Tenho três filhos (rapazes) e vivo em Coimbra, cidade que escolhemos para viver depois de morarmos cinco anos no Brasil. Apesar de a nossa família estar quase toda em Lisboa e arredores, viemos aqui parar por circunstâncias profissionais e aqui vivemos há já quase oito anos.
Viver longe da família significa, como muitos saberão, gerir filhos e toda a logística inerente, a dois. Viroses, greves de escola, idas aos médicos, atividades extracurriculares e passeios no parque dependem exclusivamente de nós, paralelamente a toda a gestão diária de uma casa e de uma família de cinco. Tudo normal, no news.
O que há pouco tempo se tornou muito concreto foi o facto de nos apercebermos que vivemos em contra-relógio, numa atitude constante de cumprimento de tarefas e sem certeza se conseguimos chegar a todo o lado. Diria até que esta atitude faz-nos atropelar dias, semanas, meses sem estarmos muito conscientes de onde queremos chegar. Queremos educar, fazer o nosso melhor com a nossa família e na educação dos nossos filhos, claro – esfalfamo-nos para isso! Mas que passos conscientes damos nesse caminho? Que metas e objetivos definimos que nos ajudam a tomar decisões, a ajustar a rota, a priorizar o tempo que gastamos ou empregamos em cada coisa? De que forma queremos investir a nossa energia neste período em que temos de cumprir tantos requisitos para sentir que estamos a desempenhar a nossa função (relativamente) bem?
Façamos um paralelo. Em termos profissionais, somos uns autênticos estrategas. Olhamos para o nosso percurso (ou para o perfil do LinkedIn) e parece um autêntico jogo de xadrez – experiência diversificada em empresas escolhidas a dedo para maior variedade “curricular”, funções com nomes elaborados e responsabilidades acrescidas em crescimento, skills desenvolvidas em inúmeras atividades e experiências complementares, jogadas inteligentes de cursos e especializações para chegar a determinado lugar. Sabemos exatamente que há fases em que temos de investir mais no trabalho e no esforço que pomos no que fazemos, com que pessoas devemos trabalhar, que equipas queremos formar e de que forma as devemos gerir. Medimos o que fazemos, a rentabilidade e a eficiência dos nossos dias, procuramos reconhecimento e valorização do nosso trabalho, apresentamos KPI’s e objetivos cumpridos, seguindo um plano elaborado metodicamente.
Mas e o “resto”? Que estratégia definimos para a nossa vida familiar? Quais são os nossos objetivos a curto-médio prazo e que tom imprimimos nas nossas decisões? De que forma medimos a nossa vida? Não falo de coisas como ter filhos com boas notas, nem das atividades extra-curriculares que têm de frequentar ou os valores e educação que lhes queremos dar. Falo de coisas simples como decidir de que forma queremos empregar o tempo dos nossos fins-de-semana ou decidir que férias e atividades fazemos com os nossos filhos. Quando olhamos para a nossa agenda, como a queremos preencher para poder chegar ao fim do ano e olhar para trás e pensar “cumprimos o plano”. No fundo, que sentido queremos dar à vida como ela nos é apresentada agora?
Fizemos este exercício há muito pouco tempo e, por isso, partilho as nossas metas sem ainda ter a certeza se vamos conseguir cumprir o que nos propusemos, mas querendo concretizar esta ideia de que decidir, com sentido, faz sentido. Percebemos que, para nós, faz sentido investir em relações. Apesar de estarmos longe da família e de vários amigos, queremos investir nessas relações e no tempo de qualidade que lhes damos, ainda que isso implique andar vários quilómetros e muitas vezes acampados em casas de outras pessoas. Percebemos que essas relações que vamos alimentando são as pessoas que acompanham a nossa vida e o crescimento dos nossos filhos e com quem criamos memórias que os marcarão e que constituirão parte da educação que lhes queremos dar.
E se, por um lado, queremos investir o tempo além-escola a criar memórias, por outro também lhes queremos despertar a curiosidade. Para despertar a curiosidade, precisamos de ser criativos e confrontá-los com lugares, pessoas e situações diferentes das suas realidades para que se questionem. Precisamos também de lhes direcionar o olhar, ajudá-los a pensar e a questionar todos os “porquês” que houver para questionar. Deixá-los pensar e não lhes negar nunca respostas, por mais difíceis que sejam.
Não queremos acrescentar peso às vidas cheias que temos, nem remorsos ao tempo passado sem propósito, no sofá ou em modo automático, que também o é preciso. Queremos só ter uma bússola que nos indica o Norte, quando percebemos que este modo automático se instala e nos faz passar semanas ou às vezes meses sem sermos nós os donos do nosso tempo. E que este propósito ou sentido que damos às nossas decisões nos ajude a caminhar com mais segurança e certeza para onde nos queremos dirigir.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.