O período de debates eleitorais revela, não só as propostas para o futuro do país de cada partido (infelizmente, é o que ocupa menos tempo), mas, sobretudo, mostra claramente o que cada candidato é capaz de fazer e dizer para conseguir mais votos e mais poder.
Sob pressão e no meio de gritaria permanente, sem dar conta, cada um, muitas vezes, profere afirmações que, para além de serem profundamente anti-humanistas e antidemocráticas, são reveladoras do carácter de cada um. O auge desta “luta na lama” de demagogia e mentira foi atingido, na minha perspetiva, quando dois dos candidatos em “jogo” mediram forças, disseram ambos, no âmbito da Fé, de forma pouco civilizada e cristã. Ao digladiarem-se e debitarem argumentos com vozes alteradas, sobre quem é mais cristão, quem defende mais o catolicismo, quem foi ou não seminarista, quem conhece mais o magistério da Igreja ou de quem é mais amigo de alguém no interior da mesma, ou mencionando o atual ou outros papas, não só dá uma péssima ideia do próprio, como até transmite a ideia de que os cristãos, para além de discutirem aos fanáticos gritos, andam a esgrimir argumentos, como se houvesse um campeonato da Fé, no qual se avalia quem é mais ou menos cristão, por estes aspetos anteriormente mencionados.
Nos Evangelhos, a afirmação da Fé em Cristo nunca é feita aos gritos e ao ataque. Curiosamente, Cristo grita para afastar o mal, não para fazer o bem. Cristo grita contra os espíritos impuros, os vendilhões do templo, ou até com os fariseus, mas não consta que tivesse gritado com a mulher siro-fenícia, que ficou curada, ou com a mulher cananeia que o reconheceu como Deus, apesar de não pertencer à casa de Israel. Cito estes dois exemplos, porque nesse debate “politico-cristão” uma das coisas que mais me incomodou foi um dos candidatos esgrimir “fundamentos cristãos” para ser contra o acolhimento dos refugiados. É impossível, é contra-natura, é verdadeiramente demagógico e anticristão ser a favor da eutanásia e do aborto, mas também o é ser contra o acolhimento dos refugiados. É que em todos estes temas o cristão tem que ser a favor da vida, pois se esta é um dom de Deus e ninguém a pode deliberada, consciente, direta ou indiretamente tirar, há que ser coerente e não o fazer em nenhuma circunstância. E tanto é tirar a vida permitir a eutanásia, como negar o acesso a melhor segurança, alimentação, alojamento a quem vem de outro continente, que foge da fome e da guerra. Até porque, e infelizmente, morrem mais pessoas no Mar Mediterrâneo a procurar esse refúgio na Europa, do que aqueles que, na mesma Europa, são eutanasiados. Aliás, acolher quem vem de fora é algo intrínseco à Fé cristã. Para além dos exemplos que citei anteriormente, não podemos esquecer que Jacob era um arameu errante (Deuteronómio 26, 5), que o Povo de Deus andou 40 anos no deserto em busca da Terra Prometida, ou, até, que foram os Magos, gentios vindos de todo o mundo, que o reconheceram como seu Salvador depois dos pobres e desacreditados pastores.
Cito estes dois exemplos, porque nesse debate “politico-cristão” uma das coisas que mais me incomodou foi um dos candidatos esgrimir “fundamentos cristãos” para ser contra o acolhimento dos refugiados.
Não nos deixemos enganar neste “campeonato de gritaria pseudo-cristã”. Num verdadeiro debate político entre cristãos, a serem abordados estes temas, deviam ser discutidas serenamente políticas sociais e financeiras para o aumento da natalidade, para evitar abortos entre as classes sociais mais desfavorecidas que tantas vezes e ele recorrem por já não terem meios de subsistência; a discutir serenamente como evitar a eutanásia, dando as máximas e melhores condições possíveis a quem pensa recorrer a este tipo de suicídio, para evitar que desejem terminar a sua vida; ou como dar condições dignas aos refugiados que querem ficar no nosso pais, em vez de irem para os países com economias mais fortes, já que temos um grave problema de demografia e, sobretudo, de mão-de-obra que pode ser colmatado com o acolhimento daqueles que vêm de fora e que, tantas vezes, realizam trabalhos que nós, portugueses, não achamos dignos, mas que são essenciais à nossa vida em sociedade. Deveríamos estar verdadeiramente a discutir temas que interessam, que podem contribuir para melhorar a nossa economia, a nossa educação, a nossa cultura, a nossa saúde, ao invés de fazermos do facto de sermos ou não cristãos um espetáculo vazio de sentido e risível para todos.
Ser cristão e afirmar a Fé no espaço público e no campo político não é gritar mais alto, afirmando vocalmente o que se crê ser. Não é afirmar: é fazer e testemunhar, no silêncio, mas na ação, qual publicano (Lucas 18:9-14), consciente das suas limitações, mas com força para pedir a ajuda de Deus em todas as horas. Como diz o Papa Francisco na sua reflexão a propósito do episódio das Bodas de Caná, os cristãos devem imitar o serviço discreto e silencioso de Jesus.
Alguém como eu que, apesar de ser cristão tem permanente dúvidas sobre a sua “quantidade e qualidade”, não só não acredita, como rejeita um “campeonato da Fé cristã”. Prefiro a sinceridade discordante à mentira concordante.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.