Nos últimos meses temos assistido a uma sucessão de eventos climáticos extremos com consequências trágicas: chuvas torrenciais provocando cheias em vários países europeus – Bélgica, Países Baixos e a Alemanha a somar destruição, derrocadas e mortes. Por outro lado, enormes ondas de calor e incêndios brutais na Sibéria, Canadá, EUA e mais recentemente na Grécia e na Turquia devastando tudo à sua frente.
São fenómenos repentinos que, por isso, parecem surpreendentes. Mas os avisos já vinham de longe. As alterações climáticas, com o seu cortejo de consequências dramáticas, são cada vez mais previsíveis. E, apesar de já estarem a acontecer há muito, sobretudo nos países em desenvolvimento, continuaram tempo demais a ser vistas como acidentes pontuais e desarticulados.
Perante esta cascata de eventos extremos, será que chegou também o momento-chave da consciência pública generalizada e muito particularmente dos responsáveis políticos sobre a efetiva gravidade da situação e a necessidade de a enfrentar?
Perante esta cascata de eventos extremos, será que chegou também o momento-chave da consciência pública generalizada e muito particularmente dos responsáveis políticos sobre a efetiva gravidade da situação e a necessidade de a enfrentar? Quando é que assumimos coletivamente as alterações climáticas como um problema a encarar seriamente que implica mudanças necessárias no nosso modo de vida?
É que hoje parece cada vez mais evidente que os seus efeitos fazem-se sentir ainda mais depressa e mais dramaticamente do que chegámos a esperar: ondas de calor, incêndios; secas; doenças tropicais fora dos trópicos; degelo; subida do nível médio do mar; tempestades, ciclones… e toda a multiplicação dos seus impactos devastadores. O último relatório do Intergovernmental Panel for Climate Change (IPCC) acaba de ser divulgado e já não deixa margem para quaisquer dúvidas.
A questão coloca-se, pois, tal como o Acordo de Paris já equacionara em 2015: se o aquecimento global ultrapassar o limite de 1,5ºC e chegar aos 2ºC, as consequências em cascata serão incontroláveis gerando o colapso das sociedades e das economias. Será a queda do castelo de cartas impossível de suster a meio uma vez começada? Mais 1,5ºC é uma média global que pode significar dias seguidos de 50ºC ou mais em várias zonas do globo, como aliás já estamos a assistir – a Acrópole de Atenas teve de encerrar depois da temperatura ter ali atingido os 55ºC.
Ora, para mantermos o nível de aquecimento global abaixo destes 1,5ºC, temos de alterar sistemas que se instalaram profundamente nos nossos hábitos económicos e sociais tanto na produção como no consumo e que, entretanto, se globalizaram.
Ora, para mantermos o nível de aquecimento global abaixo destes 1,5ºC, temos de alterar sistemas que se instalaram profundamente nos nossos hábitos económicos e sociais tanto na produção como no consumo e que, entretanto, se globalizaram. Da grande indústria à alimentação individual, ou seja, desde a forma de produzir aço e cimento à produção e consumo de carne, as mudanças têm de ser rápidas e têm de contar com tecnologias eficientes na utilização dos recursos energéticos e outros. Temos de tomar decisões sobre medidas que possibilitem uma melhor adaptação aos fenómenos climáticos extremos. E temos de fazer tudo isto com justiça, pois os países que menos têm contribuído para as emissões dos gases com efeito de estufa, os mais pobres, são os que mais sofrem as consequências.
Por isso, as alterações climáticas são hoje um grande fator de mudança. Elas vieram alterar o cenário dos debates: não só integram outros debates, nomeadamente os da justiça e o das desigualdades, como introduziram fortemente a necessidade de uma nova noção de temporalidade – o relógio está em contagem decrescente. Faremos, ou não, o que sabemos que é necessário e urgente?
Está tudo em xeque com as alterações climáticas, mas o que está sobretudo em causa é a vida humana. Ela é a principal e a mais complexa das vulnerabilidades – aquela onde convergem mais fatores e a partir da qual se geram outros problemas: migrações climáticas forçadas, conflitualidade política, doenças, contaminações… Num mundo interdependente, os problemas virão sempre bater à porta de todos sem escapatória. Por isso, é preciso agir à escala global mas também às escalas nacional e local.
A Conferência das Nações Unidas – COP de Glasgow – marcada para novembro deste ano será decisiva, pois as metas do Acordo de Paris só poderão ser atingidas com um Pacto Global que lá se conseguir alcançar. Mas, entretanto, as medidas de adaptação às alterações climáticas são urgentes para prevenir e atenuar as situações dramáticas a que já inevitavelmente vamos ser expostos.
Portugal é um país que apresenta vulnerabilidades significativas. Entre nós, adaptação às alterações climáticas, significa aproveitar os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para melhorar a eficiência energética do nosso impreparado parque habitacional.
Portugal é um país que apresenta vulnerabilidades significativas. Entre nós, adaptação às alterações climáticas, significa aproveitar os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para melhorar a eficiência energética do nosso impreparado parque habitacional de modo a conseguirmos resistir às ondas de calor e frio e combater a pobreza energética que tantas vítimas já faz em Portugal. Isso significa deixar de construir nas zonas costeiras, da forma imprudente como fizemos durante anos, e planear o recuo de algumas dessas zonas mais vulneráveis já reconhecidamente sujeitas aos impactos das tempestades e da subida do nível médio do mar. O mesmo para as construções em leitos de cheia de rios e encostas instáveis. Significa também encarar e precaver a seca e desertificação no interior centro e no sul, com destaque para o Algarve, evitando práticas agrícolas que requerem grandes quantidades de água. Significa de uma vez por todas investir, séria e sistematicamente, na prevenção dos incêndios com ordenamento florestal apoiado na execução de um cadastro que tarda. Significa ainda apostar em transportes limpos e eficientes, na redução das emissões e na expansão das energias renováveis. E, por fim, estancar o declínio do nosso património natural – desde os estuários e recursos marinhos aos ecossistemas terrestres que são essenciais à produção alimentar e à própria economia e ao bem-estar humano.
O grande desafio é mesmo o da mudança rápida e inevitável, queiramos ou não. E mais vale querer porque ou decidimos mudar, ou será o clima a impor contra nós as mudanças que não soubermos fazer agora. O preço de não agir imediatamente será demasiado caro para todos os que cá estamos e para as gerações que queremos ver nascer e crescer com esperança.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.