Quaresma: aquele tempo meio estranho

Quaresma: aquele tempo meio estranho

Sempre tive dificuldade em perceber o que era a Quaresma. Uns quarenta dias meio à toa entre o Carnaval e a Páscoa onde se faziam sacrifícios e jejuns sem grande sentido, nos quais os padres se vestiam de roxo, Jesus era tentado e toda a gente parecia triste. Um tempo em que, para mim, nada transbordava esperança, paixão ou confiança.

Nada temam, depois de vários anos a debater-me com o mesmo tema, comecei a tentar encontrar respostas que me fizessem mais sentido. Cedo percebi que a minha visão, para além de pouco interessada, estava completamente ao lado. A Quaresma, mais do que qualquer outra coisa, é um tempo de preparação. Preparação esta para O momento – a morte e ressurreição de Cristo. Jesus entrega a Sua vida por nós, por cada um de nós, para nos salvar, vencendo a morte. Não há momento de maior esperança do que este.

Após se sentir verdadeiramente a paixão de Cristo, é impossível ficar-se-lhe indiferente. Começamos inevitavelmente a olhar para dentro e a perceber que somos mesmo frágeis, pequenos e diferentes deste Senhor Nosso Deus, e identificamos coisas concretas que intensificam a dita divergência. Assim, com a vontade de ser digno das promessas de Cristo, são-nos dados quarenta dias para nos desapegarmos das coisas que nos afastam d’Ele (os famosos “sacrifícios”). Estes não devem ser apreendidos como momentos de dor, mas sim como oportunidades para saborear mais de perto a obra transformadora do amor de Deus, dado que o foco passa a estar inteiramente n’Ele. Temos então quarenta dias para iniciarmos, falharmos, pedirmos perdão e voltarmos a fazer caminho com Jesus (algo que, se a data fosse reduzida, não teria espaço para se suceder). Neste sentido, tal como o Senhor nos diz “E, quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto para que os outros vejam que eles jejuam” (Mt 6: 16), alegremo-nos na certeza de que, tendo quanto baste, nos encaminhamos em direção a Ele.

É focada nesta nova dimensão deste tempo que me guio em 2022. Um ano completamente novo, pleno em desafios outrora nunca imaginados. Tive várias propostas para me preparar e sinto que, na vontade de participar um bocadinho em todas, não me comprometi verdadeiramente com nenhuma. Tem sido um tempo de retrospeção, de exames de consciência diários e, principalmente, de grande presença do Espírito Santo nos momentos mais diversos.

A título de conclusão, numa homilia ouvi a seguinte frase: “Cada um de nós pode ser melhor do que imaginava, com a graça de Deus”. E tu, és capaz de nesta Quaresma te deixares iluminar pela graça de Deus?

Alice Burguete

Gambozino Verde

Gambozino Verde

Hey, estás aí?

Tenho a sensação de que atualmente buzzwords como sustentabilidade ou crise climática são códigos para se fugir a sete pés. Sim, o alarmismo e o moralismo cansam, mas há muitas outras maneiras de encararmos estes assuntos sem cairmos nesses tons “menos apetecíveis”. Aliás, enquanto gambozinos e cristãos é-nos tantas vezes pedido para refletir sobre o mundo que nos rodeia e em como somos chamados a viver à semelhança de Cristo. Não é preciso muito para reconhecermos que esse mesmo mundo em constante mudança tem impactos cada vez mais palpáveis nas nossas vidas. Seja a chuva que não vem, as inundações e os fogos um pouco por toda a Europa, a poluição que já não se deixa esconder debaixo do tapete. Se antes podíamos virar a cara, cada vez mais tudo isto nos assalta as casas e a vista, pressionando-nos para que não continuemos a ignorar esta ameaça à nossa Casa Comum. Seria redutor se, reconhecendo o problema, nos conformássemos com a ideia de que este apenas diz respeito aos cientistas que o estudam e às grandes empresas a quem deve ser exigido corrigir o mal feito. Para além de nos colocar no papel de espectador, lavando-nos as mãos da nossa quota parte de responsabilidade, esta perspetiva distancia-nos de um olhar compassivo para com as comunidades mais afetadas e vulneráveis, estas que são maioritariamente as mais pobres. Então, como pode um gambozino viver melhor esta realidade? Primeiramente, mantendo-se informado, procurando compreender e acompanhar as tendências atuais e futuras, informação não falta. Em segundo lugar, explorando pequenas e possíveis alterações aos seus hábitos. Mas fazê-lo de forma gradual e orgânica, sem se reter em perfecionismos que acabam por boicotar o progresso. Por último, e talvez mais importante, participando no diálogo e estando disposto a pôr os seus dons a render, ainda que à primeira vista pareçam nada ter a ver com o assunto em questão. Para dar resposta à exigência dos desafios que enfrentamos todos somos chamados a ser agentes de mudança, começando por dentro e expandindo para os nossos círculos de influência.

Afinal, também nesta perspetiva podemos ver novas todas as coisas em Cristo.

Madalena Ravara

Linhas de fundo 2021/22 – P’ra onde é que eu vou?

Linhas de fundo 2021/22 – P’ra onde é que eu vou?

Uma pergunta, uma história, uma canção.

1.     Uma pergunta

Este ano as linhas de fundo são uma pergunta.  “Então, mas estas linhas não servem para nos orientar?”, perguntará o gambozino, e bem. “Como é que uma pergunta me orienta? Perguntas já eu tenho, e não são poucas.”

É verdade, sim senhor. Mas aqui esta pergunta não vem só. É uma pergunta que evoca uma canção, que tem sido hino do tanto que vivemos e desejamos viver nos gambozinos. E, acompanhada de um texto do Evangelho, serve para nos lembrar de procurar o que é realmente importante na nossa missão.

Dizia um senhor chamado Séneca (pouco mais velho que Jesus) e relembram-nos muitas vezes os jesuítas que nos acompanham, que “quem não conhece o porto que procura nunca encontrará ventos favoráveis”.

É disto que nos queremos lembrar quando fazemos a tal pergunta. De perguntar também: quais são os “ventos favoráveis”? No mesmo texto, Séneca acrescenta:

“Sempre que queiras saber qual a atitude a evitar ou a assumir, regula-te pelo bem supremo, pelo objetivo de toda a tua vida. (…)

Nenhum pintor, mesmo que tenha as tintas preparadas, consegue representar o que quer que seja se não tiver uma ideia definida do que quer pintar. (…)

O arqueiro, ao disparar uma flecha, deve conhecer o alvo que pretende atingir para poder apontar e regular a força do disparo.

As nossas deliberações serão vãs desde que não tenham um alvo preciso a atingir”.

Séneca, Cartas a Lucílio

Santo Inácio traduziu a mesma ideia em menos palavras, talvez mais certeiras ainda:

“(…) da nossa parte, (…) somente desejemos e escolhamos o que mais nos conduz para o fim para que somos criados.” [EE 23]

Não basta, então, saber para onde vou (o que quero pintar, qual é o meu alvo, para que fui criado, para que faço parte dos gambozinos, porque sou animador…), mas importa escolher o que mais me ajuda a chegar lá.

Para ser bom animador, preciso de saber para quê e por Quem o faço. De onde vem esta vontade de aproximar crianças e jovens de lugares e vidas tão diferentes, e para que serve estarmos a dar tantas horas da nossa vida (por si já tão ocupada) a esta cena? O que queremos com isto? Tudo nasce a partir dessa pergunta.

Na verdade, as linhas de fundo deste ano servem de antídoto para o esquecimento que nos faz perder a garra: para nos lembrar de procurar sempre o porquê de estarmos aqui, e para quê/onde queremos caminhar. Servem de lembrete, como um alarme no telefone: não faças ou decidas as coisas só porque sim, porque sempre se fez assim, porque alguém te disse ou porque te apetece nesse momento. Procura o melhor. Procura aquilo que melhor corresponde à missão que te foi confiada nos Gambozinos. E questiona tudo o resto – para onde te leva?

E o que é que nós, gambozinos, queremos, acima de tudo?

Há quem diga passar umas tardes fixes no P3, outros dirão fazer uns amigos improváveis a jogar à bola no Monte ou nas Andorinhas, outros ainda que somos loucos e gostamos é de ir para o meio do nada durante 10 dias e, quem sabe, encontrar Deus num survivor. Tudo uma maravilha. Mas tudo serve o mesmo propósito, que está acima de tudo e não podemos perder de vista: ajudar a construir o Reino já aqui, uma pedra de cada vez. O lugar onde há paz, justiça e alegria entre todos e que o nosso Gambozino nos veio mostrar na Sua vida. Com a imagem do que queremos e o alvo bem claros na nossa mira, seremos pintores e arqueiros cada vez mais habilidosos.

 

2.     Uma história

E como é olhando para a vida de Jesus que a nossa se torna clara, este ano seguimos de perto um texto do evangelho de S. Lucas, os discípulos de Emaús.

“Abriram-se-lhes os olhos e reconheceram-no, mas Ele deixou de lhes ser visível. Diziam, então, um ao outro: “Não nos ardia o nosso coração quando Ele no caminho nos falava e abria as Escrituras? E, levantando-se, nessa mesma hora voltaram para Jerusalém.”

Lc 24, 31-33

Neste episódio, dão-se três movimentos importantes na vida destes amigos de Jesus.

O primeiro: aproximam-se de Jesus; ou melhor, Jesus aproxima-se deles. Põe-Se a caminho com eles, conversa, ensina, senta-Se com eles à mesa.

O segundo: reconhecem-No, ao partir do pão. Recordam como o encontro com Ele os transforma.

O terceiro: “nessa mesma hora”, põem-se a caminho de Jerusalém, para anunciar que Jesus ressuscitou.

Este ano, nos gambozinos, procuramos também passar por estes três movimentos: deixar que Jesus se aproxime, reconhecê-Lo e ir anunciar o Evangelho com toda a pressa. Para onde vamos? Para onde formos chamados a anunciar que Jesus está vivo.

 

3.     Uma canção

P´ra onde é que eu vou?

Não sou cobarde,

não vou deixar a vida p’ra mais tarde.

Ponho-me a andar,

p’ra encontrar vida.

Se não sei onde vou, ando à deriva.

 

 

 

Sonhar os Gambozinos

Sonhar os Gambozinos

A Direção Nacional é, muitas vezes, um “mistério” para quem não faz parte dela. Sabemos que estão sempre cheios de trabalho, mas não percebemos bem o que é de facto fazer parte dessa equipa. Por isso, pedimos aos vários membros para nos mostrarem um bocadinho do que por lá se faz.

O que é que significa para ti fazer parte da direção nacional?

Afonso Santos – Esta resposta foi mudando muito ao longo dos anos que estive na Direção Nacional. Se ao início era a oportunidade de pensar mais fundo os Gambozinos através de ideias novas, muito bem pensadas, ao chegar ao quarto e último ano, percebo que, mais importante do que esse pensar (que é importante!), fazer parte da Direção Nacional significa coordenar corações. Esta frase foi roubada de um grande animador que a usou para descrever um coordenador, mas penso que pode, muito bem, ser extrapolada para qualquer membro da direção. Coordenar corações significa servir e guiar pessoas concretas, num momento concreto (e não ideias, planos ou desejos abstratos). Significa acompanhar animadores, participantes e famílias tendo sempre como ponto de partida o cuidado personalizado por cada um, à maneira de Jesus.

 

António Martins – Pertencer à direção deste movimento é, para mim, uma responsabilidade muito grande, mas também uma grande alegria, é quase como se estivesse sempre para acontecer uma grande festa e eu pudesse ajudar a planeá-la com o meu grupo de amigos. Sinto que é uma graça muito grande poder pertencer a este grupo de pessoas que dão o seu tempo e disponibilidade para que muitas ideias ganhem vida e a associação continue a crescer dia após dia. Estar na Direção Nacional é, para mim, um desafio constante, mas relembra-me todos os dias do amor que eu tenho por esta associação.

 

Mariana Mello e Castro – Quando entrei na direção assumi muito a idade dos porquês, para perceber o porquê de cada coisa e ir percebendo todo o background desta associação! Após saber os porquês, passei à fase em que estou agora, que é a de poder sonhar com a garra toda, ao longo do ano, todos os caminhos e todas as coisas que podem ser feitas pelos gambozinos, e qual delas é a melhor e que vai mais de encontro ao que achamos que os Gambozinos precisam, tentando garantir sempre que o conceito da ALEGRIA GAMBOZÍNICA nunca falte!

 

Pe. Lourenço Eiró – Primeiro que tudo, é uma Missão, que me foi confiada por Deus, enquanto Jesuíta, através do Padre Provincial (Superior dos Jesuítas em Portugal). Faço parte da Direção dos Gambozinos na qualidade de Assistente Espiritual. Devo contribuir para que os trabalhos e decisões da Direção estejam em sintonia com a vontade de Deus para a Associação. Para isso ser possível, proponho momentos de oração entre os membros da Direção, assim como tenho a pasta da vida espiritual da GBZ: Capelães dos Campos de férias e outras atividades; cuidar da vida espiritual dos sócios e animadores; presidir às Eucaristias da GBZ; Etc. Tenho a responsabilidade de acompanhar e cuidar da vida espiritual do Movimento. Ao cumprir esta missão, devo apoiar o(a) coordenador(a) da GBZ, assim como os restantes membros da Direção, nas decisões difíceis que temos que tomar, garantindo que nos mantemos fiéis aos valores cristãos que orientam a nossa Associação.

 

Qual o maior desafio que sentes enquanto diretor da tua pasta?

Maria Coimbra – Provavelmente a resposta a esta pergunta muda de mês a mês. Neste momento seria equilibrar cuidar e acompanhar cada membro da Direção Nacional sem que sintam que não confio a 100% e sem me sobrepor. No geral, diria que o meu maior desafio é gerir inseguranças (minhas e da Direção Nacional) com as expectativas e opiniões de todos, sabendo sempre que no fundo queremos todos o mesmo: o melhor para os Gambozinos.

 

Lucas Gonçalves – Ter crescido nos Gambozinos e, especificamente, no Núcleo Norte, juntou-me a muitas vidas diferentes e, com elas, a muitos exemplos do que é ser gambozino. Cada uma destas vidas fez (e ainda faz) de mim melhor animado, melhor animador e melhor diretor. É, também, olhando para estes modelos que surge o meu maior desafio enquanto diretor do Núcleo Norte: aceitar a fragilidade e humanidade deste papel. Facilmente me deixo levar pela procura do diretor ideal entre estes testemunhos, e não do diretor que sou chamado a ser. Apesar disso, este desafio foi-se tornando consolador na Missão que me vai sendo confiada pela direção, pelos animadores, pelos gambozinos e pelo Senhor.

 

Pedro Lynce – Enquanto diretor da pasta das Finanças, sinto que o maior desafio consiste em conciliar a disciplina e rigor com que devem ser tratados os fundos da associação, e a capacidade de alterar planos em prol do que melhor servir os Gambozinos.

 

Pedro Silva – Na minha pasta, a maior dificuldade que sinto é conseguir, no meio de brainstormings e das ideias loucas e fora da caixa que vamos tendo, pôr os pés na terra e parar para perceber o que faz ou não sentido no momento, e concretizar de maneira prática aquilo que vamos construindo nas reuniões!

 

Francisca Granjeia – Talvez seja não me perder da verdadeira missão nos afazeres diários da pasta, e no dia-a-dia da Comunicação. Estar na Direção Nacional, implica não só um olhar para as tarefas que temos de fazer na nossa pasta, mas uma preocupação de olhar à volta e ter uma visão de como está tudo nos Gambozinos. Às vezes torna-se desafiante, conseguir conciliar as tarefas objetivas que temos de fazer, com a missão de ter tempo de qualidade e tranquilidade para sonhar os Gambozinos!

 

Gonçalo Marques de Almeida – O maior desafio que tenho na pasta do núcleo Oeste é conseguir acompanhar os animadores que fazem parte do núcleo. O núcleo Oeste tem muitos animadores, cada um com um papel muito importante, se há uma coisa que é certa é que são os animadores que fazem o núcleo Oeste avançar. Para mim o papel do Diretor do Oeste é acompanhar estes animadores, e isto tem sido um grande desafio, pois um acompanhamento bem dado é sempre difícil, mas vale muito a pena.

 

Bia Medina – Para mim, o maior desafio que sinto é o de cuidar e o deixar-se cuidar. Um diretor de pasta não é um membro isolado da Direção Nacional, estamos todos juntos, todos os meses, e é importante que nos deixemos cuidar e que estejamos atentos uns aos outros, o que na avalanche de dia-a-dia acaba por ser um grande desafio.

Encontrarmo-nos no silêncio

Encontrarmo-nos no silêncio

O silêncio assusta. Todos os dias somos bombardeados com conversas e palavras que nos fazem acreditar que é isso a comunicação. Nos exercícios espirituais, o silêncio é um desafio que nos faz começar a perceber que o estereótipo de comunicação não precisa de ser verbal.

O silêncio é a mais sincera maneira de estar com alguém. Porque é no silêncio que estamos verdadeiramente “nus”, só o estar, faz-nos dar a conhecer.

Nos exercícios, vamos ao encontro de Jesus neste estado de nudez, estarmos como somos, para Ele.

Este estar, entre nós e Deus, faz-nos conhecer a nós mesmos através do conhecê-lo, a Ele. Quem é Deus? E quem sou eu? É com esta relação que percebemos que somos verdadeiros instrumentos nas Suas mãos e, através disso, sim, começamos a perceber quem somos, porque é que o somos, e com que objetivos o somos.

Para o dia a dia trazemo-nos a nós no nosso verdadeiro “eu”. Cheios de Graça e com mais certezas do que somos e do porquê de aqui estarmos, nós próprios. Com consciência e segurança que Jesus está MESMO presente na nossa vida, nas nossas relações, maneiras de estar e de agir.

Joana Ló de Almeida

25 anos de história a criar laços e a fazer pontes

25 anos de história a criar laços e a fazer pontes

Tudo começou com um sonho. Numa sociedade em que as pessoas se dividem em grupos, mediante a sua condição social, os rendimentos da sua família, o seu nível de riqueza, geram-se necessariamente injustiças sociais e separações comunitárias. As pessoas, sobretudo as crianças e os jovens, partem de lugares distintos: uns, com uma família estável, onde o pai e a mãe criam as condições para um crescimento saudável, têm acesso a uma educação de qualidade, têm ao seu alcance todos os meios materiais adequados, contribuindo todas estas condições para a construção de um futuro de felicidade. Outros, porém, nascem no seio de uma família desestruturada, sem acompanhamento adequado, com uma educação deficitária, num contexto muitas vezes de violência quotidiana, tornando-se muito difícil serem felizes. E o mais triste e doloroso é que, naturalmente, estes dois mundos não se cruzam, não se relacionam, vivem isolados.

Tudo começou em Braga. Como todas as coisas grandes, o projecto dos Gambozinos começou com um pequeno grupo de miúdos da rua de S. Barnabé, mais um grupo de crianças de bairros sociais, a quem os jesuítas queriam dar algum apoio. Com o desejo de promover as vidas destes miúdos, utilizando a vasta experiência dos Campos de Férias, surgiu a ideia: Vamos organizar um campo de férias onde os participantes sejam provenientes, metade de classes sociais desfavorecidas, e outra metade de classes sociais privilegiadas. E assim se realizou o primeiro campo de Férias, em colaboração com o CAMTIL, no ano 1996.

Tudo começou com muitas incertezas, riscos e dúvidas. A intenção era, sem dúvida, boa. Porém, algumas perguntas faziam pensar no que poderia acontecer quando estes dois mundos, naturalmente incomunicáveis e distantes, com dois modos de olhar a realidade, poderiam conviver saudavelmente ao longo de 10 dias, no meio do mato! Como iriam estas crianças conseguir conversar, divertir-se juntas, como iriam comer na mesma roda, colaborar nas actividades…? Tudo eram incógnitas. Evidentemente, o papel dos animadores que os acompanhavam seria crucial, preparando muito bem as actividades, estando atentos às conversas entre os participantes, animando os que estavam tristes, comunicando para que todos pudessem entender, favorecendo a aceitação das diferenças, etc.

Este sonho, de um mundo e uma sociedade diferentes, onde fossem destruídos os preconceitos no olhar e na relação com os outros, começou a tomar forma com um campo, um grupo de miúdos e um grupo de animadores com boa vontade. Ao longo desta bonita história, já com 25 anos (!), os campos de férias passaram a grupos ao longo do ano, as atividades entre os Gambozinos multiplicaram-se e formou-se uma nova Associação – GBZ. De algum modo, o sonho inicial tornou-se realidade em cada conversa, cada amizade e cada vida! Muitas memórias ficaram de crianças que cresceram com a ajuda dos Gambozinos, acreditando mais em si próprios, nas suas capacidades, investindo no seu futuro e tornando-se melhores pessoas. Do mesmo modo, muitas crianças e jovens compreenderam que havia outros, fora do seu universo de relações, muito diferentes, que tinham uma grande riqueza para partilharem com eles.

Os Gambozinos são a prova de que nós próprios, tu e eu, podemos desafiar e transformar as barreiras sociais que nos afastam, dos diferentes, cultural, racial ou economicamente. E que, ao participarmos nesta mudança social, também somos transformados interiormente, tornando-nos mais sensíveis, mais tolerantes, mais atentos, mais amigos de todos. Este movimento tem contribuído com uma verdadeira revolução social, começando pelo coração daqueles que se dedicaram a fazer pontes fora da sua zona de conforto e do seu natural status social. Porque, como nos diz Jesus, tudo o que damos aos outros, com amor, recebemos de volta, multiplicado.

 

P. Lourenço Eiró, sj