A Ressurreição para os Príncipes dos Sacerdotes

Dois mil anos depois, ainda precisamos de abraçar a ressurreição e deixar que o Ressuscitado habite em nós e nos dê a vida verdadeira.

O Evangelho desta 2ª feira de Páscoa revela-nos um detalhe curioso:

«Enquanto elas iam a caminho, alguns dos guardas foram à cidade participar aos príncipes dos sacerdotes tudo o que tinha acontecido. Estes reuniram-se com os anciãos e, depois de terem deliberado, deram aos soldados uma soma avultada de dinheiro, com esta recomendação: “Dizei: ‘Os discípulos vieram de noite roubá-l’O, enquanto nós estávamos a dormir’. Se isto chegar aos ouvidos do governador, nós o convenceremos e faremos que vos deixem em paz”. Eles receberam o dinheiro e fizeram como lhes tinham ensinado» (Mt 28, 11-14).

Quando o anjo do Senhor apareceu às mulheres que foram ao sepulcro, os guardas também o viram e ficaram cheios de medo (cf. Mt 28, 1-10). De alguma forma, mesmo sem perceberem nada, os guardas testemunharam a ressurreição e foram contar aos príncipes dos sacerdotes «tudo o que tinha acontecido». Face ao que ouviram, os chefes do povo corromperam-nos e compraram o seu silêncio. Porquê?

Será que os príncipes dos sacerdotes acreditaram na palavra dos guardas? Ou, pelo menos, puseram a hipótese de eles estarem a dizer a verdade?

Será que os príncipes dos sacerdotes acreditaram na palavra dos guardas? Ou, pelo menos, puseram a hipótese de eles estarem a dizer a verdade? Mais ousadamente, será que acreditaram na ressurreição? Se assim não fosse, porque haveriam de os subornar? Não há razão para comprar o silêncio de mentirosos. Se mentiam, a sua história não tinha credibilidade e mais cedo ou mais tarde isso ficaria claro. Se mentiam, a estratégia mais lógica seria desvalorizar a história dos guardas e dizer que estes estavam fora de si: «Já se viu alguém a ressuscitar dos mortos? Estes guardas devem estar loucos».

Contudo, não foi isso que fizeram os sumos sacerdotes. Pelo contrário, escolheram as “luvas”. Ao que parece, de certa maneira, consideraram credível o testemunho dos guardas. Mas se o relato era credível, surgem outras questões: porque é que os líderes judaicos preferiram a mentira e a corrupção? Porque não se dedicaram a investigar o assunto mais a fundo e esclarecer a verdade? Porque se negaram a acreditar naquilo que, de alguma forma, achavam que podia ser verdade?

Para estas figuras, a verdade da Ressurreição implicaria o fim do seu mundo. O ministério de Jesus representava uma mudança radical na sociedade da época (e na de hoje…). Os príncipes dos sacerdotes perderiam todo o seu poder, influência, riqueza e fama. Claramente, não estavam dispostos a abdicar disso. Mesmo que o preço fosse viver na mentira e no difícil esforço de a manter, inventar sempre novos esquemas e deixar mortos pelo caminho.

Crer na ressurreição do Filho de Deus não é um mero processo intelectual de apurar a verdade dos factos. Pela transformação que pode operar nas nossas vidas, por vezes com custos elevados, crer na ressurreição pede que deixemos o nosso «próprio amor, querer e interesse» (EE 189).

Então, crer na ressurreição do Filho de Deus não é um mero processo intelectual de apurar a verdade dos factos. Pela transformação que pode operar nas nossas vidas, por vezes com custos elevados, crer na ressurreição pede que deixemos o nosso «próprio amor, querer e interesse» (EE 189), a fim de aderirmos plenamente ao Cristo Vivo, que nos recompensará com generosidade desproporcionada.

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Dois mil anos depois, permanecemos na lógica dos príncipes dos sacerdotes. Quanta mentira, abuso de autoridade, tráfico de influências, corrupção, para ganharmos mais poder, dinheiro e prestígio… Quanta conivência e indiferença silenciosa perante a injustiça, para não nos incomodarmos, para mantermos o nosso conforto e estatuto, para continuarmos a comprar produtos bons e baratos… Mas «que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida» (Mt 16, 26)?

Dois mil anos depois, ainda precisamos de conversão e de adotar a lógica de Deus que conduz à «paz, justiça e alegria no Espírito Santo» (Rm 14, 17); ainda precisamos de abraçar a ressurreição e deixar que o Ressuscitado habite em nós e nos dê a vida verdadeira. Ele está à porta e bate… (cf. Ap 3, 20)

Que este Tempo Pascal seja ocasião de encontro profundo com o Senhor e que Ele possa em nós operar maravilhas que deem fruto no mundo de hoje.

Que este Tempo Pascal — que é mais longo ainda que a Quaresma! — seja ocasião de encontro profundo com o Senhor e que Ele possa em nós operar maravilhas que deem fruto no mundo de hoje.

Fotografia de Adam Kring – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.