Não acredito em atletas de sucesso, sem privações e sofrimento. Não acredito em adultos mentalmente saudáveis sem terem tido dúvidas existenciais na adolescência, que os levaram a procurar o seu lugar no mundo em que habitam. Não acredito em pessoas com Fé, mas sem dúvidas, sem interrogações, sem procuras, sem questionamentos sobre Deus, o seu Amor por cada homem, por todos nós.
E desconfio sempre que ouço alguma pessoa afirmar que teve continuamente uma Fé sem hesitações ou questionamentos, ou seja, linear. É algo que me impressionou e impressionará, independentemente de quem o profira. Talvez, porque sempre fui mais de dúvidas do que de certezas. Em tudo na minha vida. No entanto, descansou-me o próprio Filho de Deus, Jesus Cristo, que, como nós ouvimos no I Domingo da Quaresma, teve a tentação do questionamento da presença da Pai na vida d’Ele. É certo que no episódio em que nos são narradas as tentações se abarca plenamente toda a dimensão humana. É certo que essas tentações nos ajudam a perceber que não ter certezas não é, somente, duvidar da existência ou não de Deus.
É certo que essas tentações nos ajudam a perceber que não ter certezas não é, somente, duvidar da existência ou não de Deus.
Mas concorre, indubitavelmente, para que os mais atentos possam perceber que fazer perguntas e não ter certezas é um caminho que pode conduzir à relação mais profunda e próxima com a verdade.
Vejamos: a dúvida primeira que o olhar interpelador encontra, mas cuja certeza obtém resposta na natureza infinitamente bela e perfeita, é a de Quem a construiu.
Para dúvidas mais complexas (ou não, pois a complexidade aqui é relativa), mais profundas, de quem busca uma Fé implicada, que traga consequências para a vida concreta do cristão, talvez o processo de discernimento possa ser mais complexo. Cristo dá o mote: não valerá mais a pena a glória neste mundo, que já é certa, do que a possível glória na vida eterna, que podemos duvidar que exista? Não é melhor temos já a riqueza neste mundo, porque sabemos aqui onde a gastar e nos ajuda a ter uma vida boa, do que abdicar da riqueza mundana (que, ao fim ao cabo, não nos dá de comer, nem de vestir), para termos uma riqueza espiritual que nos garanta a proximidade com Deus? Não é melhor ficar conhecido neste mundo e ter gente a adorar-nos e tirarmos dividendos disso aqui, do que canalizar tudo para um Deus que ninguém viu? E quem vai receber as honras desse ninguém? Ninguém. Assim, é melhor ficarmos já com o que podemos.
A Fé construída na dúvida permanente conduz-nos à humildade de reconhecermos, como cristãos, que devemos ser honestos e despojados, ajudando os demais a viver felizes com aquilo que Deus providencia para cada um.
Cristo comprovou esta minha “carreira de aplicador metódico da dúvida”: o seu deserto de 40 dias trouxe-nos a certeza da sua humanidade, tão semelhante à nossa, precisamente pela fragilidade que nos trouxerem, também, as suas dúvidas. Mas também revelou que essa é a fortaleza humana que devemos explorar: questionarmo-nos leva-nos no caminho rumo à nossa Fé e uma Fé que vive a interrogação diária não é uma Fé take-way, que coloca de lado a Cruz, preferindo a vã glória do imediato. A Fé construída na dúvida permanente conduz-nos à humildade de reconhecermos, como cristãos, que devemos ser honestos e despojados, ajudando os demais a viver felizes com aquilo que Deus providencia para cada um. Essa Fé é permanentemente preocupada, não com o sentido imediato da vida, mas com o mais profundo e final. E nessa Fé só pode estar Deus.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.