Ano Novo…vida velha? Ou Ano Velho…vida nova?

Mas afinal o que muda com as 12 badaladas? Porquê esta fixação pela passagem para o Ano Novo se a vida continuar velha, isto é, se não preparamos a verdadeira mudança?

A escolha pela primeira ou pela segunda questão depende da perspetiva de vida adotada por cada um. Refletir sobre a vida remete-nos para uma viagem ao âmago da nossa personalidade, à cultura, à educação, à missão educativa da família e dos educadores em geral.

Considerando esta visão, propomos refletir sobre a forma como encaramos a vida com e pelos outros, o “tornar-se pessoa”, a relação com os outros; como aplicamos a ciência aos pensamentos, sentimentos, comportamentos, à motivação para fazer, à autorregulação do ser.

Os últimos dias do mês de dezembro são caraterizados pelo rescaldo do tempo natalício e pela preparação do Ano Novo. Todos experimentamos, nesses dias, a necessidade de mudança (muitas vezes com superficialidade), a expetativa de encontrar um ano melhor. Seguimos rituais que nos aproximam desse ideal de Ano Novo… preparamos as 12 passas e pedimos 12 desejos. Todos preparamos a entrada do Ano Novo com “pompa e circunstância”. Às 12 badaladas, brindamos, festejamos com os nossos entes queridos, aludimos a desejos sem fim. Mas afinal o que muda com as 12 badaladas? Porquê esta fixação pela passagem para o Ano Novo se a vida continuar velha, isto é, se não preparamos a verdadeira mudança? Não será preferível valorizar mais o Ano Velho, refletir sobre as experiências que nos proporcionou, realizar um balanço e, consequentemente, alavancar a Vida Nova? Na verdade, porque não transformar esta passagem num tempo de reflexão sobre as experiências do passado, mais longínquo ou mais recente e, se possível, acompanhada?

Não será preferível valorizar mais o Ano Velho, refletir sobre as experiências que nos proporcionou, realizar um balanço e, consequentemente, alavancar a Vida Nova?

Como preparar o Ano Novo, isto é, preparar uma Vida Nova? O que é Vida Nova? Significa acrescentar? Passagem, mudança, são processos complexos que não estão simplesmente inscritos nos genes. Pelo contrário, precisam de ser aprendidos ao longo da vida, no contexto familiar, no contexto escolar/académico e noutros contextos de referência. São processos que implicam preparação. O querer mudar, o valorizar a mudança, o encarar a mudança como inevitável ao desenvolvimento como pessoas, precisam ser aprendidos e educados. Mudar está dependente do querer, mas igualmente do projetar, do fazer em colaboração.

Como pais e educadores ajudamos os nossos filhos, os nossos educandos a querer mudar, a mudarem efetivamente? Ou, pelo contrário, educamos para a suposta “estabilidade” do “tudo na mesma”, mesmo sabendo que a mudança e a adaptação são inevitáveis e vitais? Que exemplos de mudança somos? Agora que o Ano Novo começou, porque não apostar numa Vida Nova, entenda-se uma vida renovada, mais próxima dos verdadeiros valores, dos outros, de nós mesmos, das nossas raízes?

Novo significa estar, dialogar, amar, criar rituais familiares inter-geracionais, partilhar experiências e sentimentos, estabelecer regras, enfim, “restaurar” o significado de ser família.

Este é o desfio que lanço a todos os pais e educadores. Sim, a todos. Não vale a desculpa “ainda são pequenos”. Na verdade, todos estes processos de mudança devem iniciar-se muito cedo, dado que são aprendidos através da relação emocional e afetiva. A ciência mostra-nos que a aprendizagem é um processo de conhecimento, de sentimento e de relação. Assim, crianças que confiam nos pais e educadores (porque têm razões para tal), começam por aprender por observação, desenvolvem o sentido de procura e curiosidade, crucial para o tal “querer mudar”. Ao mesmo tempo, crianças vinculadas de forma segura aos seus pais e educadores facilmente desenvolverão uma imagem de si positiva e expetativas positivas de autoeficácia, tão importantes para o querer, o acreditar que conseguirão, para o permanecer na mudança, apesar das contrariedades que surgirão pelo caminho. Ano Novo deverá ser tempo de ajudar as crianças e os jovens a conhecerem as suas competências. Para tal é importante que a família crie momentos de experimentar, de fazer, de dialogar, de avaliar e integrar, isto é, de aprendizagem.

Concomitantemente ao desenvolvimento de competências de autoconhecimento e de autoestima, as crianças devem aprender a estabelecer objetivos (poucos, mas com sentido), metas, a tomar pequenas, mas grandes decisões. Mas não é isso que fazemos quando associamos desejos às passas nas 12 badaladas? Provavelmente não. Na verdade, um objetivo é uma meta ao nosso alcance, concreta, exequível, cuja concretização é avaliável. Uma meta para uma criança pode ser ajudar um amigo a aprender a jogar futebol, estar mais tempo com os avós, aprender a tocar guitarra. Ao criar objetivos, as crianças estão a dar sentido à vida, nas suas diferentes dimensões pessoal, social, familiar, espiritual e escolar. Pelo contrário, se silenciarmos as crianças, não lhes criamos oportunidades de se posicionarem, de darem a sua opinião fundamentada. Crianças que vão aferindo o seu caminho, os seus objetivos, acompanhadas pelos pais e educadores, sentirão uma verdadeira necessidade de mudar.

Depois de “saberem para onde vão”, sempre acompanhados pelos educadores, de forma mais próxima ou menos próxima, conforme as suas necessidades, há que ajudá-las a definir um plano, a estratégia para alcançar os objetivos, experimentar a proatividade. Como referíamos anteriormente, caso o objetivo definido seja estar mais tempo com os avós, há que estabelecer quando, como, com quem, de acordo com as possibilidades familiares. Este plano deve ser elaborado em conjunto e deve ser exposto num local de grande visibilidade e de acesso a todos. E porque o fazer implica compromisso, esforço, é fundamental que eduquemos as crianças a acreditar que vão conseguir, a valorizar o esforço, a não ter receio de pedir ajuda (pressupondo que os adultos estão disponíveis para ajudar).

E porque o fazer implica compromisso, esforço, é fundamental que eduquemos as crianças a acreditar que vão conseguir, a valorizar o esforço, a não ter receio de pedir ajuda (pressupondo que os adultos estão disponíveis para ajudar).

Definir objetivos e planear a sua execução é fundamental no processo de mudança, contudo trata-se apenas de uma fase preparatória, é apenas o início do processo. Na verdade, importa acompanhar a execução do plano, das ações, das estratégias, monitorizar, ir aferindo o que é necessário realizar, aprender com as experiências, persistir, pedir ajuda. No fundo é estender a mudança, normalizar a mudança. Tal remete para uma presença e um diálogo constante: “como tem corrido?”, “precisas de ajuda?”, “muito bem!”, “nem sempre corre como queremos, mas…”.

Finalmente, mas não menos importante, é crucial educarmos para a autorreflexão, para a autoavaliação constantes, tornando estes períodos na família e na escola verdadeiros momentos de aprendizagem. Paulatinamente a criança deixa de ter receio de enfrentar as dificuldades, os desafios, e ao mesmo tempo passa a sentir satisfação pelas pequenas mudanças e a querer continuar.

Ano Novo e Vida Nova têm o mesmo significado. Mudar é viver.

Porque não neste início de ano ajudar as crianças, adolescentes, jovens, adultos, adultos mais velhos a pensarem sobre Ano Novo, Vida Nova?

Que bom seria que um dos 12 desejos de cada pai/mãe, educador, fosse educar para a mudança. Ainda estamos a tempo.

Fotografia de: Monty Allen – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.