A escola e a falta de participação dos jovens

A participação democrática é uma aprendizagem e, como qualquer aprendizagem, se não há quem cuide de a promover, ela não vai ocorrer.

Cada vez que chegamos a uma “noite eleitoral”, que são noites particularmente recheadas de comentadores e de intervenções de dirigentes politicos, somos invadidos por um inconsolável lamento de carpideiras sobre a falta de participação do povo e, particularmente, dos jovens.

Decidi abordar aqui este tema ao ouvir, no dia 27 de maio, dois jovens a serem entrevistados no telejornal da noite da TVI, sobre esta falta de participação dos jovens. Ainda bem que os chamam a participar, mesmo que seja só para explicarem ao povo porque é que não participam e, assim, tudo possa continuar como antes.

É bastante triste este habitual espetáculo: vários dirigentes políticos até falaram na necessidade de se fazer uma reflexão profunda sobre o tema, que é uma coisa que habitualmente não fazem sobre tema nenhum, em nome do pragmatismo e da urgência. O importante nunca tem agenda na sua agenda das urgências.

Os jovens ouvidos pela TVI, que nem sequer foram apresentados pelos entrevistadores (!), foram claros: a participação deve aprender-se sobretudo na escola e, atestam, lá não se aprende. É exatamente isto que digo e repito, fora das escolas, mas sobretudo nas escolas. A participação aprende-se, exercita-se, exerce-se, corrige-se, melhora-se. A participação democrática é uma aprendizagem e, como qualquer aprendizagem, se não há quem cuide de a promover, ela não vai ocorrer.

Os alunos, as crianças e os jovens, são o recurso mais precioso das escolas. Mas elas, obrigadas a permanecer nas escolas durante os primeiros dezoito anos da sua vida, são o recurso mais esquecido das escolas: são objetos de aprendizagem, em instituições que existem para lhes inculcar conhecimentos prescritos, a troco de estarem quietas e caladas, bem sentadas e viradas para a frente (ou seja, de costas uns para os outros). Como nos cemitérios: todos quietos e calados, virados para o mesmo lado, de outro modo o senhor das trevas será implacável com quem ousar desafiar a lei.

O problema está aqui. As crianças e os jovens, compulsivamente formados nas escolas que temos, participam em quê, aprendem a participar como, exercitam-se no gosto pela participação quando e com quem?

. A participação democrática é uma aprendizagem e, como qualquer aprendizagem, se não há quem cuide de a promover, ela não vai ocorrer.

Existem pelo menos três níveis de envolvimento das escolas na participação ativa dos alunos. Um primeiro consiste em cumprir os mínimos legais (há ainda um subnível que reune as escolas que nem sequer isto fazem). Ou seja, as turmas elegem delegados e estes participam nos atos formais legalmente previstos.

Um segundo nível consiste em escolas que aderem e apoiam estas práticas formais de participação dos alunos. Por vezes até desafiam a constituição de associações de estudantes, que acarinham e apoiam. Fazem-no pela convicação de que estas práticas formais são positivas e bastante educativas (além da eleição de delegados de turma existem, por vezes, incentivos à realização de Assembleias de Turma, Assembleias de Delegados e outras práticas muito interessantes como, por exemplo, o Parlamento Jovem).

Um terceiro nível, mais raro, consiste em escolas que se estruturam sob o princípio de que a participação ativa dos alunos é uma pedra angular do seu quotidiano educativo. Por isso, a participação não se resume a um conjunto de ritos temporários ou ações formais e pontuais, mas constitui um caldo cultural que tudo inspira e todos envolve. Na sala de aula, na codecisão sobre ritmos e percursos de aprendizagem, na autoregulação das suas aprendizagens, na autoavaliação e na avaliação de pares, na negociação entre os alunos, na construção de portefólios, na colaboração com os colegas em assembleias de ano e de ciclo, onde aprendem a gerir, dirigir, sintetizar, comunicar, na realização de foruns e debates, na coconstrução e apresentação pública de projetos interdisciplinares.

Os alunos não são recipientes passivos que recebem o conhecimento apática e acriticamente para o reproduzirem em momentos de teste. Quando assim são tratados, estão a aprender a não participar. Quando são sentados uns de costas para os outros, a ouvirem apenas os professores, horas e dias e anos a fio, não estão a aprender a participar. Quando as decisões que se tomam na escola não incluem a sua voz ativa e livre, não aprendem nem a liberdade nem a democracia. Quando não aprendem a ouvir os outros atentamente e a formular os argumentos destes outros e os seus, estão a passar ao lado da participação e do seu nervo central.

Nós plantamos batatas e queremos colher papoilas. É como se alguém educasse cães amestrados para fazerem três performances no circo e, de repente, quisesse à força que os cães improvisassem, no mesmo circo, exercícios que não conhecem.

Tenho tido a felicidade de passar muitas horas a ouvir alunos em escolas, por deveres de ofício, desde o 1º ciclo ao fim do secundário, sem a presença dos seus professores e diretores, em ambientes de “livre” discussão. Fico sempre espantado com a riqueza da sua reflexão e com a pertinência e justeza das suas observações e análises, chamando tantas vezes a atenção para problemas que não existiam (se a sua voz não fosse ouvida). Eles sabem realmente muito e sabem também que não sabem e questionam sem medo. Têm sugestões e propostas tantas vezes inesperadas, fora da caixa, e da maior utilidade para a melhoria da educação e do ambiente escolar. E quando aprendem desde pequeninos a participar (chegam às escolas entre os seis meses e os seis anos), apanham um ritmo tal e desenvolvem uma tal competência que só temos de os acarinhar e mediar a concretização das suas propostas, cheias de vitalidade, positividade e novidade.

Os alunos são profundos conhecedores do quotidiano escolar, refletem, têm sugestões e propostas de melhoria, desde os modos de ensinar e fazer aprender aos horários, desde os espaços aos serviços prestados, desde a organização de iniciativas e projetos escolares ao estabelecimento de regras e ao aperfeiçoamento das regras existentes, etc.

A participação permanente dos alunos na escola traduz-se numa escola de vida e para toda a vida.

A participação dos alunos na escola é um direito e o exercício pleno desse direito é um dever fundamental das escolas, em nome de toda a sociedade.

Há muito mais e melhor que os dirigentes políticos possam fazer, entre esta “noite eleitoral” e o ato eleitoral seguinte,  para além desse triste espetáculo de carpideiras que já ninguém tem paciência para ouvir.

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.