Há aproximadamente duas semanas, o Sr. Ministro da Educação, numa entrevista televisiva, revelou o mais bem guardado dos segredos do Ministério da Educação e confessou que cada aluno da escola estatal custa, em média, 6200 euros por ano ao Estado, isto é, aproximadamente mais 30% do que em 2015. Esta modesta confissão televisiva, tão esperada, revela-se de suma importância e é algo inédito, pela contínua resistência demonstrada pelo Ministério da Educação, durante vários e longos anos, em revelar estes dados. Soubemos, ainda, que segundo os cálculos da OCDE este valor talvez seja superior (8512 euros).
[A este propósito gostava de recordar que as escolas do ensino particular e cooperativo que têm contrato de associação com o Estado auferem um valor anual de 80.500 euros por turma, o que corresponde aproximadamente a 3355 euros por aluno, um valor muito abaixo dos 6200 euros]
Ao longo da semana passada, por várias vezes, fomos confrontados com distintas publicações nas redes sociais que comparavam os valores do Ministério da Educação com as tabelas de várias escolas privadas, que aparecem regularmente nos primeiros lugares dos rankings, mostrando que o Ensino Estatal é mais caro e, para quem continua a achar que os rankings medem a qualidade das escolas, de menor qualidade. Em distintos jornais nacionais, foram publicados vários artigos com alguns esclarecimentos, em que o Sr. Ministro procurava clarificar as razões da subida deste valor, com o descongelamento das carreiras docentes e com o reforço das medidas de apoio às famílias, e os critérios do seu cálculo, referindo os gastos com as estruturas administrativas do ministério e com a COVID-19. Surgiram também vários artigos de opinião que procuraram analisar este valor e recuperar a discussão política pela liberdade de escolha das famílias, pondo em causa algumas medidas governamentais que são discriminatórias, por fazerem distinção entre alunos, consoante o tipo de escola.
Há dois anos, em novembro de 2019, como vice-presidente da APEC (Associação Portuguesa das Escolas Católicas), tive a oportunidade de participar no 2.º Congresso das Escolas, uma iniciativa que uniu escolas estatais e do ensino particular e cooperativo no mesmo objetivo: melhorar a educação em Portugal. Numa das conferências plenárias, retive uma ideia central: o Ministério da Educação deve ser o ministério de todos os alunos portugueses, independentemente do tipo de escola ou de projeto educativo. Por isso, surpreende-me que quando o Estado decretou a distribuição de manuais gratuitos apenas aos alunos do Ensino Público, a opinião pública portuguesa, incluindo pessoas notáveis do nosso país, não se tenham feito ouvir na sua contestação, como quando o Estado apenas quis testar gratuitamente os alunos das escolas públicas à COVID-19, como se os alunos do ensino particular e cooperativo não merecessem igualmente o seu apoio numa situação de calamidade pública.
Independentemente dos valores do custo anual por aluno e dos critérios de seu cálculo, julgo que esta discussão revela um preconceito social profundamente enraizado na sociedade portuguesa e que ideologicamente é impedimento para um avanço científico e humano, a contínua necessidade de opor a iniciativa pública à privada, e, de modo particular, em matéria de educação, a discriminação frequente dos alunos do ensino privado. Serão os alunos do ensino privado menos cidadãos portugueses do que os do ensino público para não terem direito a manuais gratuitos, a máscaras, a computadores, etc?
Por que motivo o Estado tem tanta dificuldade em criar um cheque de ensino, que promova a liberdade de escolha das famílias e uma maior inclusão a nível de políticas educativas? Porventura, considera o Estado que as famílias não têm capacidade para escolher?
Como diretor pedagógico de uma escola privada, regularmente participo em reuniões das redes municipais de educação em que a minha escola, o Instituto Nun’Alvres (Colégio das Caldinhas), está integrado. Sou testemunha das relações de cooperação muito próximas entre todo o tipo de escolas, independentemente de serem públicas ou privadas, sem qualquer tipo de dificuldade extra, unidos num projeto comum. Por isso, creio que seria muito benéfico para o país que este tipo de colaboração local pudesse também ter uma expressão nacional, sobretudo, ao nível de políticas de educação do estado.
Assim, à parte dos valores de custo e das diferentes intervenções, gostava de recentrar a discussão na liberdade de escolha. Se um cidadão português, por algum motivo, decidir socorrer-se de um hospital privado, não perde o direito aos apoios que o estado providência lhe disponibiliza a nível de saúde, nomeadamente, a comparticipação na compra de medicamentos ou na realização de exames médicos. Todavia, se uma família portuguesa, em consonância com o seu projeto de vida e valores, decide livremente colocar os seus filhos numa escola privada, não só tem que custear a totalidade dos custos da educação dos seus filhos, sem qualquer tipo de contribuição do Estado, a quem paga impostos sobre os seus rendimentos, como se vê privada de um conjunto de apoios que só se aplicam aos alunos das escolas públicas, como por exemplo, o direito a manuais gratuitos ou a computadores.
[A propósito dos manuais gratuitos para todos os alunos portugueses, gostava de fazer referência a uma petição pública, entregue no Parlamento no passado mês de junho, que recolheu 11473 assinaturas]
Sei que a questão que levanto é erradamente vítima do preconceito “ricos contra pobres”, mas, em consciência, como cidadão português, sinto que não posso ficar indiferente ao ver tantas famílias que, independentemente dos seus rendimentos, dentro de uma República Democrática, fizeram uma opção livre, a ter que pagar duas vezes pela educação dos seus filhos: uma nas elevadas tributações ao Estado, outra nas propinas da escola que, em consciência, escolheram para educar os seus filhos.
Por que motivo o Estado tem tanta dificuldade em criar um cheque de ensino, que promova a liberdade de escolha das famílias e uma maior inclusão a nível de políticas educativas? Porventura, considera o Estado que as famílias não têm capacidade para escolher? Se aparentemente, segundo os dados publicados, fica mais económico e está garantida a qualidade do Ensino, qual será o motivo? Estará o Estado a incumprir o artigo 43 da Constituição, querendo determinar a orientação filosófica, estética, política e ideológica das escolas?
As questões que levanto são complexas e exigem uma reflexão mais aprofundada. Contudo, é inegável que o avanço de uma sociedade não se mede apenas pela sua produtividade ou capacidade económica, mas, sobretudo, pela sua maturidade democrática, onde a diversidade e o respeito por todos os cidadãos emergem como valores fundamentais. Um sistema educativo sem diferentes projetos educativos e sem liberdade de escolha não só fica mais pobre, como constrói uma sociedade injusta e com maiores clivagens sociais. Escolher apenas pelo que o Estado me oferece não é liberdade, é resignação. As políticas educativas não devem opor escola pública e privada, mas promover o diálogo aberto entre todos, criando condições de escolha livre e esbatendo desigualdades sociais. Cabe ao Ministério da Educação ser o ministério de todos os alunos portugueses.
Fotografia: Web Summit – DG2_2759, CC BY 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=63933892
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.