A Natureza

A Natureza

Há quem defina Natureza como o mundo exterior ao Homem e o sistema de leis que sobre ele atua, mas, ultimamente, tenho-me vindo a perguntar se será só isto, de que maneira é que, como gambozinos, olhamos e temos presente este pilar da nossa associação.

Olá! O meu nome é Pedro, e, infelizmente, não vos venho dar uma resposta. Não só porque não a tenho, mas também porque sinto que cabe a cada um encontrá-la na sua vida e na sua missão particular nos gambozinos. Em contrapartida, deixo-vos um bocadinho de como tenho vivido esta questão em concreto, na qual tenho acabado por “tropeçar” muitas vezes nos últimos meses.

Desde Dezembro que comecei uma viagem, uma aventura como lhe chama o meu pai, pela América do Sul. Parti de mochila às costas atrás de um sonho, já de algum tempo, de conhecer este continente, as pessoas, a cultura, as paisagens, e tudo o que tinha para me oferecer. O percurso que fiz levou-me aos quatro cantos do continente e deu-me a oportunidade de viver intensamente a diversidade e magia que existe deste lado do mundo. Subi montanhas e vulcões, atravessei desertos de sal e de areia e de rocha, nadei em praias paradisíacas, explorei florestas tropicais e fui-me deslumbrando e surpreendendo repetidamente com a grandiosidade, complexidade e beleza de todos estes cenários que, se por um lado me faziam sentir humilhado, pequeno e frágil perante o Génio que os cria e que pode muito para além da minha imaginação, também me foram tornando mais sensível ao modo como nos fala através destas Suas obras de amor.

Fui tendo muito tempo. Tempo para fazer novos amigos, conhecer estas pessoas e culturas (não) tão diferentes de nós, provar pratos que têm tanto de bizarro como de incrível, e, sobretudo, fazer silêncio e digerir esta Criação que me envolvia e me falava tão alto. Acabei por aprender e reaprender a reconhecer-me cuidado e abraçado por esta Natureza que nos é dada de forma sistemática e gratuita, como uma carta que Deus nos escreve e envia continuamente, não só através dos grandes desfiladeiros e montanhas deste mundo, mas também na brisa que nos refresca num dia quente de verão, relembrando-nos do quanto nos ama.

 

Ao longo deste tempo, fui sempre tendo presentes os gambozinos, fosse através das pequenas coisas em que consegui ajudar à distância, mas muito também na minha oração, e fui-me apercebendo que partir para um campo é muito como ser “mochileiro”, largar todos os quentinhos e pequenos artifícios que fazem ruído e nos prendem ao nosso umbigo, e partir à descoberta deste mundo que nos é dado de graça para que nos ajude a chegar a Deus.

Acredito que, se “fugimos para o mato” no Verão na altura dos campos, é para que consigamos aprender a viver simplesmente d’Ele e da Criação que continua a construir para nós, porque é nesta comunhão com a natureza, na simplicidade que ela imprime no nosso modo de viver, que verdadeiramente percebemos que “Só uma coisa, Ele, é necessária”.

De mim acho que era isto, e tu, Gambozino, como é que a Natureza se faz presente na tua vida?

Pedro Silva

O olhar

O olhar

O olhar, diria eu, talvez de forma arriscada, é a coisa mais importante na forma como pensamos o mundo, como tencionamos que ele seja. Pelo menos, é através desse “olhar” que identifico as necessidades que existem (as minhas e as dos outros), que oriento os meus desejos e dou os primeiros passos para as pequenas mudanças do dia-a-dia. Sem haver essa primeira experiência, que é muito mais do que “ver” apenas, nada do resto aconteceria. Foi por ter havido gente que se arriscou a “olhar” de forma profunda e compassiva para o mundo, por depois ter formulado um desejo de fundo de um mundo mais igual e bonito, que nasceram os Gambozinos, e tantas outras coisas. Até o próprio Deus precisou de ter “olho para a coisa” para nos enviar Jesus e mudar a história da humanidade.

Tendo isto em conta, este olhar é muito menos uma experiência da visão, ligada aos nossos olhos e que obriga a que estes estejam abertos, e muito mais uma experiência do ser no seu todo, do coração. Se fosse professor, e tivesse de inventar uma fórmula geral para explicar este olhar diria assim: “olhar = ver + sentir/compaixão/perceber”. Se fosse para ir mais fundo ainda, diria que “olhar = ver + Jesus”. Acho que esta segunda fórmula é mais acertada: Jesus não é, como sabemos, só uma figura histórica que disse e fez coisas bonitas. Mais importante que isso, deixou-nos a sua lógica, o seu modo de viver, de pensar, de agir, acessível a todos, sem exceção. E, portanto, se virmos o mundo, os outros, com uma lente com a graduação de Cristo, acho que estaremos a “olhar”. Uma pessoa vai deixar de ser só uma pessoa; vai passar a ser uma oportunidade de amar, de encontro e partilha. A paisagem que vejo vai deixar de ser só um monte de verduras bem alinhadas que davam uma boa fotografia e passam a ter em si a beleza criada de algo que nos foi dado para cuidarmos. As injustiças e desastres vão deixar de ser um poço de lamentações sem saída, e poderão começar a ser motivos para pormos mãos à obra e, aos poucos, começar a construir pequenos Céus, ainda na Terra.

Sei que isto são afirmações que podem parecer demasiado esperançosas, e sei também que, muitas vezes, o nosso olhar está gasto, está irritado, impaciente. O que é normal. O importante, diria ainda, é voltarmos sempre à fonte, irmos sempre comprar as lentes de Jesus. Mesmo nestes momentos em que só conseguimos ver com os olhos, não com o resto, é importante termos essa confiança de que, mais tarde ou mais cedo, vemos as coisas de maneira diferente. Para melhor. Se há algo que caracteriza esse “olhar” é a esperança, e sem ela não caminhamos. Uma esperança que vem da Fé, mas também na crença em nós próprios como atores valiosos, únicos e úteis neste mundo. Olhar implica também uma dimensão coletiva, termos a cabeça para cima, saber que estamos acompanhados e que acompanhamos. Com isso, esse “olhar” torna-se atento; a individualidade e o egoísmo acabam por ter o mesmo efeito do que termos os olhos fechados, ou até pior.

Peço, para mim e para todos nós Gambozinos, um olhar atento e de esperança para que, através das nossas mãos, possamos ir moldando, construindo e reparando o que está ao nosso alcance, e ir sonhando com um mundo como Jesus o quer. “Olhar = ver + sentir/compaixão/perceber = ver + Jesus”.

António Serrano

A Jornada Mundial da Juventude é para TI

A Jornada Mundial da Juventude é para TI

– Vês! Até os cartazes dizem que isto é para ti! Vai ser uma experiência inesquecível, uma oportunidade única na nossa vida!

– Mas já temos tantas coisas no verão… Férias de família, a clássica semana com amigos, o Paredes de Coura, o campo, e ainda queria tentar fazer Exercícios Espirituais… não dá para tudo!

Era a quinta tarde seguida em que os dois amigos discutiam este tema: ir ou não ir às Jornadas Mundiais da Juventude? Desta vez, o assunto tinha sido despertado pelo cartaz que tinham diante deles, que dizia: “a jornada mundial da juventude é para TI”.

– Mas essas coisas podes ter todos os anos. As Jornadas no teu próprio país é uma vez na vida! Ainda por cima ouvi dizer que há poucos voluntários… era uma boa maneira de participarmos.

– Oh! Uma coisa é ir e aproveitar a experiência ao máximo, outra é estar em mais um voluntariado… Já estou em tantos! E já vou fazer G1, fica demasiada coisa beata no mesmo verão. Preciso de outras experiências.

– Mas nós somos Gambozinos, temos de servir!

Sem repararem, um outro jovem parou ao seu lado e comentou:

– Não gosto nada destes cartazes, têm o mesmo problema dessa vossa clássica discussão de betos…

– Han? Estás a falar connosco? Lá por não perceberes o que são as Jornadas, não significa que tenhas de dizer que é uma coisa de betos. Isto é para todos os católicos – disse um dos amigos bastante ofendido.

O jovem recém-chegado olhou para eles com um ar meio confuso, meio a rir-se e respondeu:

– Não é nada disso, eu vou às Jornadas… O meu comentário era relativamente ao vosso pseudo dilema. Vocês estão tão focados em perceber qual a melhor solução, que estão a deixar de fora o verdadeiro objetivo disto tudo… Deixem-me contar-vos uma história:

Esta é a história de uma pequena família que tinha um pequeno restaurante numa pequeníssima aldeia, no meio do nada. O restaurante estava sempre cheio e de todo o lado vinham pessoas para almoçar e jantar ali. Era reconhecido muito além-fronteiras e ninguém ficava indiferente às iguarias que ali eram cozinhadas.

Com o passar dos anos, o tamanho da família foi aumentando e a todos era ensinada a arte de cozinhar, o que permitiu abrir novos restaurantes ali perto. No entanto, perceberam que esses restaurantes já não tinham a mesma qualidade: por um lado, uns foram-se afastando demasiado do modo original de cozinhar e, por outro, uma vez que estavam dispersos, tinha-se perdido o hábito de discutir ideias e novas técnicas, que era uma das grandes fontes do sucesso do restaurante original. Desta forma, para salvaguardar a qualidade, combinaram encontrar-se todas as semanas para, juntos, recordarem as técnicas originais e discutirem novas variações. Resultou. A qualidade voltou a aumentar e a boa fama regressou a todos os restaurantes.

Os anos foram passando e novos restaurantes foram sendo abertos por todo o mundo. Como se pode imaginar, isto tornava a reunião semanal impossível para todos os membros. Claro que, quase todos aqueles que viviam perto uns dos outros se continuavam a juntar semanalmente, mas não era suficiente: as novas ideias eram todas muito parecidas, caía-se na estagnação. Decidiram, desta forma, criar um evento que se realizaria de quatro em quatro anos: era espaçado o suficiente para que todos se conseguissem organizar e ir, mas não espaçado o suficiente para que se caísse a estagnação criativa e no esquecimento das origens.

E assim foi. Estes encontros foram crescendo cada vez mais: mais ideias, mais discussões, mais técnicas novas. Claro que também trouxe alguns problemas: um grande peso organizativo, muita centralização de responsabilidades (que criava alguns atritos), alguns membros que ficavam de fora, etc. No entanto, ainda que, em todos os encontros, muitos fossem os que criticavam, nunca deixavam de ir e os encontros eram sempre um sucesso e um tempo de grandes frutos. O segredo era simples: todos tinham a plena consciência de que estes encontros não eram para ninguém individual, mas para que os restaurantes continuassem a crescer e a chegar a mais pessoas. Ainda que houvesse uns que ficavam responsáveis por organizar, a responsabilidade era sempre partilhada por todos – principalmente a de colmatar as falhas da organização e de garantir que ninguém era deixado de fora. Eram uma família e cada um tinha algo que a podia fazer crescer.

Os eventos foram-se sucedendo e os restaurantes acabaram por chegar a todos os locais do mundo: mantendo-se sempre, não só fiéis à qualidade original, mas também ao tempo e local onde estavam estabelecidos.

Os dois amigos ouviram atentamente a história. Assim que acabou fez-se silêncio e ficaram pensativos. Sem se aperceberem, o desconhecido desapareceu, deixando os dois amigos a conversar sobre o que tinham ouvido.

Semanas mais tarde, um deles comprou bilhete para o Paredes de Coura; o outro preferiu inscreveu-se nas Jornadas como voluntário. Ambos ficaram com o verão preenchido, não sobrou um único dia disponível.

Meses mais tarde, o primeiro ainda falava do épico verão de 2023 e da melhor edição de sempre do Paredes de Coura: memórias criadas e experiências vividas que ficariam para sempre! Já o segundo não tinha nada de épico a contar sobre o seu verão: devido à escassez de voluntários teve de trabalhar ainda mais do que o previsto nas Jornadas e acabou por não participar em quase nada. Devido ao cansaço, passou os dois primeiros dias das férias de família a dormir, não aproveitando as belas paisagens da ilha de São Miguel.

Anos mais tarde, aquele que tinha ido às Jornadas, voltou-se a inscrever. E fez o mesmo quatro anos mais tarde. Nunca procurou grandes experiências, apenas dar o seu pequeno contributo e responder àquele pedido uma vez feito pelo Papa e que sempre lhe guiou a vida:

Queridos jovens, ficarei feliz vendo-vos correr mais rápido do que os lentos e temerosos. Correi «atraídos por esse Rosto tão amado, que adoramos na Sagrada Eucaristia e que reconhecemos na carne do irmão sofredor. Que o Espírito Santo vos empurre nesta corrida para a frente. A Igreja precisa do vosso entusiasmo, das vossas intuições, da vossa fé. Fazeis-nos falta! E quando chegardes onde nós ainda não chegámos, tende paciência para esperar por nós».

Cristo Vive, 299

E quando deixou de ter idade para ir, depois de ter dado o seu contributo, esperou.

Afonso Santos

Ano novo, vida nova

Ano novo, vida nova

“Ano novo, vida nova” – uma frase que tanto se ouve nestes tempos. E ainda bem que assim o é. Parece-me que traz esperança, abre o horizonte, muda o olhar! Relembra-nos que temos ainda muito pela frente, que há mais caminhos, mais formas de atingir o objetivo último – encontrar Deus na nossa vida.

Depois desta grande festa do Natal, em que Deus se faz pequenino e se torna um de nós, temos também um novo ano, que nos traz então uma nova oportunidade de recomeçar. Olhando para esta frase, sinto sempre um misto de emoções, porque se por um lado traz esta esperança de que falava, por outro parece que é apenas aqui que podemos recomeçar. E que se falharmos, já só podemos voltar para o ano. Parece-me importante que esta não seja a mentalidade com que entramos no novo ano, porque este Deus que tanto bem nos quer está constantemente a chamar-nos a recentrar o coração e a recomeçar.

Há uns dias li um artigo do P. Nuno Tovar de Lemos, sj. (que desde já aconselho – “Isto aqui dava um belo pinhal!”) que veio precisamente em virtude deste ano novo. E claro (porque sou uma pessoa que pensa muito sobre as coisas), surgiu-me um novo olhar sobre a frase “ano novo, vida nova” – não será este um mote que nos empurra para a passividade? Como se, apenas porque muda o ano (que na verdade se trata de uma mera mudança de dia à qual damos uma importância especial), tudo mudasse sem que fizéssemos nada. Quase como se não tivéssemos de trabalhar por aquilo que queremos.

É engraçado, porque a frase leva-nos ao encontro daquilo que mais queremos e gostamos – o nosso conforto, seguro e que não exige esforços. O problema é que, se não pensarmos para além disto, acabamos por ficar no mesmo sítio, estagnados. Confesso que me tenho deparado várias vezes com a dualidade atividade-passividade. Sou chamada a confiar! E partindo daqui, acaba por ser fácil ficar naquilo que me é confortável e não sair da bolha. Mas sou também chamada a agir, a fazer-me ouvir e a ser exemplo d’Ele. Muitas vezes, tudo isto me parece contraditório, e por isso surge a dúvida – para onde me viro? Qual destes caminhos é o certo? Tenho percebido cada vez mais que o segredo de uma vida bem vivida, à maneira de Jesus, passa muito por encontrar o equilíbrio, e acho que neste caso consigo encontrá-lo na expressão conhecida de “ser contemplativo na ação”. Deus chama-nos a confiar, mas a agir dentro desta confiança. Diria que no fundo é irmos percebendo que só temos poder até um certo ponto (e, portanto, até aí devemos agir). De resto, há muito que não depende de nós, e, por isso, só nos resta confiar. Atenção, não estou a dizer que seja fácil! Mas acho bonito o caminho que vamos fazendo a partir do momento em que vamos ganhando consciência de certas coisas!

“Ano novo, vida nova”. Afinal há tanto para dizer sobre esta frase!

Que este novo ano nos traga esta esperança e olhar renovado que vem do Menino que nasceu, mas que saibamos também que não é só aqui que podemos recomeçar, porque somos sempre chamados a fazê-lo! Que este seja um ano em que nos deixamos tocar por Ele, que nos quer encontrar!

Um bom ano a todos 🙂

 

Teresa Cardoso da Costa

O que realmente importa no Natal

O que realmente importa no Natal

Este ano propuseram-me escrever um texto sobre o que é realmente importante nesta altura Santa. Ao início vi-me um bocado indeciso com o que escrever, mas pensei que a melhor opção era aproximar-me dos meus Entes Queridos, de Deus e pensar em comunhão com os dois o que este tempo realmente significa.

Desde a espera pela paz, o descanso, a reunião com a família, os presentes que pedimos desde o verão e até mesmo a refeição quente com os que mais gostamos à volta de uma mesa. Ainda bem que temos a oportunidade de ter estas experiências todas e poder ansiar por elas, mas não nos podemos esquecer da razão primária da celebração do Natal, o nascimento de Jesus. A cena do presépio remete-nos para um estado de fragilidade e de humildade, sendo que o Filho de Deus, alguém com tanta importância, nasce numa manjedoura tão dependente dos outros. Todos os anos olhamos para o presépio e acho que nos esquecemos um pouco desta cena de alguém de tanta importância ter aquelas condições, e aproveitarmos para parar e dar graças pelo que temos. No Natal como Deus se deu aos homens, que os homens se deem a Ele, dando o seu coração!

Portanto com este texto não tenho como objetivo fazer-vos sentir peso na consciência com o consumismo, claro que podem dar presentes e querer recebê-los, é um ato de amor! Mas sim, o objetivo de nos dar a todos a lembrar que o mais importante é estarmos uns para os outros, levarmos isso para o resto do ano, darmos um bocadinho de nós, pois só uma coisa é necessária. Obrigado a todos os que estiveram presentes este ano, um Santo Natal e forte abraço.

 

Manel do Carmo (Ginja) Moraes

Uma questão de equilíbrio

Uma questão de equilíbrio

“Que segredos estavam guardados naquele silencio de adolescente? Porque é que eu gostava tanto da janela que dava para o poente? As pessoas dizem que eu sou uma menina piedosa, mas não é isso que eu sinto. Não sou como a Raquel, que passa o dia inteiro atrás do rabino e a recitar salmos. Eu gosto do silêncio por si só, ou de estar a janela. É como se uma impressão íntima viesse cá para fora quando contemplo a paisagem, quando a olho a partir desta coisa, deste poiso íntimo, que vigia com gozo no mais profundo de mim, e ela me acaricia a alma. Então sim, então às vezes recito um salmo, mas não é porque me faça falta, já que é como se tudo fosse um salmo – ver o meu pai, transpirado, a subir a ladeira à vinda do trabalho; brincar às casinhas com a Isabel; ajudar a minha mãe a pôr a mesa; ir buscar água à fonte…”

(As Palavras Caladas, Pedro Miguel Lamet sj.)

 

No livro “As Palavras Caladas” do Padre Pedro Miguel Lamet, o que mais me maravilha é a descrição de Maria durante a sua juventude, antes de saber que ia ser mãe de Jesus.

O silêncio, a serenidade, a calma, o cuidado, a humanidade, a ternura, a descrição do seu dia-a-dia completamente banal, o amor simples de Maria e José, tornam clara a escolha de Deus para Maria ser mãe de Jesus. Nascendo pequenino não podia ter nascido de alguém que também não fosse pequenino, simples e puro.

Desde o fim de Agosto que as linhas de fundo deste ano estão muito presentes na minha vida e que a frase “Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas” não me sai da cabeça… Ando mesmo inquieta, numa loucura de reuniões, jantares e programas aos quais todos são importantes e merecem o seu sim. E tantos são os que ficam para trás e que aos quais sinto que não estou a conseguir responder. Tenho sentido que não estou inteira em nada do que faço e que não estou a conseguir chegar verdadeiramente a lado nenhum.

Esta consciência da “dualidade” de Marta e Maria tem-me dado voltas à cabeça e inquietado o coração. Parece que fiquei mais consciente da hospitalidade das mãos de Marta e da hospitalidade do ouvido de Maria e que, à medida que me torno mais consciente disto, fica mais difícil discernir sobre quem devo ser… De decidir sobre quando Jesus me pede para me pôr ao serviço ou quando Jesus me pede para simplesmente estar, ouvir e fazer companhia.

No meio destas dúvidas, tenho percebido que muitas vezes escolho servir e fazer muitas coisas, porque é a decisão mais fácil. É mais fácil ser logístico prático e voluntarioso, do que escutar, ser ternurento e manso. Que é mais fácil desculpar-me com a minha falta de tempo, com o meu cansaço e stress. Por outro lado, quando digo que não a convites de serviço prático, sinto sempre que estou a ser preguiçosa e que não estou a dar a vida.

A vida, hoje em dia, parece que nos impede de saborear, de estarmos inteiros em cada coisa. E, por mais que eu lute por uma vida mais calma, sinto que andamos sempre numa correria desenfreada, a saltar de programa em programa, e isso impede-nos de estarmos inteiros. Parece que há um grito que pede para estar à janela como Maria a contemplar!

Sei que a resposta não é simplesmente não fazer nada, que não é isso que Jesus nos pede. Mas este equilíbrio entre o estar e o fazer é verdadeiramente desafiante. O perceber que tempos Deus me pede e a que sins está a pedir para me dedicar.

Gostava muito de vir dar uma resposta, mas a verdade é que não tenho. Espero um dia vir a ter. Venho apenas pedir a graça, neste tempo de Advento, de sermos mais parecidos com a simplicidade de Maria. De nos deixarmos ser contemplativos e de não termos medo disso. De não nos distrairmos com tudo o que não é essencial. De nos desafiarmos a simplesmente estar e sermos presentes. De não nos perdermos na loucura do consumismo deste tempo. De aprender a saborear. De não ter medo de dizer que não. De darmos mais tempo para estar aos pés deste Jesus que nasce pequenino para nos salvar.

Que este tempo que Lhe dedicamos seja a chave para aprendermos a discernir os tempos e os sins que Deus nos pede. E que nos ajude a viver uma vida que resulta deste equilíbrio fundamental entre o estar e o fazer.

Teresinha Castel-Branco