De que me serve ter Fé? Para que me serve acreditar em Jesus Cristo e no facto de Ele ser o Filho de Deus, que nos veio reconduzir a Ele? Servir-me-á para alcançar a Vida Eterna? Sim. Mas para alcançar a Vida Eterna é necessário fazer parte de uma estrutura e sociedade altamente hierarquizada, piramidal, onde uma “elite” de uns poucos orienta a Fé e, muitas vezes, a vida, sobretudo no campo moral e íntimo de uma grande maioria. Essa estrutura, humana e terrenamente, pouco ou nada se assemelha ao grupo que Cristo formou com os apóstolos.
Nesta época sinodal, muita da partilha que os crentes (ou, pelo menos, as pessoas com interrogações metafisicas) têm feito revela que, para além de desconhecerem as estruturas eclesiais, não veem nelas utilidade alguma. A aproximação a Jesus Cristo joga-se, essencialmente, na capacidade de relacionamento, de compreensão e de empatia. Vive-se na relação e no testemunho que vemos e damos, partilhando algo num jogo de conceção permanente, em que construímos e somos construídos, produzimos e somos produzidos. Diria, eu, que o anúncio e a sua vivência são um ato comunicacional.
Nesse sentido, qualquer estratificação societária é completamente anacrónica quando o essencial se centra à volta de uma realidade verdadeiramente dialógica. Num mundo onde há muito se esbateu a diferença entre o emissor e recetor e onde tudo está ao mesmo nível, manter, criar e alimentar estruturas hierarquizadas é continuar a “enxotar” aqueles que desejam conhecer Cristo e fazê-Lo conhecido noutras fronteiras.
Num mundo onde há muito se esbateu a diferença entre o emissor e recetor e onde tudo está ao mesmo nível, manter, criar e alimentar estruturas hierarquizadas é continuar a “enxotar” aqueles que desejam conhecer Cristo e fazê-Lo conhecido noutras fronteiras.
Não se trata de criar um anarquismo cristão, de todo é essa a minha premissa ou proposta. Trata-se de contar com todos como solução, ouvindo e agindo de acordo com o discernimento que Deus faz surgir, através de e no Seu Povo.
O problema é que o clericalismo, infelizmente, não é somente algo com raízes nos clérigos, mas igualmente em muitos cristãos leigos, que olham para os sacerdotes como aqueles que decidem sobre todos os âmbitos da sua vida cristã, pessoal e familiar. Na minha perspetiva, isso terá outra designação, muito mais relacionada com a opressão e violação de consciência, ou a incapacidade, ou inexistência de vontade de refletir e agir, livremente, em consonância com o que, nós mesmos, pensamos. E este é um processo que nasce de hábitos, que temos ou não temos. Os clericalistas, leigos ou consagrados, estão habituados a viver assim.
Esse mundo dominado pelas certezas e onde as surpresas da graça não têm grande espaço, são os mundos onde radicalizamos tudo, como os discípulos, que, cegos pela sua vontade e visão, impedem alguém de expulsar demónios, porque não segue Jesus (Mc 9, 38-39), ou perguntam se devem mandar descer fogo do céu para destruir os samaritanos (Lc 9,51-62). Aí, nesse lugar de tantas certezas, tudo passa a ser adjetivado, sem se perceber que estamos errados quando defendemos que, quem não pensa como nós, não é digno de Cristo. Podemos ser diferentes e continuar a comunicar, anunciar, viver o mesmo Amor que é o próprio Deus, porque, Ele próprio o disse, ninguém poderá fazer milagres se falar mal Dele.
Precisamos de mais verbos: respeitar, acolher, escutar. Precisamos de mais advérbios: calmamente, abertamente, agora, muito. Precisamos, quiçá, de pensar se existe Salvação e Vida Eterna fora das estruturas eclesiais e pastorais. Porque, certamente, há gente que a merece.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.