A indisciplina e a violência na e da escola

Este é um dos temas do momento. Vale a pena diversificar e ampliar o olhar sobre ele.

Nas últimas semanas, temos falado um pouco mais do que o habitual sobre indisciplina e violência nas escolas. O tema é recorrente e, nas escolas, sobretudo nas que acolhem todos os grupos sociais, incluindo as que acolhem mais crianças e jovens desfavorecidos (as escolas dos pobres), é permanente. O debate tem oscilado, numa grande amálgama, entre indisciplina, agressões e violência. Estas unem e separam professores e alunos, pais e professores, numa dança aparentemente cada vez mais frenética, que os media reproduzem e ampliam.

Nas escolas com que tenho trabalhado reconheço que a problemática da chamada “indisciplina dos alunos” está cada vez mais presente no dia-a-dia. Ela, todavia, não surge isolada, aparece associada a outras, menos convocadas para o espaço público, tais como: apatia e falta de interesse (ou seja, não quero, não me apetece, não vou fazer) e dissimulação (ou seja, façam lá o que quiserem que eu faço de conta que me interesso, mas sei que de nada vale o meu esforço).

A desobediência, a agressão verbal ou física, a apatia e a dissimulação, ou seja, os comportamentos inadequados em sala de sala e na escola são manifestações exteriores de que algo está mal no interior. Qualquer comportamento deste tipo acontece na pequena parte visível do iceberg, não são o iceberg; são atitudes e comportamentos dos alunos, não são a pessoa de cada aluno; a sua parte escondida contém a informação necessária para se perceber e poder vir a alterar o que se transforma em inadequado.

A desobediência, a agressão verbal ou física, a apatia e a dissimulação, ou seja, os comportamentos inadequados em sala de sala e na escola são manifestações exteriores de que algo está mal no interior.

O mais importante seria podermos perceber, por um lado, porque é que essas manifestações exteriores ocorrem, em cada aluno, logo que começam a acontecer, para se atuar de imediato, e por outro, o que elas transmitem, como mensagem codificada, aos adultos e à instituição. Estas lógicas de atenção e cuidado deveriam estar na base de uma intervenção educativa pensada e executada sistematicamente e a várias mãos, incluindo o próprio aluno, os professores, a escola como instituição, a família (sempre que possível) e a comunidade local (sempre que se justifique).

Ou seja, é preciso estarmos atentos, dispormos de tempo, contarmos com recursos, desenvolvermos capacidade técnica educacional para atuar no sentido de ajudar a ultrapassar estas expressões inadequadas de insatisfação (quando não de afirmação de identidade e de revolta) . O aluno, se optarmos por empoderar a sua capacidade de perceber e de corrigir essas atitudes e comportamentos, pode e deve envolver-se sempre na procura das soluções para os problemas que gera. A instituição escolar obrigatória tem um papel educativo crucial, que não pode subestimar e que deve enfrentar com determinação e competência, cada uma no seu contexto próprio e a seu modo, integrada na sua comunidade.

A escola obrigatória até aos 18 anos é uma instituição de frequência compulsiva, porque é imaginada, em termos políticos e na letra da lei, como um inestimável bem pessoal e comum. Mas, na realidade, esta mesma escola pode transformar-se numa instituição profundamente violenta quando: se torna um sistema, uma estrutura, uma burocracia, uma roda dentada sem significado, sem profundidade cultural, um mero consumo obrigatório para todas as crianças e jovens; “administra” o mesmo currículo a todos, dos 6 aos 15 anos de idade, independentemente de cada pessoa, ferindo a sua personalidade e motivação; é uniforme e burocrática no modo de trabalhar as diferenças humanas na progressão escolar, que são reforçadas por graves diferenças socioculturais de partida; coloca os alunos sentados de costas uns para os outros, todos os dias, durante sete a oito horas por dia, a ouvir e a passar o que os professores escrevem, favorecendo a sua desmotivação e insatisfação; quando os alunos são muito mais objetos de ensino e de controlo, passivos e dependentes, do que sujeitos de aprendizagem e desenvolvimento, bem como participantes e protagonistas da instituição escolar; quando a excelência escolar é fabricada apenas para alguns alunos e para algumas competências, excluindo os outros e as outras, de múltiplas formas, primeiro dentro da escola, e depois, da escola para fora; quando não dispõe de outros recursos para atuar sobre as atitudes e os comportamentos inadequados dos alunos que não seja a punição (aliás, é para isso mesmo para que aponta infelizmente o estatuto do aluno).

A frequência compulsiva da escola, durante tantos anos (até aos 18!), só faz sentido se o país, cada comunidade local e cada escola forem capazes de proporcionar um ambiente educativo respeitoso e estimulador de cada um e não do “aluno médio” inventado.

A frequência compulsiva da escola, durante tantos anos (até aos 18!), só faz sentido se o país, cada comunidade local e cada escola forem capazes de proporcionar um ambiente educativo respeitoso e estimulador de cada um e não do “aluno médio” inventado, se for suficientemente comunitária e não seletiva, se proporcionar a autonomia de cada aluno, se for flexível e rica nas experiências de aprendizagem que propõe a cada um, promovendo a sua excelência e não a dos outros ou a do aluno médio.

Acresce ainda, nos tempos em que hoje vivemos, em que a tecnologia e a internet revolucionaram o quotidiano, o modo de ser e estar e o acesso à informação e ao conhecimento, que a desmotivação e o desinteresse na escola de consumo mecânica-estrutura-burocracia vão crescer todos os dias, tanto quanto crescerá a indiferença e a insatisfação (o que querem dizer os atuais 26% de reprovação no 12º ano, após uma tão forte seleção social já realizada? e o que quer dizer tanta insatisfação entre os professores? …).

Vamos esperar que um dia a tensão atinja proporções desmedidas e perversas e o edifício estrutura-mecânica desabe, para bem de todos, abrindo caminho a um ethos e a um clima escolares verdadeiramente humanos  e promotores de todos e de cada um?

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.