Tu és a nossa luz!

Que o nosso Natal possa ser o momento para deixarmos que esta luz brilhe na nossa noite, limpando as nossas lágrimas, sarando as nossas feridas, curando-nos da nossa orfandade.

Que o nosso Natal possa ser o momento para deixarmos que esta luz brilhe na nossa noite, limpando as nossas lágrimas, sarando as nossas feridas, curando-nos da nossa orfandade.

A noite de Natal abre com o ressoar das palavras do profeta Isaías: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam nas sombras da morte uma luz começou a brilhar” (Is. 9, 2). O Evangelho responde com a luz que irrompe a noite, quando os anjos vêm anunciar aos pastores que guardavam os seus rebanhos a “grande alegria” do nascimento do Salvador. Também João, no prólogo ao seu Evangelho, que escutamos na missa do dia, retoma o tema: Cristo é a luz que, vindo a este mundo, ilumina todos os Homens. A mesma luz que se faz anunciar nas margens da sociedade, tanto entre os pastores, pobres e tidos como impuros, mas também entre estrangeiros, como os magos que, vindos do Oriente, se deixam atrair por uma estrela que brilha, diferente de todas as outras, no meio da noite. Esta é uma luz que encerra um paradoxo: oferecida como graça, corre o risco de não ser acolhida ou reconhecida. João relembra-o ao começar o seu Evangelho, no drama que atravessa a vida de Jesus e a própria história do mundo. Mas, para aqueles que a acolhem e reconhecem, a esse é-lhes dada a graça de viverem uma vida nova, como filhos e filhas de Deus.

No nosso tempo, o Natal começa muito antes, com as promoções e anúncios comerciais, as decorações que invadem os espaços públicos, as luzes que brilham nos centros comerciais, nos edifícios e nas ruas principais das localidades. O Natal organizou-se, programou-se, ganhou foros de festa de abundância, incorporou pais natais e duendes, ou mesmo elfos…

Tal como no tempo de Jesus, esta azáfama das cidades, dos lugares da abundância e da riqueza, aparece longe dos relatos do seu nascimento. Para uma pobre mulher grávida vinda de Nazaré já não há lugar… E parece que o Céu também se arreda deste burburinho, fazendo-se anunciar aos que estão longe, aos esquecidos, aos pobres deste mundo. É para estes que em primeiro lugar é anunciado o nascimento dessa grande luz. É nas suas noites que a luz irrompe, na fragilidade e na força do amor feito carne no menino de Belém.

Lembro-me, desde pequeno, de esperar com ansiedade este tempo do Natal, de preparar a árvore e o presépio, de colocar o sapato no lugar onde as prendas apareceriam no passar da noite de Natal para o dia. Com o tempo, fui lendo sobretudo como no Natal se tornam claras as noites, as nossas e as dos outros, que gritam por esta luz, que pedem que ela irrompa. Porque as nossas relações e famílias se mostram muitas vezes dolorosamente longe das idealizações contemporâneas da família. Porque as luzes e a abundância não chegam às ruas e às mesas mais pobres.  Porque a fome, o desemprego, o abandono, a solidão, a guerra, e mesmo a morte habitam muitas, demasiadas vidas.

Por isso, o Natal, ou o Natal tal como o fomos construindo, torna-se assim efémero ou mesmo uma frustração, uma quimera. Mas a Palavra que escutamos aponta-nos o caminho: aceitar que esta luz vem para iluminar a noite, as nossas noites. Que só ela pode fazer irromper a alegria, refazer-nos como filhos e filhas muito amados de Deus e reanimar a certeza de que a fragilidade dos pequenos gestos traz a força da reconciliação e da paz.

Mas a Palavra que escutamos aponta-nos o caminho: aceitar que esta luz vem para iluminar a noite, as nossas noites. Que só ela pode fazer irromper a alegria, refazer-nos como filhos e filhas muito amados de Deus e reanimar a certeza de que a fragilidade dos pequenos gestos traz a força da reconciliação e da paz.

Iremos começar um tempo jubilar que nos traz precisamente, longe das proclamações triunfais, o anúncio da esperança nos caminhos que trilhamos como peregrinos, como gente que está sempre de passagem, a caminho. Relembra-nos que habitamos o mundo para nele sermos sinal e fermento, para acender esta luz que, por causa do Natal de Jesus e do dom da sua vida, trazemos como tesouro na fragilidade da nossa vida.

Este será também um ano forte em termos ecuménicos, no celebrar dos 1700 anos sobre o Concílio de Niceia, onde, pela primeira vez, os cristãos tentaram dizer, num texto comum, o que acreditam sobre Deus, por causa desse Jesus, Homem e Deus, que no-lo revelou como Pai e como Amor. Recordando as origens, relembramos a urgência da reconciliação e da unidade entre os cristãos, na diversidade de expressões e de dons. Mas relembramos também como precisamos de repensar, também hoje, o anúncio da novidade cristã, nas linguagens do nosso tempo.

No fundo, voltamos ao mesmo anúncio: “uma luz nasceu, e continua a nascer, para cada um, para cada uma, para iluminar a noite, todas as noites”. Com ela vem o sonho, feito utopia e missão, de uma Humanidade reconciliada e fraterna, de uma casa onde todos tenham lugar, de uma mesa aberta para todos. Que o nosso Natal possa ser o momento para deixarmos que esta luz brilhe na nossa noite, limpando as nossas lágrimas, sarando as nossas feridas, curando-nos da nossa orfandade. Que o seu acolhimento nos reanime a ir ao encontro dos que estão sós e mais sofrem, daqueles que estão nas periferias do mundo e que Deus fez, desde o início, os recetores privilegiados do anúncio do Céu. Que cada um possa dizer, com verdade: “Sim, Tu és a minha luz! Ilumina a minha noite! Sê a lâmpada para os meus pés!”.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.