49%

A mudança política drástica e repentina tem acontecido em muitos países democráticos, nos quais submergiram os que pensavam que flutuariam sempre e emergiram os que conseguiram dar voz aos pensamentos mais comprimidos das pessoas comuns.

De repente, o vento mudou. As frescas e leves aragens que penteavam o quotidiano deram lugar a correntes de ar cada vez mais fortes e hoje já se anunciam, lá ao longe, as fortes rajadas que varrerão o sossego em que o nosso país havia adormecido, nos últimos anos.

A primeira rajada ocorreu em Outubro de 2019, quando, no Parlamento, entraram vozes diferentes que – tomando conta do espaço mediático e entrando, diariamente, na casa dos portugueses – se tornaram o tema frequente das conversas quotidianas, na mesa do café, no autocarro, no jantar da família ou nas edições eletrónicas dos jornais mais respeitados. As últimas eleições legislativas criaram uma nova realidade e esta iniciou a construção de um novo caminho.

Durante este caminho, outras pressões têm alimentado estes novos ventos sociais e políticos:

(i) a crise na justiça, com processos que, demorando anos a serem resolvidos, vai permitindo a realização dos julgamentos populares nas ruas, nas praças e nos jornais, quase sempre criando um sentimento de impunidade e, consequentemente, de injustiça;

(ii) o sentimento de ponto morto em que parece ter caído a governação do país, com uma, evidente e crescente, incapacidade de sair do condomínio do presente, da gestão política do quotidiano e da permanente necessidade de uma infinita negociação para tomar a mais pequena decisão;

(iii) o aparente conformismo com que os contribuintes vão aceitando o facto consumado de os impostos subirem, ano após ano, desde há mais de uma década, independentemente da evolução da situação financeira do país. Um conformismo que, depois, se vai transformando numa revolta surda, quando os contribuintes não usufruem de serviços públicos de qualidade e compatíveis com o nível de tributação a que estão sujeitos;

(iv) a incredulidade com que se vai observando o apoio e a captura do estado, por parte de interesses particulares e locais que se vão sobrepondo ao bem comum. O caso do novo aeroporto e do financiamento de bancos em crise são evidências dessa teia que compromete a ação pública e prejudica o interesse do país;

(v) a tristeza com que nos vamos apercebendo da ultrapassagem que nos vão fazendo os países da União Europeia que a ela aderiram mais recentemente e que, com os apoios que dela receberam, conseguiram fazer o que Portugal não conseguiu: crescer e enriquecer.

Estas e outras pressões sociais – que já existiam antes de Outubro de 2019 – saíram do comprimido espaço pessoal em que se encontravam e vieram para o espaço coletivo e social, insuflando-se mutuamente e gerando correntes fortes que chegaram ao contexto mediático, ao palco parlamentar, aos pensamentos das pessoas e às discussões pontuais do quotidiano. Correntes que farão o seu caminho nos próximos meses, alterando, fortemente, os contextos social e político próximos e que alteraram, desde já, as eleições presidenciais de 2021.

As últimas eleições legislativas criaram uma nova realidade e esta iniciou a construção de um novo caminho.

Sobre as eleições presidenciais de 2021, havia uma única dúvida: se o atual titular do cargo teria mais ou menos percentagem de votos que a marca obtida pelo Dr. Mário Soares, aquando da sua reeleição. De um dia para o outro, instalou-se uma outra dúvida que se começa a construir no longínquo horizonte, lá onde se organizam as tormentas que se aproximam: e se ocorrer uma segunda volta nas eleições presidenciais de 2021?

Se a situação política se degradar mais rapidamente do que se esperava em 2019; se a epidemia do coronavírus em 2020 afetar seriamente Portugal; se alguns candidatos sondados com bons resultados, pela comunicação social, formalizarem a sua candidatura; se os casos mediáticos em, lento, andamento na justiça revelarem mais informação que envolva membros da classe política; se os casos que envolvem os próprios agentes da justiça comprometerem a confiança dos portugueses; se o Serviço Nacional de Saúde sofrer algum rombo significativo; se ocorrer algum episódio daqueles que são rastilhos para a indignação. Qualquer uma das anteriores situações (ou qualquer conjugação de algumas delas), eventualmente, não alterará o resultado final da eleição presidencial, mas contribuirá para mudar dramaticamente a futura equação política do país.

A mudança política, drástica e repentina, tem acontecido em muitos outros países democráticos, nos quais submergiram os que pensavam que flutuariam sempre e emergiram os que conseguiram dar voz aos pensamentos mais comprimidos das pessoas comuns.

E se, num determinado dia, uma sondagem presidencial atribuir 49% das intenções de voto para o candidato mais bem posicionado?

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.