O fenómeno do envelhecimento populacional, cada vez mais notório na Europa e nos Estados Unidos, não é mais que o resultado da queda da fecundidade (o número médio de crianças por mulher tem vindo a diminuir, sendo o valor registado em Portugal um dos mais baixos da União Europeia) juntamente com o aumento da longevidade (a esperança média de vida é cada vez maior).
Este fenómeno, que já se faz sentir em Portugal, bem como as suas consequências económicas e sociais, é uma moeda como todas as outras, com duas faces. Por um lado, vivemos mais tempo e existe atualmente um conjunto de serviços e tecnologias que nos permite viver a terceira idade em melhores condições (vivemos, em média, mais vinte anos comparativamente a 1950, quando a esperança média de vida era de 60 anos). Por outro, o desequilíbrio da estrutura populacional tornou-se um enorme problema, porque não nos fomos adaptando o suficiente ao longo dos anos, apesar da previsibilidade do fenómeno (quase um quarto da população portuguesa tem mais de 65 anos e é expectável que em 2100 esta fração aumente para mais de um terço da população, segundo projeções das Nações Unidas).
Historicamente, as sociedades modernas não viveram até hoje com populações tão envelhecidas e, por isso, é importante refletirmos sobre as oportunidades e os desafios associados a este fenómeno para nos podermos ajustar, nomeadamente em prol de uma maior justiça intergeracional.
Historicamente, as sociedades modernas não viveram até hoje com populações tão envelhecidas e, por isso, é importante refletirmos sobre as oportunidades e os desafios associados a este fenómeno para nos podermos ajustar, nomeadamente em prol de uma maior justiça intergeracional.
São diversos os desafios decorrentes do fenómeno de envelhecimento sobre os quais o debate político é cada vez mais incessante, entre os quais a pressão acrescida nos sistemas de proteção social, a pressão sobre a sustentabilidade do sistema de saúde, e a necessidade de repensar o funcionamento do mercado de trabalho com o aumento da esperança de vida. O envelhecimento está ainda associado a um conjunto de problemas como o preconceito, que muitas vezes se revela na tendência para infantilizar e, consequentemente, inferiorizar as pessoas mais velhas; o isolamento e a solidão, que afetam predominantemente este segmento populacional e acabam por acelerar a deterioração da saúde física e mental; e a pobreza na velhice, que segundo dados de 2018, recolhidos no Inquérito às Condições de Vida e Rendimento do INE, afetava quase 20% da população com mais de 65 anos em Portugal (ICOR 2019).
É, assim, um fenómeno que traz desafios complexos que não podem ser ignorados, com muitas respostas por formular e soluções por criar, mas proponho começarmos pela questão base: o desafio cultural sobre a perceção do papel deste segmento nas sociedades modernas.
A perceção societal sobre a população idosa varia de cultura para cultura e evolui com o tempo. Se por um lado temos países como a Coreia, a China e o Japão onde existe um enorme respeito pelos idosos e uma responsabilização generalizada pelo cuidado dos mais seniores; por outro, temos vários países da Europa, nomeadamente de leste, mas também Portugal, onde a discriminação face a este segmento populacional e a cultura do descarte é recorrente. A discriminação contra pessoas mais velhas, que vários autores designam por gerontismo, é fruto de preconceitos que reduzem este segmento populacional a pessoas doentes, incapazes e, por isso, dependentes.
O ambiente familiar e de amizade será sempre a melhor opção para o envelhecimento, portanto, é fundamental o reforço das redes de apoio e de vizinhança (nomeadamente através de apoio governamental às famílias cuidadoras) e a consciencialização da importância destas redes para a felicidade e dignidade da população sénior.
Todos podemos ter um papel ativo na construção de uma sociedade portuguesa que dignifica todas as idades.
Uma transição cultural destas não se faz sem generosidade e entrega, seja na desconstrução do preconceito existente em muitas sociedades modernas, como a nossa; seja no dar voz às preferências e necessidades destas pessoas junto dos decisores políticos, reforçando a importância de criar condições para um envelhecimento saudável e condigno; seja na preocupação em facilitar o acesso à informação sobre iniciativas já existentes que promovem o potencial das gerações “grisalhas” e as interações intergeracionais, respeitando sempre a liberdade individual de cada pessoa.
É uma transição que exige igualmente mais fraternidade e cuidado pelo próximo, e para isso temos de colocar o bem-comum no centro. Numa lógica de pertencermos à grande família humana, somos chamados a cuidar dos mais idosos, garantindo que têm apoio e combatendo a sua solidão. O ambiente familiar e de amizade será sempre a melhor opção para o envelhecimento, portanto, é fundamental o reforço das redes de apoio e de vizinhança (nomeadamente através de apoio governamental às famílias cuidadoras) e a consciencialização da importância destas redes para a felicidade e dignidade da população sénior.
E aqui está o maior paradoxo: em que segmento populacional reconhecemos mais facilmente estas características de generosidade, entrega, fraternidade e cuidado pelo próximo?
Nas sociedades modernas, onde o individualismo está cada vez mais enraizado, é com os idosos que mais aprendemos a crescer nestas qualidades e, por isso, a aproximação e diálogo entre gerações são condições necessárias ao primeiro passo de adaptação à revolução demográfica que vivemos.
Termino reforçando: todos podemos ter um papel ativo na construção de uma sociedade portuguesa que dignifica todas as idades.
Fotografia de: Anthony Metcalfe – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.