vida espiritual também.
A pandemia trouxe à discussão pública conceitos que vale a pena reter, nomear, e até cristalizar. Podem ser boas ferramentas de futuro. Exploremos alguns de seguida.
Restrição: aprendemos que os sistemas que utilizamos têm uma capacidade finita. Não conseguimos ter mais ventiladores se não os tivermos. Por muito que o desejemos, haverá sempre o ponto a partir do qual não conseguimos ter mais espaço para tratar doentes ou staff médico para o fazer.
O conceito de restrição permite-nos ganhar a noção da realidade. Leva-nos ao confronto com aquilo que é, e não com o que gostaríamos que fosse. Também na nossa vida coletiva temos o dever de adotar este conceito. Devemos classificar como irrealistas as ideias que não consideram as restrições dos problemas a resolver. Por exemplo, orçamentos de estado que não aceitem a realidade do nível de impostos, ou do acesso aos mercados financeiros, não são credíveis.
Custo de oportunidade: aprendemos que, para fazermos alguma coisa, temos o custo de deixar de fazer todas as outras. Todos temos o desejo de dar os melhores cuidados de saúde a toda a gente. No entanto, fazer escolhas implica deixar opções para trás. Por exemplo, tratar doentes com covid-19 levou, inevitavelmente, a menos tratamentos de doentes com outros problemas.
O conceito de custo de oportunidade permite-nos ganhar a noção de que há apenas um bem maior. De todas as escolhas possíveis, apenas uma é melhor do que todas as outras. Assim, quando nos tentarem convencer que não existe uma opção sem custo, devemos desconfiar. No mínimo, temos o custo de prescindir dos usos alternativos dos recursos aplicados. Por exemplo, os aumentos de salário da função pública implicam que teremos menos recursos para outras áreas, como a saúde. Igualmente, o resgate público de bancos, ao contrário do prometido, acarreta necessariamente custos para o contribuinte. A conta acaba sempre por aparecer, mesmo quando o custo não é explícito ou imediato.
Variância: aprendemos que a incerteza existe, e que a média não chega para avaliar uma situação. Por outras palavras, não podemos olhar só para aquilo que é, tal como está no momento. Também temos de considerar os possíveis abanões ou evoluções dos nossos sistemas. Se um vírus é altamente contagioso, então olhar só para o número de infetados de um dia diz-nos pouco sobre como poderá ser a realidade num cenário alternativo.
O conceito de variância permite-nos ganhar a noção de que há vida para além daquilo que conseguimos imaginar. A realidade pode evoluir para lá da nossa capacidade de previsão. Assim, mesmo quando nos vendem todas as certezas do mundo, é importante ter almofadas que garantam que o essencial está protegido. Por exemplo, o abalo económico que se adivinha poderia ser gerido de maneira diferente, caso as opções do passado não nos tivessem deixado uma dívida tão elevada. É pena que as discussões políticas sobre défices orçamentais não incluam apreciações sobre a incerteza.
Estas aprendizagens são importantes no contexto da pandemia e da política, mas estendem-se além destas. Na vida espiritual, também temos a ganhar se estas ideias estiverem claras.
A ideia de restrição lembra-nos que não há ganho em esconder a realidade. Deus não nos ama por aquilo que gostaríamos de ser. Deus sabe o que somos e quer-nos assim, com as nossas restrições. O custo de oportunidade recorda-nos que existe apenas um bem maior. Todos os outros bens são menores. Assim, como aconselha a parábola, devemos vender tudo para comprar o terreno que tem o tesouro. A variância alerta para o perigo de investir segurança onde ela não é devida. Colocar o nosso esforço em falsos ídolos é uma estratégia que a variância, mais tarde ou mais cedo, acabará por desmascarar.
A covid-19 já trouxe e continuará a trazer muita disrupção ao nosso modo de viver. No entanto, já que a temos entre nós, aproveitemos para fortalecer os nossos critérios.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.