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O tema das migrações é um dos assuntos que mais discussão tem gerado nos últimos tempos. Uns opinam e argumentam favoravelmente à entrada de imigrantes, outros têm uma visão muito negativa e põem sérias restrições à sua entrada e outros ainda, olham para o fenómeno de um modo mais moderado – “nem portas escancaradas, nem portas fechadas”. No sentido inverso, são muitos os portugueses que desejam deixar o país, em busca de melhores oportunidades, pela oportunidade de terem novas experiências culturais, e outros lamentam porque os vêm partir.
Olhemos para Portugal: fomos ocupados por romanos, suevos e visigodos, por muçulmanos, tivemos uma importante diáspora judaica, e a Lisboa seiscentista e setecentista teve um significativo número de pessoas vinda de África. No sentido contrário, fomos para as Américas, África e Oriente. Deixámos cultura e descendência por todo o lado, do qual nos orgulhamos.
Quem somos? Filhos de uma enorme mistura de povos. Adquirimos hábitos e costumes de todos eles. E temos um património cultural que mostra a riqueza deixada por esses povos. Somos ao mesmo tempo um povo que não descansou, nem descansa, no seu desejo de espalhar a sua cultura pelo mundo. Sete países, em diferentes continentes, falam a nossa língua. E somos mesmo a língua mais falada no hemisfério sul.
Uns sim outros não
Os imigrantes não são todos iguais. Parece que uns nos são mais “simpáticos” do que outros, e, por isso, mais bem-vindos do que outros.
Eu fui emigrante em várias ocasiões e por diferentes motivos. Foram enormes oportunidades de crescimento e de aprendizagem. Foram, em alguns casos, tempos desafiantes e até difíceis, pela língua, pela comida, pelos horários, pelos hábitos culturais. Porque me faltava o vinho, o azeite ou o pão de Portugal. E claro, porque faltava expressar-me na minha língua materna, juntamente com as saudades dos amigos e da família. Experimentei também a discriminação, seja porque, em alguns casos, me julgavam rico e por isso me “exploravam”, seja porque, noutros casos, me olhavam vindo de um país periférico, seja porque não compreendiam porque estava ali, seja porque era símbolo de um colonialismo.
Fui um dia destes tratar dos dentes a um Instituto Universitário, onde sou uma espécie de cobaia para os alunos que ali se encontram a fazer o seu curso, e reparei que muitos dos alunos são de nacionalidade francesa. Tentam expressar-se em português, mas com muitas dificuldades. Compreendo e aceito, até porque sei o que custa aprender uma nova língua. São praticamente todos brancos e são provenientes de um país mais rico do que o nosso. E sim, para estudarem pagam as propinas, ainda que bastante mais baixas do que aquelas que pagariam em França.
Um fenómeno dos nossos dias é o de receber comida em casa. Observo (o cada vez maior) número de pessoas que fazem o transporte de comida em motas ou bicicletas. Não sei bem qual a sua nacionalidade, mas sabemos que uma grande maioria provém de países da Ásia meridional. Também eles têm dificuldade em falar português, e têm uma tez morena. Trabalham e prestam um serviço cada vez mais procurado. Têm, ou deviam ter um salário justo, estar legalizados, e cumprir com todos os deveres de um estado de direito. Acredito que uma boa parte o faz ou gostaria de fazer.
No bairro onde vivo a grande maioria da população é oriunda dos PALOP, sobretudo de Cabo Verde. De forma genérica, as mulheres trabalhar nas limpezas ou em serviços domésticos e os homens na construção. São negros e vivem num bairro social da margem sul. Pagam impostos, têm filhos e lutam diariamente para poderem viver com dignidade. Têm salários baixos. Pagam impostos. E contribuem para o desenvolvimento do nosso país.
Reparei no outro dia que o segundo maior grupo de estrangeiros em Portugal é de nacionalidade inglesa. Quando o disse a alguns amigos, de repente, ficaram espantados. São brancos e a grande maioria vive bem. Algarve, Lisboa e Porto são os locais onde reside a maioria. Muitos vieram para Portugal pelo clima, pelo custo de vida ser mais baixo que em Inglaterra, porque encontram, num certo sentido, uma melhor qualidade de vida, porque vêm usufruir das suas reformas num “país com sol à beira-mar”. Não creio que contribuam muito para a taxa de natalidade.
Foi notícia recente que Portugal tem perdido muitos jovens que emigram em busca de melhores salários e oportunidades de emprego. Ficamos tristes, mas ao mesmo tempo também ficamos felizes por termos essa liberdade e por nos reconhecerem como bons trabalhadores. Desejamos e congratulamo-nos quando os nossos filhos são bem-recebidos e singram na vida. É também significativo o valor das remessas que os emigrantes trazem e os investimentos que fazem no nosso país.
Lembro-me de há uns anos o medo, o caos que era a presença dos Chineses em Portugal. São muitos, dizia-se. Vão tomar conta de tudo. Vão estragar a nossa cultura. Não cumprem as nossas leis, etc. Era uma espécie de pânico que se tinha gerado. Até se investigava sobre o que faziam aos cadáveres dos mortos. Havia que fazer algo. Era uma questão, mas já não é. Os que ficaram estão integrados. Os seus filhos já falam português, comem bacalhau e são adeptos de futebol de um dos três grandes.
Portugal, sobretudo na década de 60, viu uma boa parte da sua população emigrar. Muitos foram para a França ou Alemanha, depois para a Suíça e Luxemburgo, já para não falar de Angola ou Moçambique, Brasil, Estados Unidos ou Canadá. Hoje vão para Inglaterra, Suíça ou Holanda. Há portugueses por todo o mundo. Nesse “estrangeiro” nem sempre foram bem vistos ou recebidos. Eram pobres, faziam o que os outros não queriam, tinham hábitos “bárbaros”. Veja-se o estereótipo do português na França, por exemplo.
Que dizemos e pensamos nós? O Português é bom, é trabalhador, honesto, etc. Será que o Cabo-Verdiano, o Indiano ou o Brasileiro não o é em Portugal? São muito os preconceitos. Muitas vezes alimentados por mitos infundados ou simplesmente temporários. E sim, não é justo receber ou tratar o estrangeiro sem políticas que promovam e ajudem à sua integração. Quando recebemos alguém em casa não o deixamos à deriva, mas sentámo-lo à nossa mesa e conversamos.
Todos deveriam ser bem-vindos e bem-idos. Uma coisa nos devia preocupar: todas as formas de injustiça e exploração – a ilegalidade; os trabalhos precários e os salários injustos; o tratamento desigual consoante a nacionalidade ou cor de pele. É isso que esperamos quando vamos para um outro país, e desejamos para os nossos jovens emigrantes, que não sofram injustiças e discriminação.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.