Ressurreição: Fundamento da Fé cristã

Analisemos sucessivamente a linguagem, a história e o testemunho da ressurreição, o fundamento da fé cristã (1 Cor 15, 12s).

Analisemos sucessivamente a linguagem, a história e o testemunho da ressurreição, o fundamento da fé cristã (1 Cor 15, 12s).

Primeiro, a linguagem da ressurreição. O Novo Testamento tem como língua original o grego, e utiliza duas expressões distintas para designar a ressurreição. Do ponto de vista etimológico, significam que, na madrugada de Páscoa, Jesus “despertou/ levantou-se” ou, então, “foi elevado/ exaltado”. No sepulcro o cadáver jaz na horizontal, a morte por crucifixão não podia ser mais humilhante e infame, mas Jesus “despertou/ levantou-se” e “foi elevado/ exaltado”! Comunicamos geralmente por imagens, e mais ainda neste caso, em que se está a procurar traduzir uma experiência absolutamente nova. Não se trata da reanimação de um cadáver, o voltar da morte novamente para esta vida. Significa, sim, a passagem da morte para uma vida plena, e por isso com profundo impacto antes de mais na história de um punhado de pessoas muito concretas, que eram mais próximas de Jesus, e às quais se quis manifestar, como corpo ressuscitado. Pelo Pai, mediante o Espírito de Amor, Jesus “levantou-se/ foi exaltado”, levando a nossa natureza humana à participação plena na vida divina.

 

Mas a grande prova é aquela que cada um de nós está em condições de oferecer, mediante o nosso modo de estar e as nossas atitudes no dia-a-dia.

 

 

Segundo, um pouco da história acerca da ressurreição. É tardiamente que surgem, no Antigo Testamento, referências explícitas à fé na ressurreição, nomeadamente no Segundo livro dos Macabeus, do séc. II aC. No tempo de Jesus, não havia unanimidade entre os judeus a este respeito. Assim, os saduceus não acreditavam na ressurreição, contrariamente aos fariseus (Mc 12, 18-27). Para refutar a posição dos saduceus, Jesus vai aduzir dois argumentos. A ressurreição é uma realidade nova: “nem eles se casarão, nem elas serão dadas em casamento”. Consequentemente, não podemos extrapolar sem mais as nossas categorias e, nomeadamente, as nossas relações terrenas de modo a perceber e experimentar essa outra realidade, que respeita a nossa inserção plena na vida divina. Por outro lado, embora sendo uma realidade nova, pelo menos em parte já a podemos ir experimentando. Deus define-se a si mesmo como relação/ amor: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob”, e, podíamos acrescentar, o Deus de Pedro, João, Maria, Madalena… A experiência humana deixa-nos intuir que a amizade e o amor têm algo de perene – de divino, diríamos. “Forte como a morte é o amor” (Ct 8, 6), ou antes, mais forte ainda! A ressurreição, vitória do amor sobre a infidelidade e a morte, é um evento que ocorreu pela primeira vez na história humana em Jesus de Nazaré!

 

Terceiro, o testemunho da ressurreição. Há quem inveje os crentes e lhes peça que apresentem uma única prova da ressurreição. Mas a grande prova é aquela que cada um de nós está em condições de oferecer, mediante o nosso modo de estar e as nossas atitudes no dia-a-dia. A ressurreição não se demonstra, mostra-se. E para isso, há que primeiramente se predispor a acolher “os verdadeiros e santíssimos efeitos da ressurreição” (S. Inácio de Loiola). Foi essa transformação interior que ocorreu naquela manhã de Páscoa, fazendo dos discípulos medrosos e na sua maioria de condição rude, uma comunidade coesa que é a Igreja nascente, primeiro fruto e testemunho da ressurreição. Há que se abrir à ressurreição que faz de nós homens e mulheres novos (Ef 4, 17) e através de nós recria progressivamente esta nova realidade e eterna primavera, “um novo céu e uma nova terra” (Ap 21, 1), inaugurado há dois mil anos. É um testemunho que está nas nossas mãos e nos responsabiliza, a fim de também poder chegar aos outros. A ressurreição não é testemunhável directamente por ninguém, nem sequer pelos guardas que faziam piquete ao sepulcro. O nosso testemunho constitui o acesso privilegiado dos outros à ressurreição. A ressurreição já é essa “alegria, gozo e glória” que os nossos corpos eventualmente possam deixar transparecer. A ressurreição traz consigo uma consolação interior, que sentimos a necessidade de pôr a circular em favor dos outros.


Bibliografia: J.H. Newman, Gramática do assentimento, Assírio & Alvim

P.S. Texto originalmente publicado no site essejota.net, atualmente desativado.

Fotografia de Jose Maria Garcia Garcia – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.