A escolha da escola

O argumento usado contra a liberdade de escolha é que esta iria criar uma sociedade mais segregada. O que estes dois casos mostram é exactamente o contrário.

De 11 a 13 realizou-se em Lisboa a International School Choice and Reform Academic Conference. Esta conferência, que se realiza desde 2012, reúne anualmente cerca de 100 académicos de todo o mundo que estudam a liberdade de escolha da escola e a reforma dos sistemas educativos. Os seus fundamentos, os seus instrumentos e os seus resultados. O que esta conferência tem de especial é que, ao contrário de muitos outros encontros em que se discute temas de educação, o critério único para se poder fazer uma apresentação é que essa apresentação seja baseada em investigação, que essa investigação seja metodologicamente sólida e que as conclusões apresentadas sejam o que decorre dos dados. Há investigadores quantitativos e investigadores qualitativos. A área disciplinar dos participantes é muito diversa: economia da educação, ciência política, direito, ciências da educação, administração e gestão, sociologia. Todos olham para os mesmos fenómenos com perspectivas diferentes, o que enriquece a discussão e permite construir conhecimento mais sólido.

É difícil escolher que ideias partilhar de entre as muitas que me chamaram a atenção. Mas há duas que podem ser especialmente relevantes para a realidade portuguesa.

A primeira é o grupo Educate Together. Trata-se de um grupo de escolas, hoje mais de 100, que começou na Irlanda, em 1978, fundado por um grupo de pais e professores, com o objectivo de oferecer uma educação baseada em valores de igualdade de oportunidades e não descriminação numa comunidade gerida de modo participado por pais e alunos. O que mais me fascina na história da Educate Together não é o seu currículo de educação ética (Ethical Education Curriculum) ou o facto de ser uma organização em cascata em que cada escola pertence a um grupo de pais e professores que por sua vez têm uma voz ativa na gestão de todo o grupo (arquitectura que pode ser inspiradora para muitas escolas em Portugal – nomeadamente as que pertencem a ordens religiosas). O que verdadeiramente me cativou foi a história da professora que esteve na origem do grupo. Nos anos 70, numa Irlanda em crescimento económico mas dividida por tensões políticas que se manifestavam fortemente em divisões religiosas, Florrie Armstrong tornou-se diretora de uma escola protestante que estava a perder alunos. Florrie iniciou e liderou um processo de mudança que, em poucos anos, levou a que muitos pais escolhessem a escola para os seus filhos. Florrie e a sua equipa adotaram uma pedagogia ativa, progressista, integradora.

Foi a primeira escola da Irlanda a ter pais a participar na gestão da escola e a ter uma associação de pais e professores. Uma escola que recebia alunos protestantes e católicos. Para Florrie, o facto de as crianças virem de famílias com diferentes perspectivas religiosas não era razão para não serem educadas juntas. Esta faceta “progressista” fez soar campainhas nos meios conservadores civis e religiosos. Quando a escola pediu autorização para se expandir porque já não tinha espaço para dar resposta à procura, o ministro da educação fez um despacho onde estabelecia que, em vez de aumentar a lotação, a escola deveria limitar-se a receber crianças de famílias Anglicanas (Episcopais). Este sectarismo religioso levou Florrie a despedir-se. E fez com que a associação de pais e professores fundasse uma nova escola onde aquilo que tinha acontecido por força das circunstâncias (alunos de diferentes credos serem educados juntos) acontecesse como princípio. Assim nasceu a primeira escola Educate Together. Hoje, são 100 escolas em toda a Irlanda.

Para mim, a liberdade de escolha da escola não tem como fundamento a melhoria das notas dos alunos. O ponto fundamental da escolha da escola é o direito de cada um de nós procurar que as suas crianças sejam educadas num ambiente escolar que promova os nossos valores e visão do mundo.

A segunda ideia que gostava de partilhar é o estudo do professor Charles Glenn sobre escolas islâmicas nos Estados Unidos. Algo que o autor aprendeu com este estudo é que os alunos das escolas islâmicas nos EUA vêem a sua fé como um processo dinâmico (que vão construindo) e são fiéis à sua comunidade mas consideram que a sua comunidade é ser um muçulmano-americano. Estes jovens constroem a sua personalidade e valores a partir do seu grupo de pertença (a família e a comunidade religiosa) mas adaptando-os (lendo-os) à luz da comunidade maior a que pertencem. Conclui que as escolas islâmicas americanas, ao contrário do que alguns temem, contribuem para a integração desta comunidade.

Vem tudo isto a propósito da polarização ideológica que alguns em Portugal nos tentam vender e que se manifesta constantemente nas lutas das escolas. Para mim, a liberdade de escolha da escola não tem como fundamento a melhoria das notas dos alunos. O ponto fundamental da escolha da escola é o direito de cada um de nós procurar que as suas crianças sejam educadas num ambiente escolar que promova os nossos valores e visão do mundo. O argumento habitualmente utilizado contra esta perspectiva é que a liberdade de escolha da escola pelos pais iria criar uma sociedade mais segregada (embora não haja evidência que suporte este argumento). O que estes dois casos mostram é exactamente o contrário: a liberdade de escolha da escola e a existência de escolas diferentes pode contribuir significativamente para a criação de uma sociedade mais coesa.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.