A Educação, a Cidadania, o Ambiente e o Futuro

Este é o momento certo para os jovens adquirirem formação no domínio dos processos de participação cívica, articulando as competências ambientais e a cultura científica da sua geração, com uma educação para a ação cívica.

A educação ambiental está hoje inscrita na base constitutiva dos novos movimentos e dinâmicas juvenis. O facto não é surpreendente. Os inquéritos nacionais e europeus aplicados na última década já mostravam a tendência dos jovens para uma maior preocupação, sensibilidade e interesse pelos problemas ambientais, bem como um maior nível de conhecimentos seja dos problemas seja das suas soluções possíveis (Schmidt & Delicado, 2014).

O último Inquérito Social Europeu, por exemplo, que incluía um conjunto de questões sobre alterações climáticas e energia, evidencia este ‘efeito geracional’: são os inquiridos mais jovens que apresentam maior preocupação com o problema das alterações climáticas e seus impactos e os que mais aderem às energias renováveis. Mais de 90% consideram que a eletricidade consumida no país deve ser produzida a partir de fontes renováveis e limpas como a solar e a eólica (ESS, 2018).

Os jovens estão mais preocupados com o ambiente, são mais conhecedores sobre os problemas e as suas soluções e têm mais recursos cognitivos para descodificar problemas complexos como são os ambientais. Mais importante ainda, eles revelam uma grande apetência para intervir civicamente.

Toda esta consciência resultará em parte da influência mediática, pois há décadas que os meios de comunicação social passaram a projetar regularmente os problemas ambientais de forma cientificamente balizada. Mas resulta sobretudo das múltiplas oportunidades curriculares que permitem aos jovens integrar, no quadro da educação formal, muita informação ambiental por via das ciências da natureza e da geografia, por exemplo. Resulta também dos vários programas das Organizações Não Governamentais de Ambiente (ONGA), como o Eco-Escolas, ou o Projeto Rios, ou a Carta da Terra, ou o Coastwatch, que entre nós têm tido uma consolidação assumida pelas próprias escolas onde decorrem E resulta ainda do Programa Ciência Viva e os seus 20 anos de atividades e entusiasmo. Igualmente muitas autarquias e algumas empresas nas áreas das águas, energias e resíduos, puseram também em marcha projetos que envolvem centenas de escolas.

Depois, é urgente que as crianças e jovens comecem cedo a compreender o mundo em que vivem hoje e em que viverão no futuro próximo.

Contudo, a toda esta dinâmica falta o acompanhamento de uma formação que vá ao encontro da atual apetência juvenil por uma maior intervenção cívica. Falta, pois, a articulação das novas competências juvenis com uma formação nos domínios dos processos de participação cívica, das regras do jogo democrático, e dos direitos e deveres de consciência.

A educação cívica tem hoje um especial significado para as novas gerações. O tema tem sido, aliás, muito abordado num debate que confunde muitas vezes a enorme importância da Educação para a Cidadania com as escolhas discutíveis dos conteúdos programáticos.

O campo dos problemas ambientais ajuda a esclarecer o assunto. Ele convoca aspetos fundamentais da educação cívica que têm que ser ensinados para garantir a nossa sustentabilidade futura, e coloca-se perante polémicas abertas que devem ser exercício de reflexão crítica para todos e por todos.

No primeiro caso situa-se tudo o que se prende com a conservação e regeneração dos recursos vitais, desde a qualidade da água, do ar e dos solos até à biodiversidade, florestas e oceanos. No segundo caso, temos problemas como os da justiça e os da responsabilidade perante populações mais pobres e que nalguns países são as principais vítimas das alterações climáticas sem terem sido elas as causadoras das emissões poluentes que provocaram o problema climático.

As questões ambientais são, pois, não só um exercício para a educação cívica, como uma educação no seu sentido mais pleno, ou seja, responsável.

Estas breves reflexões sobre a Educação para a Cidadania, enquanto parte de uma Educação Ambiental, sugerem 3 propostas para uma agenda do futuro.

Em primeiro lugar, ao nível do ensino formal escolar, é perfeitamente possível estimular a transversalidade disciplinar do ambiente alargado para as disciplinas de história, de língua portuguesa, de filosofia… Não basta integrar o ambiente nas ciências da natureza e geográficas; é urgente que as outras disciplinas integrem as dimensões ambientais dos vários problemas que se ensinam. Desde a Lei das Sesmarias, à história florestal portuguesa; de Aristóteles até à filosofia crítica contemporânea. Tudo matérias que estão nos programas escolares, mas que raramente focam o ângulo ambiental.

Depois, é urgente que as crianças e jovens comecem cedo a compreender o mundo em que vivem hoje e em que viverão no futuro próximo. Neste sentido, seria muito útil que uma Educação para a Cidadania lhes explicasse clara e dedicadamente as linhas com que se cose a vida organizacional do planeta, e, em particular, a da União Europeia. Neste ponto, a importância dos acordos internacionais e comunitários, bem como as instituições que os regem, para além de todas as diretivas e legislação que têm a ver com o ambiente, com o ordenamento do território e com as alterações climáticas – encontrariam um excelente lugar de divulgação e de estímulo à responsabilização cívica global e local.

Isto conduziria naturalmente à necessidade de conhecer a estrutura político-administrativa do país, entrando em primeira linha as questões ambientais e de ordenamento do território, e os princípios dos direitos e dos deveres. Tal implicaria uma abordagem cívico-política ao ambiente com mais responsabilização, e talvez fosse esta uma maneira segura de ensinar cidadãos ativos em vez de subordinados ou protegidos. Ainda no ensino formal, outra peça vital, é a continuação e multiplicação enérgica de programas estruturantes para o futuro do país com destaque para a importantíssima Ciência Viva e também a Sociedade de Informação. Esta seria uma forma de promover a efetividade da Educação Ambiental mais articulada à ciência e à cidadania, incluindo as novas técnicas de comunicação que a própria cultura comunicacional dos jovens hoje exige.

Os novos movimentos sociais juvenis organizados em torno dos valores da sustentabilidade e da vida, unem a comunidade escolar ao mundo real onde vivem, e projetam escolhas para um futuro sustentável.

Por fim, é importante incutir a presença das questões ambientais no conjunto das iniciativas locais e regionais que promovem o valor dos patrimónios culturais e naturais. Através deste tipo de iniciativas, mais depressa se mobilizam os jovens para saber mais e intervir melhor. As Áreas Protegidas, por exemplo, espalhadas por todo o território têm de ter capacidade para protagonizar a mobilização cívica neste aspeto: urge criar uma paixão pública informada pela natureza e paisagem como território socialmente partilhado, em vez de continuar a ver deslizar toda uma juventude para uma natureza apenas recreativa que começa na esplanada e acaba na areia da praia debaixo do chapéu-de-sol. O mesmo se podia aplicar aos rios, ao mar, ao enorme problema das alterações climáticas, bem como aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas metas estabelecidas pela ONU para 2030 e que constituem um desígnio que nos desafia a todos nos próximos 10 anos.

Este é, pois, o momento certo para os jovens adquirirem formação no domínio dos processos de participação cívica, das regras do jogo democrático e dos direitos e deveres desde a escala local à internacional – articulando as competências ambientais e a cultura científica da sua geração, com uma educação para a ação cívica. E todos – associações ambientalistas, empresas, autarquias, paróquias, famílias – são necessários nesta enorme tarefa.

Os novos movimentos sociais juvenis organizados em torno dos valores da sustentabilidade e da vida unem a comunidade escolar ao mundo real onde vivem, e projetam escolhas para um futuro sustentável. Como se tem visto em vários lugares do mundo, estes movimentos não estão orientados por miragens sonhadoras, mas sim para questões ao mesmo tempo complexas, mas também muito pragmáticas de sobrevivência geracional. Uma sobrevivência que passa pelo restauro do vínculo entre a Humanidade e o seu Planeta e, como sabemos, isso passa necessariamente por valores como a justiça inter e intrageracional, e pelo reconhecimento do direito à existência de todas as formas de vida na sua diversidade.

Estamos perante uma geração que cresceu afrontada por crises sucessivas – financeira, ecológica e agora sanitária. Uma geração que se formou dentro de um quadro geral de bloqueios ao futuro e está a revelar-se particularmente atenta às questões científicas e ao imperativo de intervenção cívica.

A oportunidade é única e o momento, apesar das crises, é altamente esperançoso.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.