Um post facebookiano jocoso de um familiar fez iluminar minha reflexão e oração para este período. A Semana Santa chama-se assim, não porque os cristãos que participam nela sejam Santos, mas porque os cristãos, pecadores e conscientes do seu pecado, precisam de celebrar a entrega de Cristo, modelo perfeito de todos os santos imperfeitos, pelos pecados de todos os que não são Santos, ainda que alguns possam olhar-se como tal. Pois, a Semana é santa, mas eu não! E creio que nenhum de nós deve olhar para si mesmo desse modo! Todavia, a dificuldade de ver, perceber e solicitar perdão pelos nossos pecados é gritante nos dias que correm.
Infelizmente, há uma tendência, perversa e preconceituosa, para olhar o cristianismo como a religião da culpa. É certo que, durante séculos e ainda hoje, houve e há sinais disso, pois a própria hierarquia da Igreja carregava sobre os cristãos leigos um forte sentimento de obrigatoriedade de remorso por todo e qualquer erro, chegando a haver castigos corporais autoinfligidos, para aliviar e perdão dos pecados. Porém, não é isso que vemos no Evangelho. Nele contactamos com um Cristo misericordioso face àqueles que são castigados e perseguidos pela elite religiosa do Judaísmo de então. Quem não se lembra da cena da mulher adúltera e da cura de tantos doentes, cuja doença era encarada como um sinal dos seus pecados?
O assumir das nossas faltas é o assumir de que precisamos de Jesus Cristo, de O seguir, amar, imitar, para chegamos à perfeição e à santidade. Quem se sente já Santo, quem não se reconhece penitente e afirma não ter errado, quem não necessita de pedir perdão a Cristo, é quem não precisa do Seu Amor e do Amor Misericordioso de Deus Pai. É quem se basta a si mesmo e não percebe que, seguir o Redentor é, sobretudo, fazer do nosso quotidiano uma sucessão de gestos que permitem dizer que O imitamos, percorrendo fisicamente um caminho com Ele, atrás Dele. Judas Iscariotes não foi capaz de ter esta compreensão: andou atrás e, até, ao lado do Mestre e, nem por isso O conseguiu perceber, nem ao Seu Amor Misericordioso.
A dificuldade que sentimos em tantos cristãos, durante a celebração do Sacramento da Reconciliação, é a concretização da dificuldade em assumir a nossa imperfeição. Contar a um presbítero aquilo em que experimentámos que errámos não é fácil (como se a maioria dos presbíteros desejassem e conseguissem saber da vida de todas pessoas e registassem tudo o que lhes é dito!…), pois obriga-nos a um olhar interior que tantas vezes não fazemos. Afinal, se não roubámos, não matámos, não cometemos adultério, certamente não temos nada a relatar… No entanto, vangloriamo-nos das nossas qualidades e características diante do presbítero e de tantos outros, esquecendo que essas qualidades são fruto da graça de Deus. O Sacramento da Reconciliação não é um inquérito policial, nem moral; é um espaço onde cada um de nós, cristão, reconhece a sua imperfeição, mas também agradece o amor e a graça de Deus, que nos ama independentemente de todas as nossas limitações.
Acredito, mesmo, que é importante e necessário valorizar a imperfeição humana, para que reconheçamos melhor e mais sabiamente a perfeição de Deus e não sejamos apenas seres humanos convencidos, vaidosos e arrogantes, crentes na sua capacidade própria de salvar o mundo, as suas vidas e com o direito de criticar e modular os outros à sua maneira.
Tenhamos consciência do que somos, para reconhecer que precisamos de Jesus para alcançarmos a santidade!
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.