Hoje faria dois meses desde o encontro da Economia de Francisco em Assis, que juntaria jovens economistas, empreendedores e empresários para a reflexão e criação de soluções concretas para uma economia mais inclusiva, solidária e ambientalmente sustentável. Este encontro que o Papa Francisco convocou para os dias 26 e 28 de março foi adiado devido à pandemia COVID-19. Infelizmente, a expectativa que criei, como participante, de ver acontecer a transformação resultante do encontro de quase 2000 jovens de 115 países com novas ideias prontas a implementar nas suas organizações, empresas e vidas pessoais não foi correspondida.
No entanto, é evidente a oportunidade de transformação que esta pandemia oferece. Não apenas aos 2000 jovens convocados para o evento em Assis, mas a todo o mundo. Foi exigido à grande maioria da população que parasse, que ficasse em casa para conter a propagação do coronavírus. Depois de grandes debates e controvérsia, vivemos agora o processo de desconfinamento e de reabertura da economia… termos que marcam um novo capítulo.
O ritmo em que vivemos (ainda a meio gás) é propício à reflexão, permitindo-nos dar tempo ao encontro e ao diálogo que fomentam novas soluções para os vícios de uma vivência distante de realidades como são a pobreza, a desigualdade, exclusão social e a contínua degradação ambiental. O Papa Francisco identifica a sociedade do “eu” como a raiz destes vícios. O “eu” torna-se o centro do mundo e a forma como pensamos e agimos são fruto de avaliações da forma como os acontecimentos e circunstâncias me afetam a “mim” e só a “mim”. As consequências dessa instigação do interesse individual, nomeadamente a indiferença ao sofrimento e miséria do mundo e a degradação ambiental, não estão desligados da economia.
O verdadeiro desafio é educarmos a própria pessoa a desejar identificar os problemas sociais que fomos banalizando até nos tornarmos indiferentes a questões que exigem uma resposta de todos. Este processo de consciencialização facilita a conversão necessária para acertar com o bem comum, atuando com sentido de responsabilidade perante as consequências devastadoras a nível económico, social e humano que esta crise sanitária desencadeou.
É difícil ainda compreender a extensão da crise que enfrentamos, mas a pobreza e a exclusão social já são e vão continuar a ser realidades mais evidentes na nossa sociedade, realidades que exigem a coragem de todos para encarar de frente e agir em concordância. É crucial uma ação duradoura e capaz de responder a esta crise global, estendendo-se a todas as outras crises humanitárias que persistem. Para a firmeza que exige, é urgente a verdadeira conversão comunitária.
O verdadeiro desafio é educarmos a própria pessoa a desejar identificar os problemas sociais que fomos banalizando até nos tornarmos indiferentes a questões que exigem uma resposta de todos
O primeiro passo é a mudança de atitude individual para um maior sentido de responsabilidade social. O consumo irresponsável por parte dos indivíduos e das empresas é um dos grandes tributários para a desigualdade planetária. Na necessidade de dinamizar a nossa economia, devemos procurar ser bons exemplos, promovendo o crescimento de alternativas menos consumistas e mais solidárias. As externalidades negativas dos atuais modelos de produção e consumo afetam a saúde da economia, ainda que não contempladas pelos indicadores de riqueza de um país como é o PIB. Nesse sentido, e partindo do princípio da subsidiariedade, precisamos de refletir sobre os nossos estilos de vida e de ter firmeza para que, de forma realista, possamos criar hábitos de melhor gestão do consumo, evitando o desperdício.
O segundo passo é a determinação para nos envolvermos de forma generosa, com um olhar atento a novos tipos de pobreza que possam surgir. É crucial fazermos parte das redes de apoio informal e não deixarmos a ação social apenas para o Estado. São inúmeras as instituições e iniciativas de apoio social que têm realizado um trabalho notável e que precisam de meios (recursos humanos e financeiros) para levarem a cabo as suas missões.
Por fim, é importante olharmos para a pandemia como uma oportunidade para exigirmos que os diferentes atores da economia redefinam as suas prioridades para uma maior justiça social. O foco deve ser as pessoas, as famílias. É necessário salvaguardar empresas e postos de trabalho, com a consciência de que para muitos a situação de desemprego e layoff vai perdurar, criando uma enorme incerteza sobre os rendimentos das famílias. São situações críticas que exigem o diálogo e a transparência dos nossos líderes políticos. Os governantes devem ser exemplo e dinamizadores da economia, mostrando-se próximos das empresas e do mundo do trabalho. Adicionalmente, é relevante a busca de soluções conjuntas, entre as famílias, o setor público e o privado para robustecer a oferta dos serviços sociais e de saúde.
Temos de ir para a linha da frente como fizeram e continuam a fazer os médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde, pondo em risco a própria saúde para salvar o país da crise sanitária. É tempo para dar testemunho, como o que foi dado por todos os trabalhadores que asseguraram os serviços mínimos, expondo-se ao vírus. Cuidarmos apenas de quem nos é próximo e do que nos pertence não é suficiente. Devemos mudar o comportamento solidário de “ajuda pontual” para “estou presente, faço parte”. Mediante as possibilidades de cada um, devemos pôr mãos à obra e ajudar com generosidade, levando ânimo e esperança a todos.
Fotografia de Carl Nenzen Loven – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.