A minha escola e a desigualdade

Na minha escola, o desemprego era apenas uma questão teórica, tratada a propósito da geografia humana. Na escola dos meus filhos, o desemprego é um facto da vida, uma possibilidade que tem de se ter em conta. Não é que haja mais desemprego hoje (há muito menos!) mas até o menos desemprego que há se tornou menos desigual.

A professora do meu filho, um cotomiço que está no 4.º ano, explicou à turma que têm de se esforçar pois uma boa educação é o melhor caminho para terem emprego. Claro que isto pode não ter sido bem assim. O que nos chegou a casa foi o que o miúdo reteve, tendo ouvido o que a professora disse e filtrado o seu sentido com os ouvidos e os filtros de todas as outras coisas que povoam a sua cabeça e o seu mundo. Nesse fim de dia, ele perguntou à mãe se podia ficar a viver em nossa casa caso não arranjasse emprego.

Fiquei a pensar. Não tanto no que a professora disse (que nem sei se foi o que ele ouviu), mas no facto de aos 8 anos se poder estar preocupado com a possibilidade de não arranjar emprego quando se for adulto (tendo vivido toda a sua curta vida numa família que não foi assolada pela chaga do desemprego).

Sempre houve uma ligação importante entre educação e emprego. Na sua origem, a escola moderna surge para dotar os indivíduos dos conhecimentos mínimos necessários para participarem ativamente na revolução industrial. E esta função de integração dos indivíduos no trabalho foi um sucesso. É hoje incontestável que maiores níveis de educação levam a maiores níveis de emprego. E isto é bom.

Mas, em Portugal, foi também um fator de perpetuação de um certo status quo social em que uma minoria tinha acesso quase exclusivo aos empregos de melhor qualidade. Até há pouco mais de 10 anos atrás, 50% dos alunos desistia da escola no início do ensino secundário (só 12% das pessoas da minha idade terminaram o secundário). Destes, apenas uma pequena parte seguia para o ensino superior e só 8% terminavam a licenciatura (para os da minha idade, éramos 5%). O desemprego entre os licenciados era de 5% (3% quando eu acabei a licenciatura). Hoje, a percentagem de alunos beneficiários de acção social escolar que frequenta o ensino secundário é equiparável à dos que frequentam o ensino básico. Há pouco mais de 10 anos, a percentagem de alunos com acção social escolar no secundário era menos de metade da percentagem dos que frequentavam o ensino básico.

Estes números mostram que para as famílias em que os filhos faziam o ensino secundário e o ensino superior o desemprego era um problema dos outros. E estas famílias eram todas bastante parecidas. Para as outras famílias (a maioria dos portugueses), a escola era um local onde se aprendia a ler, a escrever e a participar na ordem estabelecida. E tudo durante o tempo estritamente necessário pois a urgência era começar a trabalhar.

A minha escola era uma escola fechada, onde só alguns ficavam, que funcionava como um filtro social. A escola dos meus filhos é uma escola aberta, onde estão todos, que poderia funcionar como um igualizador de oportunidades.

Hoje, felizmente, tudo isto mudou. Todos os alunos estão na escola até ao final do ensino secundário; quase 50% termina com uma qualificação profissional (e destes cada vez mais seguem para o ensino superior), 25% segue para o ensino superior e apenas os 25% restantes entram na vida ativa sem uma qualificação profissional ou um curso superior. Atenção que isto são grandes números que escondem uma realidade inaceitável: um pequeno (mas grande demais) número de jovens que caem por entre as frinchas do sistema educativo e do suporte social (foram eles que rejeitaram o sistema, mas fomos nós que lhes falhámos e mantemos um sistema que não lhes serve) e não têm educação nem emprego.

Mas estes números mostram que a minha escola é muito diferente da escola dos meus filhos. A minha escola era uma escola fechada, onde só alguns ficavam, que funcionava como um filtro social. A escola dos meus filhos é uma escola aberta, onde estão todos, que poderia funcionar como um igualizador de oportunidades.

Na minha escola, o desemprego era apenas uma questão teórica, tratada a propósito da geografia humana. Na escola dos meus filhos, o desemprego é um facto da vida, uma possibilidade que tem de se ter em conta. Não é que haja mais desemprego hoje (há muito menos!) mas até o menos desemprego que há se tornou menos desigual. E isto não é mau.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.