Tudo começou com um sonho. Numa sociedade em que as pessoas se dividem em grupos, mediante a sua condição social, os rendimentos da sua família, o seu nível de riqueza, geram-se necessariamente injustiças sociais e separações comunitárias. As pessoas, sobretudo as crianças e os jovens, partem de lugares distintos: uns, com uma família estável, onde o pai e a mãe criam as condições para um crescimento saudável, têm acesso a uma educação de qualidade, têm ao seu alcance todos os meios materiais adequados, contribuindo todas estas condições para a construção de um futuro de felicidade. Outros, porém, nascem no seio de uma família desestruturada, sem acompanhamento adequado, com uma educação deficitária, num contexto muitas vezes de violência quotidiana, tornando-se muito difícil serem felizes. E o mais triste e doloroso é que, naturalmente, estes dois mundos não se cruzam, não se relacionam, vivem isolados.

Tudo começou em Braga. Como todas as coisas grandes, o projecto dos Gambozinos começou com um pequeno grupo de miúdos da rua de S. Barnabé, mais um grupo de crianças de bairros sociais, a quem os jesuítas queriam dar algum apoio. Com o desejo de promover as vidas destes miúdos, utilizando a vasta experiência dos Campos de Férias, surgiu a ideia: Vamos organizar um campo de férias onde os participantes sejam provenientes, metade de classes sociais desfavorecidas, e outra metade de classes sociais privilegiadas. E assim se realizou o primeiro campo de Férias, em colaboração com o CAMTIL, no ano 1996.

Tudo começou com muitas incertezas, riscos e dúvidas. A intenção era, sem dúvida, boa. Porém, algumas perguntas faziam pensar no que poderia acontecer quando estes dois mundos, naturalmente incomunicáveis e distantes, com dois modos de olhar a realidade, poderiam conviver saudavelmente ao longo de 10 dias, no meio do mato! Como iriam estas crianças conseguir conversar, divertir-se juntas, como iriam comer na mesma roda, colaborar nas actividades…? Tudo eram incógnitas. Evidentemente, o papel dos animadores que os acompanhavam seria crucial, preparando muito bem as actividades, estando atentos às conversas entre os participantes, animando os que estavam tristes, comunicando para que todos pudessem entender, favorecendo a aceitação das diferenças, etc.

Este sonho, de um mundo e uma sociedade diferentes, onde fossem destruídos os preconceitos no olhar e na relação com os outros, começou a tomar forma com um campo, um grupo de miúdos e um grupo de animadores com boa vontade. Ao longo desta bonita história, já com 25 anos (!), os campos de férias passaram a grupos ao longo do ano, as atividades entre os Gambozinos multiplicaram-se e formou-se uma nova Associação – GBZ. De algum modo, o sonho inicial tornou-se realidade em cada conversa, cada amizade e cada vida! Muitas memórias ficaram de crianças que cresceram com a ajuda dos Gambozinos, acreditando mais em si próprios, nas suas capacidades, investindo no seu futuro e tornando-se melhores pessoas. Do mesmo modo, muitas crianças e jovens compreenderam que havia outros, fora do seu universo de relações, muito diferentes, que tinham uma grande riqueza para partilharem com eles.

Os Gambozinos são a prova de que nós próprios, tu e eu, podemos desafiar e transformar as barreiras sociais que nos afastam, dos diferentes, cultural, racial ou economicamente. E que, ao participarmos nesta mudança social, também somos transformados interiormente, tornando-nos mais sensíveis, mais tolerantes, mais atentos, mais amigos de todos. Este movimento tem contribuído com uma verdadeira revolução social, começando pelo coração daqueles que se dedicaram a fazer pontes fora da sua zona de conforto e do seu natural status social. Porque, como nos diz Jesus, tudo o que damos aos outros, com amor, recebemos de volta, multiplicado.

 

P. Lourenço Eiró, sj