“Acorda-me quando setembro acabar” ou “O melhor de mim”?

Acontece que é neste cenário de recomeço, no confronto com velhas e novas lutas exteriores e interiores que se joga realmente a nossa felicidade e a capacidade que temos (ou não) de contribuir para a felicidade dos outros.

Quis a sorte que me voltasse a calhar escrever um artigo exatamente na semana de início do ano letivo. No ano passado, em jeito de Ano Novo, partilhei desejos para o ano letivo que começava e intenções de mudança pessoal, procurando recuperar a utopia criadora e transformadora que tanta falta nos faz.

Desta feita, confesso que o novo ano começa gingando entre duas músicas que gosto de ouvir: “Wake me up when September ends”, da banda americana Green Day, e “O melhor de mim”, da portuguesa Mariza (com música de Tiago Machado e letra de Boss AC).

Mesmo gostando muito daquilo que faço e das pessoas com quem trabalho, o recomeço afigura-se-me como uma montanha difícil de escalar e cuja dimensão e extensão não consigo entrever porque a dada altura as nuvens dominam e tapam a visão. Não é só pela nostalgia do tempo de férias, um tempo de maior liberdade e disponibilidade para a relação com as pessoas que nos são mais significativas e com muito daquilo que mais nos interessa. É a antevisão dos próximos dois meses de muitíssimo trabalho, com a certeza de que os restantes meses serão pouco diferentes, o que, em conjunto com as exigências da vida familiar, deixa muito pouco tempo para tudo o resto (incluindo dormir…); é a própria dificuldade de conciliação entre a vida profissional e familiar e todos os habituais stresses, dilemas e desentendimentos que isso origina; é a rotina e a logística dos transportes, dos trânsitos, dos horários e dos deadlines que teimam em se adiantar e que me fazem sentir andar num estado de permanente atraso e incumprimento; é o tempo que me foge sem perceber como e que me sinto impotente para dominar; é o voltar a lidar com pessoas e assuntos pouco agradáveis e desgastantes. Acima de tudo, é o retomar do confronto com as minhas fragilidades e dificuldades de estimação, velhas amigas/inimigas que, à partida, não me apetece assim tanto voltar a enfrentar num novo round.

Acontece que é neste cenário de recomeço, no confronto com velhas e novas lutas exteriores e interiores que se joga realmente a nossa felicidade e a capacidade que temos (ou não) de contribuir para a felicidade dos outros.

Neste cenário de incómodos e incertezas, a tentação de optar pelo lugar cómodo (porque certo) do desânimo e do alheamento é grande. Epidermicamente, seguir a sugestão dos Green Day de adormecer e acordar apenas no final de setembro parece romântica e sedutora (e quem diz setembro, diz outubro, novembro…). Fugir. Da realidade, dos outros, de mim.

Acontece que é neste cenário de recomeço, no confronto com velhas e novas lutas exteriores e interiores que se joga realmente a nossa felicidade e a capacidade que temos (ou não) de contribuir para a felicidade dos outros. Fugir disso é fugir da oportunidade de sermos verdadeira e realmente felizes, apesar (ou através) das rotinas, dos cansaços, das chatices, dos desacordos, dos atrasos, das frustrações, das nossas limitações. Obviamente que não é fácil e não será seguramente neste recomeço que tudo se resolverá a contento, como que por magia. Mas o caminho do sentido, do sentido profundo do que faço (nos vários contextos, das coisas maiores às mais pequenas) e, acima de tudo, do que sou, é “a chuva que molha e passa” que me ajuda a crescer, a sair da sombra que me seduz em busca do melhor de mim.

 

P.S. Partilho a letra completa da música “O melhor de mim” (como disse acima, da autoria de Boss AC):

 

Hoje a semente que dorme na terra

E que se esconde no escuro que encerra

Amanhã nascerá uma flor.

Ainda que a esperança da luz seja escassa

A chuva que molha e que passa

Vai trazer numa gota amor.

 

Também eu estou à espera da luz.

Deixo-me aqui onde a sombra seduz.

Também eu estou à espera de mim.

Algo me diz que a tormenta passará.

 

É preciso perder para depois se ganhar

E mesmo sem ver, acreditar.

É a vida que segue e não espera pela gente

Cada passo que dermos em frente

Caminhando sem medo de errar.

Creio que a noite sempre se tornará dia

E o brilho que o sol irradia há-de sempre me iluminar.

 

Quebro as algemas neste meu lamento

Se renasço a cada momento meu destino na vida é maior.

 

Também eu vou em busca da luz

Saio daqui onde a sombra seduz.

Também eu estou à espera de mim

Algo me diz que a tormenta passará.

 

É preciso perder para depois se ganhar

E mesmo sem ver, acreditar.

A vida que segue e não espera pela gente

Cada passo que dermos em frente

Caminhando sem medo de errar.

E creio que noite sempre se tornará dia

E o brilho que o sol irradia há-de sempre nos iluminar.

 

Sei que o melhor de mim está pra chegar.

Sei que o melhor de mim está por chegar.

Sei que o melhor de mim está pra chegar.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.