“LAUDATO SI´, mi Signore – Louvado sejas, meu senhor”, cantava São Francisco de Assis e assim começava o Papa Francisco a sua Carta Encíclica Laudato Si’ – Sobre o Cuidado da Casa Comum, dirigida a crentes e não crentes, a 24 de maio de 2015.
Não terá sido por acaso que o Papa escolheu o louvor como mote. O louvor e a gratidão são destacados ao longo da encíclica, enquanto passo fundamental para o cuidado da casa comum. Também nós temos muito a agradecer durante esta Semana Laudato Si´ convocada pelo Papa Francisco, no âmbito do 5º aniversário da encíclica.
O que mais gosto no gesto de celebrar uma data é o que esse traz consigo: a oportunidade de fazer memória, palavra tão querida ao nosso Papa. Celebrar é, sobretudo, recordar tudo o que essa data trouxe às nossas vidas.
O que aconteceu, então, desde a publicação da Laudato Si’ (LS)? Sublinho aqui alguns marcos, certa de que outros ficarão de fora. Reconhecendo que ainda há muito por fazer, creio ser importante focar o que já foi alcançado.
Uma Igreja pela Ecologia Integral – Criação de um novo dicastério
Se há um conceito chave na LS é o de “Ecologia Integral”. Como muito bem explica o documento: “não há ecologia sem uma adequada antropologia” (LS 118). Cuidar das pessoas e das relações humanas é condição indispensável para o cuidado da casa comum, assim como, “defender a terra é defender a vida”.
Por esta razão, é de destacar a criação do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, pelo Papa Francisco, em 2016. Este dicastério agrupou vários Conselhos Pontifícios que tratam questões relacionadas com migrantes, vítimas de desastres naturais e conflitos armados, doentes e excluídos, prisioneiros, desempregados e vítimas de violência e tortura, porque “tudo está interligado” (LS 91).
Recentemente, o Cardeal Peter Turkson, Prefeito do Dicastério, explicou a importância da Laudato Si’ no contexto da pandemia e anunciou os cinco grupos de trabalho criados pelo Vaticano para lidar com esta crise.
Uma igreja em conversão – O pecado ecológico
A LS é uma chamada à conversão ecológica, que assumindo um cariz comunitário, radica primeiro na consciência individual.
Para a Professora Manuela Silva, fundadora da Rede Cuidar da Casa Comum (RCCC), os problemas ambientais estão suficientemente bem diagnosticados e não faltam soluções. O que está em causa é “a ideia que o ser humano faz de si mesmo como pessoa e da relação que estabelece com a casa comum”.
Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra”, dizia o Papa Francisco logo no início da encíclica. Esta é a raiz do problema: quando não nos reconhecemos parte da Criação, não cuidamos.
Também Margarida Alvim, da Associação Casa Velha – Ecologia e Espiritualidade, explica que “cuidamos não porque nos dizem para o fazer (…) mas porque somos parte”. “Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra”, dizia o Papa Francisco logo no início da encíclica. Esta é a raiz do problema: quando não nos reconhecemos parte da Criação, não cuidamos.
Neste sentido, podemos compreender a proposta de introduzir o pecado ecológico no Catecismo da Igreja Católica, a qual nos conduzirá a um novo exame de consciência. Esta proposta surge no seguimento do Sínodo pela Amazónia, realizado em 2019, e vem definido no documento final deste. Já em 2016 o Papa tinha proposto integrar o cuidado da casa comum nas obras de misericórdia.
Uma Igreja unida – Igrejas Cristãs unidas em torno do cuidado da Criação
A Celebração ecuménica do Tempo da Criação, que se estende do dia 1 de setembro a 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis, é um tempo dedicado à oração e à ação pelo cuidado da Criação. No ano passado esta celebração contou com mais de 1200 eventos em todo o mundo e, este ano, incluirá a conferência dedica aos cinco anos da LS.
O Tempo da Criação foi instituído na Igreja Ortodoxa em 1989 e a ele aderiram posteriormente outras igrejas cristãs. Em 2015, a Igreja Católica, respondendo à proposta do Papa Francisco, uniu-se às restantes igrejas nesta celebração. O Tempo da Criação representa, por isso, o esforço de congregação das várias igrejas cristãs.
Uma Igreja em diálogo com o mundo – O Sínodo e a Economia de Francisco
O desejo de diálogo com o mundo, espelhado na LS, teve a sua concretização no Sínodo da Amazónia e na preparação do encontro “Economia de Francisco”. Num e noutro, pretendia-se pensar novos modelos para a Igreja e para a sociedade.
No sínodo da Amazónia, para o qual contribuíram mais de 87.000 pessoas, a Igreja assumiu o papel de aliada, mas também de aluna dos povos amazónicos. De facto, uma das grandes riquezas deste encontro consistiu em aprender com o pensamento dos povos indígenas, o qual, cito o documento final, “oferece uma visão integradora da realidade, capaz de compreender as múltiplas conexões existentes entre tudo o que foi criado”, o que contrasta fortemente com o “pensamento ocidental que tende a fragmentar-se para compreender a realidade”.
O encontro “Economia de Francisco”, adiado para novembro, conta já com a inscrição de 2.000 jovens de 115 países. Neste evento, jovens economistas, empreendedores, investigadores e ativistas de todo o mundo foram convidados pelo Papa a repensar o modelo económico vigente.
A voz de uma Igreja jovem – Os movimentos juvenis pelo cuidado da casa comum
O Papa Francisco relembra-nos que “os jovens exigem de nós uma mudança; interrogam-se como se pode pretender construir um futuro melhor, sem pensar na crise do meio ambiente e nos sofrimentos dos excluídos” (LS 13).
O Global Catholic Climate Movement (GCCM), movimento inspirado na LS, tem motivado jovens de todo o mundo a unirem-se às manifestações e greves climáticas. Em abril de 2019, a ativista Greta Thunberg teve a oportunidade de se encontrar com o Papa Francisco, do qual recebeu uma palavra de incentivo. Desde 2018, iniciativa do GCCM, existe também um grupo internacional de jovens ativistas inspirados pela encíclica: Laudato Si’ Generation.
Destaco ainda o impacto do GCCM no aumento das campanhas de promoção do desinvestimento na indústria fóssil. Estas iniciativas pretendem incentivar empresas e instituições a cessar investimentos relacionados com a indústria fóssil e a reinvestir nas energias renováveis.
Com início em 2010, por iniciativa de um grupo de estudantes americanos, esta é a campanha de desinvestimento com o crescimento mais rápido da história. Desde 2015, sob o impulso da GCCM, mais de 150 instituições católicas juntaram-se ao movimento. Em Portugal, a Comissão Nacional Justiça e Paz já assinou um compromisso nesse sentido.
Ao terminar este exercício de memória, retomo a expectativa do Papa: “Espero que esta carta encíclica (…) nos ajude a reconhecer a grandeza, a urgência e a beleza do desafio que temos pela frente” (LS 15). Passados cinco anos, creio que podemos afirmar que este desafio tem sido reconhecido, talvez até para lá das nossas expetativas.
No âmbito das comemorações da Semana Laudato Si’, a Rede Cuidar da Casa Comum propõe-nos dois momentos de reflexão sobre o desafio que temos pela frente: uma tertúlia, no dia 19 de maio, e uma Vigília ecuménica de oração, no dia 21.
Aproveitemos esta semana para fazer memória e agradecer tanto caminho percorrido. Que a LS nos continue a inspirar, em particular, neste tempo de maior fragilidade da nossa casa comum.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.