Consta que um repórter questionou o famoso cineasta benfiquista português Artur Semedo, à entrada de um jogo de futebol, perguntando-lhe se «esperava ver um bom espetáculo». Com a inteligência e destreza de resposta que o caracterizava, o treinador respondeu: «Eu quero é que o Benfica ganhe. Quando quero ver um bom espetáculo vou à ópera!»
Podiam-me fazer a mesma pergunta à entrada de uma eucaristia. Ou de uma forma mais ortodoxa e decente podiam-me perguntar: – «Espera sair consolado, maravilhado, elevado, etc.?» E eu responderia: – «Eu quero sair é interpelado, confrontado, interrogado! Se eu quiser ficar consolado, elevado ou maravilhado vou ver um espetáculo, ou uma obra de arte (como, por exemplo, a Sagração da Primavera, interpretado por uma boa orquestra, ou fazer uma visita ao Louvre, ou ao Museu Britânico.
Basta perceber quantas vezes, ao sairmos do nosso país, estamos em assembleia eucarística e a única coisa que nos interpela e nos aproxima de Deus é um cântico, ou um ato penitencial, porque estamos a celebrar num país onde não percebemos nada da língua, como aconteceu comigo na República Checa. Aí é difícil o confronto da vida com a Palavra de Deus? É difícil fazer memorial do Sacrifício de Cristo na Cruz sem ter a perceção das palavras da Oração Eucarística? Confesso que estar numa eucaristia onde o importante são os gestos, olhando-os sem captar as palavras que os acompanham, sentir o ritmo da música acompanhado por vozes que pronunciam palavras impercetíveis, pode ser interessante uma vez, mas constantemente leva ao vazio espiritual, porque não há conteúdo vivencial no que é celebrado.
As eucaristias que mais me inquietaram e que me inquietam são as que celebrei e celebro em ambiente de exercícios espirituais. Despojadas de aparato litúrgico, resumem-se ao essencial.
As eucaristias que mais me inquietaram e que me inquietam são as que celebrei e celebro em ambiente de exercícios espirituais. Despojadas de aparato litúrgico, resumem-se ao essencial. É verdade que não podem, nem devem ser todas assim. Não é a perfeição do modelo que conta para este caso, mas é o estado de espírito de quem está na capela despojada, depois de um dia, não só de meditação e de contemplação, mas também de forte confronto, luta interior e interpelação por e com Aquele que nos criou para o Amor. Quantas vezes é a Palavra de Deus daquele dia que nos dá resposta? Quantas vezes é a Oração Eucarística IV que nos faz perceber que também fazemos parte da História da Salvação, ou a Oração Eucarística I que nos mostra que a Santidade está ao alcance dos pequenos e imperfeitos filhos de Deus?…
Tantas, tantas outras palavras ditas com simplicidade encontram eco num coração sedento de respostas e ajudas para o ordenar em direção a Deus. Se não celebrássemos em português, na língua em que rezamos intimamente no nosso coração, poderíamos até ter um ambiente quase de ceia de Jesus com apóstolos, numa igreja concebida por Le Corbusier, com decorações interiores de Marko Ivan Rupnik, que correríamos o risco e o perigo de passarmos a estar simplesmente a ver obras de arte belas, ouvir missa, mas nunca a deixar que Deus, através da sua Palavra, inquiete o nosso coração e nos faça participar conscientemente no partir do pão, fazendo memorial do sacrifico de Cristo na Cruz, junto de Sua Mãe e de São João.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.