O novo ano letivo irá começar em regime presencial. Não sabemos como vai acabar, mas tudo aponta para que seja ainda em regime presencial. Um relatório recente do Centro Europeu para a Prevenção e Controlo de Doenças informa que, tanto quanto a ciência atualmente nos pode dizer, o fecho das escolas, só por si, não é uma medida eficaz de controlo da pandemia, pelo que estas deverão ficar abertas (salvo se voltarmos ao confinamento total do país ou de algumas zonas específicas, situação que ninguém deseja apesar da bazuca financeira da UE). Mas, além disto, e mais importante ainda, começa a haver indicadores de que o confinamento das crianças e jovens teve um impacto brutal no seu bem-estar e cuidado, pondo em risco a sua saúde física e mental. Perante tudo isto, o governo decidiu, e bem, que o ano letivo vai iniciar em regime presencial e que só em circunstâncias absolutamente excecionais iremos voltar ao regime não presencial. E, mesmo aí, a prioridade será manter os mais novos na escola.
Mas que escola é esta? Será a mesma que os alunos deixaram em março? Penso que não. Em setembro os alunos irão pela primeira vez à escola D6MENP; ou seja, a escola Depois de 6 Meses de Ensino Não Presencial. Estes 6MENP marcaram um momento de viragem. Um antes e um depois para as escolas e os professores. Antes de 6MENP, a tecnologia tinha um papel muito residual nas escolas. Assim como o trabalho autónomo dos alunos (salvo raras exceções e fora os malfadados tpc). Depois de 6MENP, muitas escolas e professores perceberam que a tecnologia pode ser um instrumento educativo importante e que permite uma nova forma de organização do tempo e do espaço escolar em que o aluno se torna de facto um agente central no processo de aprendizagem. Antes de 6MENP, o ensino era organizado em torno do professor e do currículo, depois de 6MENP a escola focou-se na aprendizagem e nos seus alunos.
Em abril, a associação do ensino privado fez um inquérito aos seus associados sobre o que se estava a passar ao nível do ensino não presencial. Dos 175 colégios que responderam, a quase totalidade (98%) estava a trabalhar online com os seus alunos. Mesmo no pré-escolar, a percentagem dos que estavam a trabalhar com as crianças através de sessões virtuais era enorme (77%). Quanto à satisfação com o modo como isto se estava a passar, numa escala de 1 (muito mau) a 10 (muito bom), 80% os colégios indicam que os professores e os alunos consideravam que o ensino online estava a decorrer de forma muito positiva (pontuações de 8, 9 ou 10). Estes dados estão em linha com algo que muitos diretores nos vêm transmitindo ao longo destes meses: “porque não tínhamos outra opção, migrámos para o mundo digital; foi mais fácil do que pensávamos. Os professores foram fantásticos. Tivemos de nos sentar todos à volta da mesa [via Zoom/Teams/…] e repensar como nos organizamos, como comunicamos com os alunos, o que lhes pedimos, como lhes damos feedback, como avaliamos o que eles aprendem e fazem. Aprendemos imenso. Muito do que aprendemos vai ser utilizado a partir de setembro; mesmo em regime presencial”.
O coronavírus, num mês, fez mais pela inovação em educação do que décadas de formação e palestras! Gostava de explorar um pouco os principais aspectos desta inovação. Não tanto a questão tecnológica, que é importante, mas é apenas instrumental, mas a questão humana e profissional: o papel do professor.
O coronavírus, num mês, fez mais pela inovação em educação do que décadas de formação e palestras! Gostava de explorar um pouco os principais aspectos desta inovação. Não tanto a questão tecnológica, que é importante, mas é apenas instrumental, mas a questão humana e profissional: o papel do professor.
Na escola A6MENP (Antes de 6 Meses de Ensino Não Presencial), o professor é o portal de acesso ao conhecimento da sua disciplina. No início de cada aula escreve-se o sumário, o professor fala a matéria, escreve no quadro (de porcelana ou interativo), faz perguntas a alunos, pede a alguns que escrevam no quadro. Passa pelas carteiras, assegurando-se de que todos os alunos estão na mesma página do manual (a página certa), e vai marcando o ritmo do processo de ensino (procurando que este esteja ao ritmo da aprendizagem). Cerca de 50 ou 60 minutos depois, o professor sai da sala, entra o próximo e a sequência repete-se. Todos os alunos fazem o mesmo, ao mesmo tempo, do mesmo modo. Na escola D6MENP, os professores começam a semana a avaliar com os alunos o que foi a semana anterior e como vai ser esta; a fazer um diagnóstico e a estabelecer objetivos. A “matéria” está sempre disponível online pelo que qualquer aluno ou grupo de alunos a pode ir “ouvir”, “ver” ou “rever”. Em qualquer momento e a qualquer velocidade. Indo diretamente à parte que não percebeu ou saltando mais à frente se estiver entusiasmado. Cada aluno faz o que é melhor para a sua aprendizagem, ao seu ritmo, do modo mais adequado para si.
Na escola A6MENP, as relações humanas são importantes, mas muitas vezes assumem uma posição secundária em relação às questões “profissionais” que dominam as planificações, reuniões e planos dos professores. Infelizmente não se pode “estar” com cada aluno porque a matéria tem de ser dada. Na escola D6MENP, as relações humanas são tudo. Já se viu que aprender os alunos aprendem sem escola; mas também se viu que sem escola mirram. E não são as paredes que os suportam, consolam e apoiam. São os colegas, claro, mas são, em igual medida e com diferente objetivo, os professores outros educadores.
6MENP tornaram muito evidente que é possível aprender sem ir fisicamente à escola. Mas também mostraram que, sem escola, muitos alunos morrem devagarinho. Se tudo correr bem, quando os alunos voltarem à escola em setembro não vão encontrar ensinadores; só professores. A matéria é muito importante; mas não salva ninguém.
Fotografia de Sharon McCutcheon – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.