«Gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante. Esta é muitas vezes a santidade “ao pé da porta”, daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras palavras – da “classe média da santidade”». Deste modo se exprime o Papa Francisco em Gaudete et Exsultate (7), que merece uma atenção muito especial, já que importa considerar os exemplos de cuidado, de entrega, de gratuitidade – muito para além do heroísmo e do sublime. Falamos de gente comum, como nós, a quem se pede que não descure a qualidade de pessoas, cuja dignidade tem de ser defendida e preservada. É esta preocupação com a proximidade de todos que nos conduz a uma ética ao nosso alcance, para que a comunidade em que vivemos se torne mais humana.
Na Exortação Apostólica agora saída a lume o Papa é muito claro, ao afirmar: «Deixemo-nos estimular pelos sinais de santidade que o Senhor nos apresenta através dos membros mais humildes deste povo que “participam também da função profética de Cristo, difundindo o seu testemunho vivo, sobretudo pela vida de fé e de caridade”. Como sugere Santa Teresa Benedita da Cruz (Edite Stein), é através de pessoas inesperadas que se constrói a verdadeira história: “Na noite mais escura, surgem os maiores profetas e os santos. Todavia a corrente vivificante da vida mística permanece invisível. Certamente, os eventos decisivos da história do mundo foram essencialmente influenciados por almas sobre as quais nada se diz nos livros de história. E saber quais sejam as almas a quem devemos agradecer os acontecimentos decisivos da nossa vida pessoal, é algo que só conheceremos no dia em que tudo o está oculto for revelado”» (8). É este o mistério fundamental com o qual estamos confrontados – a santidade não é uma abstração ou uma impossibilidade. É um apelo e uma responsabilidade, para todos – a partir da imperfeição e da perfetibilidade. A possibilidade de contruirmos uma sociedade melhor e a capacidade de compreendermos a presença de Deus nos outros são os elementos essenciais da vocação humana. E Jesus Cristo é o apelo supremo à humanidade concreta. «Sê santo, cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos» (14). As “almas sobre as quais nada se diz nos livros de história” são a verdadeira matéria-prima com que temos de lidar – na sociedade, na economia, na política e na cultura. Nada do que é humano pode ser estranho à realização da liberdade e da responsabilidade. Por isso, São João da Cruz escreveu no seu Cântico Espiritual, que «preferia evitar regras fixas para todos, explicando que os seus versos estavam escritos para que cada um os aproveitasse “a seu modo”. Pois a vida divina comunica-se “a uns duma maneira e a outros doutra”» (11). Nem a razão, nem o conhecimento, nem a vontade podem substituir a generosa procura do amor. É na entrega que está o pleno cumprimento da lei, já que a fé atua pelo amor.
A felicidade e as bem-aventuranças tornam-se sinónimos de santidade. Assim, o Papa Francisco faz uma circunstanciada visitação do Sermão da Montanha como apresentação de um elenco de atitudes orientadas para a “agapé”, o amor cristão. O cristianismo não é uma espécie de ONG ou nova ideologia, nem um conjunto de boas intenções. A firmeza, a paciência e a mansidão têm de ser cultivadas – com luta, vigilância e discernimento. Mas que não falte a alegria e o sentido de humor que se devem ligar à relação íntima de amizade que é a oração… «Jesus chama felizes os pobres em espírito, que têm o coração pobre, onde pode entrar o Senhor com a sua incessante novidade» (68).
Do que falamos, de facto, é de um apelo sereno, mas muito sério, à liberdade e à responsabilidade, à atenção e ao cuidado, numa palavra à aprendizagem de um caminho generoso e empenhado no sentido do respeito mútuo, da amizade e do amor cristão. E o certo é que este desafio refere-se a todos os homens e mulheres de boa vontade – e não apenas a alguns!… E não esqueçamos na vida política, a canonização de Tomás More, autêntico símbolo de retidão e de defesa do bem comum, segundo a força e a coerência das bem-aventuranças, bem como os processos de beatificação, que correm os seus termos – de Robert Schuman, um dos pais fundadores das Comunidades Europeias, e de Giorgio La Pira, deputado italiano e síndaco da cidade de Florença.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.