Assinalou-se no passado dia 17 de outubro o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Este dia pretende continuar a dar visibilidade a todas aquelas pessoas que vivem sem condições de acesso a uma vida digna.
As notícias do dia pareciam ser animadoras, o risco de pobreza em Portugal é o mais baixo desde 2003 (data em que se começou a aplicar este inquérito). Segundo a Pordata, a base de dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos, em Portugal, 17,3% das pessoas é considerada pobre, ou seja, o rendimento que tem disponível é abaixo de 467€/mês.
Apesar de indicarem uma evolução, estes dados continuam a ser preocupantes e devem levar-nos a questionar sempre as políticas sociais e o papel das instituições no terreno.
Analisando mais detalhadamente os indicadores, percebemos que se este parâmetro for aferido antes de serem feitas as transferências sociais (pensões e subsídios), a percentagem de pessoas considerada pobre sobe para 43%, valor que tem vindo a aumentar (em 1994 era 37%). O envelhecimento da população e o desemprego explicam certamente parte destes números e aqui percebemos a importância de algumas políticas sociais.
Achei curioso, três dias antes do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, ter sido entregue o Prémio Nobel da Economia a três professores universitários – Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer – que se têm dedicado à erradicação da pobreza através de uma abordagem experimental. Parece-me de uma grande importância dedicar um prémio desta relevância à questão da pobreza, relembrando-nos que, qualquer que seja a ciência, neste caso a economia, esta só faz sentido se estiver ao serviço das pessoas.
Os três economistas, percebendo a impossibilidade de resolver a pobreza como um todo e em todo o lado, decidiram dividir o conceito em questões mais específicas e, aproveitando os benefícios que o método experimental tem revelado noutras áreas da ciência, aplicá-lo às questões sociais. Com isto obtiveram respostas cientificamente fundamentadas de combate à pobreza, por áreas mais concretas.
Esta questão de desconstruir os conceitos e os problemas em dimensões e indicadores mais concretos e específicos não é novidade. Lembro-me bem, nos tempos em que dava a disciplina de estágio no curso de Serviço Social, das horas passadas com os alunos a fazer este exercício. Era importante antes de atuarem com crianças em perigo, por exemplo, que conseguissem desconstruir o conceito de maus tratos nas suas dimensões física, psicológica, sexual e/ou de negligência. O objetivo era sempre o de desenharem projetos o mais adequados possível à realidade que encontravam nos locais de estágio. Parece-me, assim, que a novidade e a chamada de atenção da metodologia desenhada por estes três fundadores do J-Lab (um centro de investigação que tem como objetivo influenciar o desenho das políticas sociais a partir de dados cientificamente comprovados) é, para além da própria metodologia experimental, utilizada com todo o rigor científico, a forma como se abre a soluções criativas e fora do tradicionalmente instituído.
Esta forma de trabalhar (e de decidir onde investir o dinheiro público disponível) demonstra-nos, claramente, que a maneira como olhamos o problema define a sua resolução de forma mais ou menos criativa
Os três premiados fizeram várias experiências no terreno, em países asiáticos, africanos e da América do Sul. Em pequenas comunidades realizaram ensaios com um grupo de controlo que permanece sem nenhuma intervenção e com um ou mais grupos de intervenção, sendo que os participantes são escolhidos aleatoriamente. Com esta metodologia chegaram a conclusões tão surpreendentes como é possível aumentar a taxa de vacinação das crianças, numa determinada região, oferecendo lentilhas às famílias, ou é possível diminuir o grau de absentismo à escola desparasitando as crianças. Estas não seriam seguramente as estratégias mais óbvias mas foram as que se mostraram mais eficazes no conjunto de todas as que foram experimentadas.
Centremo-nos por exemplo na experiência do absentismo escolar. Os investigadores depararam-se com uma região em que o número de crianças que ia regularmente à escola era muito baixo. Perante este problema, formularam várias hipóteses de intervenção, como eliminar as propinas, oferecer bolsas de estudo, diminuir o rácio número de alunos/professor, comprar fardas escolares para todos, etc. Por intuição perceberam que todas elas poderiam funcionar o que, depois de várias experiências, se veio a confirmar. No entanto, quando experimentaram desparasitar as crianças que iam à escola, os resultados foram muito positivos, especialmente tendo em conta o custo desta medida face às outras apresentadas. Com isto, puderam concluir que esta seria a medida mais eficaz e eficiente a ser implementada nesta região e assim persuadir o governo a utilizar nisso o dinheiro disponível para a solução deste problema.
Esta forma de trabalhar (e de decidir onde investir o dinheiro público disponível) demonstra-nos, claramente, que a maneira como olhamos o problema define a sua resolução de forma mais ou menos criativa. Enquanto assistente social, isto faz-me questionar a forma como trabalho com aqueles que me procuram, relembrando-me que não nos podemos refugiar em fórmulas preexistentes, não nos podemos deixar cair na rotina, não podemos ter ideias pré-concebidas sobre determinado problema. Devemos sempre ter a consciência que, em cada momento, podemos escolher a forma como queremos olhar para determinada pessoa e que isso vai influenciar o modo como vamos ou não ajudar a resolver a situação. E, por outro lado, que percebendo o que funciona num determinado território, temos a obrigação de fazer chegar essas conclusões a quem decide a política social no nosso país.
É este o desafio. Se, por um lado, os dados apontam para uma taxa de pobreza a diminuir, mas ainda assim alta e acima da média europeia, os estudos dos três premiados dizem-nos que devemos perceber as causas e as dimensões da pobreza para poder desconstruí-la e trabalhar cada uma das suas áreas, fazendo experiências sem ideias preconcebidas, para dar espaço a soluções inovadoras e inesperadas.
Mas será esta uma questão só para os decisores das políticas públicas e para os profissionais que estão no terreno? Claramente que não.
A questão da pobreza é uma prioridade, é um dos objetivos do milénio definidos pelas Nações Unidas e, agora, até foi merecedora de um Prémio Nobel. Estes dados não podem deixar de interpelar governantes, instituições sociais mas, também, a cada um de nós. E é por isso, também, que o Papa Francisco instituiu o Dia Mundial dos Pobres que vamos assinalar no próximo dia 17 de Novembro. Na sua mensagem para este dia, o Papa convida-nos a não condenarmos à partida os pobres deixando um desafio: O compromisso dos cristãos, por ocasião deste Dia Mundial e sobretudo na vida ordinária de cada dia, não consiste apenas em iniciativas de assistência que, embora louváveis e necessárias, devem tender a aumentar em cada um aquela atenção plena, que é devida a toda a pessoa que se encontra em dificuldade.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.