Aprender com o P. Arrupe, SJ

No dia em que celebramos 29 anos da morte do Servo de Deus, Pedro Arrupe, SJ, que as suas palavras nos levem a pensar a nossa educação com os olhos postos em cada aluno e aluna que nos é confiado nesta missão de educar.

Se a restauração da Companhia de Jesus no séc. XIX teve de adaptar-se aos novos tempos, muito mais se tiveram de adaptar os jesuítas durante o séc. XX. Os desafios para a Igreja Católica – e para todas as sociedades, em geral – foram infinitos. Duas guerras mundiais abalaram o planeta; os movimentos pelos direitos civis espalharam-se dos EUA para o mundo inteiro. O Concílio Vaticano II abriu as portas da Igreja a um novo sentido de justiça social, que ganhou credibilidade no espaço público. A Companhia de Jesus não se fez surda ou cega aos sinais dos tempos. Mesmo antes do fim do Concílio, em 1965, Pedro Arrupe, SJ, foi eleito Superior Geral da Companhia de Jesus. O médico basco que deixou os hospitais para cuidar das almas, o padre que sobreviveu à bomba de Hiroshima quando vivia no Japão, esteve à frente dos jesuítas, durante mais de vinte anos. Devido aos seus incansáveis esforços para implementar as mudanças trazidas pelo Concílio e para adaptar a Companhia aos novos tempos, é muitas vezes chamado o “refundador” da Companhia de Jesus ou, como Peter-Hans Kolvenbach, SJ, lhe chamou na Universidade de Deusto, “o profeta da renovação conciliar”. A sua busca por uma fé que faz justiça mudou o modo de proceder da Companhia de Jesus em todos os seus ministérios.

A educação nos colégios da Companhia também bebeu desse aggiornamento e Arrupe não deixou de se implicar com o modo como os alunos e alunas dos colégios da Companhia deviam ser educados.

Apoiando-se nos documentos fundacionais da Companhia de Jesus, pediu a leigos e jesuítas que traduzissem os valores neles contidos numa linguagem contemporânea. Desde o início, que o centro da pedagogia inaciana é a formação integral da pessoa humana: um modo de proceder ético, que exige tempo, acompanhamento e esforço pessoal.

Devido aos seus incansáveis esforços para implementar as mudanças trazidas pelo Concílio e para adaptar a Companhia aos novos tempos, é muitas vezes chamado o “refundador” da Companhia de Jesus ou “o profeta da renovação conciliar”.

Centrado em Jesus Cristo e apontando para a formação integral da pessoa humana, Arrupe esboçou algumas características gerais dos alunos e alunas dos colégios da Companhia:

Homens e mulheres prontos para servir, segundo o Evangelho; pessoas novas transformadas por Cristo, abertas ao seu tempo e ao futuro. Para isso, todos os métodos pedagógicos devem ser construídos à medida destes objetivos, porque o ideal das nossas escolas não é produzir pequenos monstros académicos, desumanizados e retraídos. Nem é produzir fiéis piedosos, alérgicos ao mundo em que vivem, incapazes de responder com empatia aos seus desafios. O nosso ideal é chegar a ter homens e mulheres equilibrados, serenos e constantes, abertos a tudo o que é humano.

No dia em que celebramos 29 da sua morte (Bilbao, Espanha, 14 de Novembro de 1907 – Roma, Itália, 5 de Fevereiro de 1991), inspiramo-nos nestas palavras do Servo de Deus Pedro Arrupe, SJ; que nos levem a pensar a nossa educação com os olhos postos em cada aluno e aluna que nos é confiado nesta missão de educar.

 

1. Homens e mulheres para os outros

“O nosso objetivo é formar homens e mulheres que não vivam para si, mas para Deus e para Cristo; para Aquele que por nós morreu e ressuscitou; homens e mulheres para os outros, ou seja, que não concebam o amor a Deus sem o amor à humanidade; um amor eficaz, que tem como primeiro postulado a justiça e que é a única garantia de que o nosso amor a Deus não é uma farsa ou uma máscara farisaica que oculte o nosso egoísmo. Toda a Escritura nos adverte para esta união entre o amor a Deus e o amor eficaz ao próximo.”

 

2. Abertos ao seu tempo e ao futuro

“O ensino secundário dá-nos acesso às mentes e corações de grande número de jovens, num momento privilegiado das suas vidas. Já são capazes de assimilar de maneira coerente e racional os valores humanos à luz da fé cristã. Ao mesmo tempo, a sua personalidade ainda não adquiriu traços de tal maneira instalados que resistam a uma formação saudável. É especialmente durante os tempos do secundário que a mentalidade dos jovens se forma sistematicamente; consequentemente, é o momento no qual podem e devem alcançar uma síntese harmoniosa entre fé e cultura moderna.”

 

3. Os métodos pedagógicos

“O compromisso da educação jesuíta é com alunos e alunas de qualquer classe social, económica ou cultural sem distinção, o que implica uma criatividade para incluir cada pessoa, sem esquecer o critério da excelência. (…) A excelência que procuramos consiste em formar homens e mulheres de princípios retos, que apropriem esses princípios pessoalmente; homens e mulheres abertos aos sinais dos tempos, sintonizados com o seu meio cultural e os seus problemas; homens e mulheres para os outros.

E quero sublinhar a importância da excelência académica no nosso trabalho na educação: seria um erro sacrificar este objetivo por outros, que podem ser bons em si mesmos e poderiam ser válidos noutras instituições, mas que só visam aumentar o número de alunos.”

O verdadeiro objetivo de um centro educativo da Companhia de Jesus foca-se no especificamente humano e cristão.

4. As nossas escolas

“A comunidade educativa é composta pela comunidade de jesuítas, os colaboradores leigos, os alunos e alunas e as suas famílias. Se é um autêntico colégio jesuíta – isto é, se o nosso modo de proceder no colégio flui das fortalezas próprias do nosso carisma, se damos a conhecer as nossas características essenciais e as nossas opções básicas – então a educação que os nossos alunos e alunas recebem deve dar-lhes uma certa ‘inacianidade’, se podemos usar este termo. Não falo de arrogância ou snobeira, menos ainda de um complexo de superioridade. Refiro-me simplesmente à consequência lógica do facto de vivermos e procedermos segundo o nosso próprio carisma. A nossa responsabilidade é oferecer, através das nossas escolas, o que acreditamos que Deus e a Igreja nos pedem.”

 

5. O nosso ideal

“Quem termina os estudos nos nossos colégios deve ter adquirido, de acordo com as suas idades e maturidade, um modo de vida que é em si mesmo a proclamação da caridade de Cristo, da fé que vem dele e ao mesmo tempo nos encaminha para ele, e da justiça que ele anunciou. Devemos fazer todos os esforços para transmitir aqueles valores que são parte da nossa herança inaciana. Devemos, até, transmiti-los àqueles que não partilham a nossa fé em Cristo, se os traduzirmos em valores éticos e morais de retidão moral e solidariedade, que também vêm de Deus.”

Não é possível conceber a pedagogia inaciana sem as suas raízes em Jesus e no Evangelho, assim como não é possível concebê-la sem erguer os olhos à sua finalidade. Todo o carisma inaciano é uma constante prática de se deixar maravilhar pelo mundo que nos rodeia e, ao mesmo tempo, colaborar na sua criação. Por isso mesmo, tudo o que fazemos (experiência), deve estar sujeito a exame e avaliação (reflexão) para se poder chegar a melhorar e progredir de bem em melhor (acção).

A proposta inaciana, atualizada por Arrupe, não pretende de modo nenhum ser prosélita ou exclusiva. Afinal, o que deve mover quantos dedicam as suas vidas à educação – dentro e fora de um colégio da Companhia de Jesus – é a confiança na importância permanente do que estão a fazer e o cuidado, carinho, atenção e amor por cada aluno e aluna, para que cheguem a ser a melhor versão para que foram criados.

 

Discursos do P. Pedro Arrupe, SJ, aos Antigos Alunos dos Colégios da Companhia de Jesus.

Pedro Arrupe, As nossas escolas secundárias, hoje e amanhã, 1980.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.