Pode-se representar Deus em imagens?

Louis Amstrong e a Queen Isabel II viajam connosco entre Paris e o Irão para discutir a representação de Deus em imagens no Judaísmo, entre os cristãos e no Islão.

Louis Amstrong e a Queen Isabel II viajam connosco entre Paris e o Irão para discutir a representação de Deus em imagens no Judaísmo, entre os cristãos e no Islão.

1. Como mel para a boca

Louis Amstrong canta Go Down Moses, o apelo que Deus lança a Moisés para que ele conduza o seu povo para fora do Egipto. ♪ ♫


2. Um texto bíblico

O Senhor falava com Moisés, face a face, como um homem fala com o seu amigo. (…) E disse-lhe:

– Tu não poderás ver a minha face, pois o homem não pode contemplar-me e continuar a viver.

E o Senhor acrescentou:

– Está aqui um lugar próximo de mim; conservar-te-ás sobre o rochedo. Quando a minha glória passar, colocar-te-ei na cavidade do rochedo e cobrir-te-ei com a minha mão, até que Eu tenha passado.

Livro do Êxodo 33,11.20-22


3. O esclarecimento

O Antigo Testamento coloca-nos diante de um paradoxo:

  • Por um lado, Deus fala face a face com Moisés
  • Por outro, o homem não pode contemplar a Deus e continuar a viver.

Isto coloca duas questões fundamentais:

  1. Tem Deus verdadeiramente um “rosto”?
  2. E podemos representá-lo em imagens?

Todas as religiões se colocaram estas questões e, de modo particular, aquelas que adoram um Deus único, as religiões monoteístas.

A resposta vai chegar em dois tempos:

  • Hoje, vamos considerar o que dizem o Judaísmo e o Islão.
  • Para a semana, será a vez do Novo Testamento e do cristianismo.

Isto porque as respostas são diferentes!

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Interior da Grande Sinagoga de Paris (rue de la Victoire)

| No Judaísmo |

Deus não pode ser mais claro, no texto de hoje: o homem não O pode contemplar. Mas, esta impossibilidade parece derivar mais de uma incapacidade que de um interdito: de facto, o homem não seria capaz de um tal grau de intimidade. Não só porque a desproporção entre Criador e criatura é demasiado grande (ainda que o homem tenha sido criado… à Sua imagem!), mas também porque, pelo pecado, o homem se tornou incapaz de uma tal visão.

Mesmo ao nível meramente humano, como o fez notar Emmanuel Lévinas (um verdadeiro campeão da questão filosófica do rosto!), olhar alguém nos olhos é algo que evitamos que se prolongue desnecessariamente, tal é a intensidade que experimentamos e que apenas anuncia a intensidade que a relação entre duas pessoas pode ter. Experimente hoje e descobrirá: tente olhar alguém nos olhos durante 2 minutos e verá como é difícil evitar a tentação de desviar o olhar!

Se assim é entre humanos, imagine olhar Deus nos olhos!

No fundo, ao enunciar a impossibilidade de O contemplar, Deus não está senão a querer preservar o homem: tal “proibição” não é um castigo nem uma infantilização. No texto de hoje, Deus cobre com a mão os olhos de Moisés, tal como um pai que impede o filho de se lançar no fogo, tal é o fascínio que a chama exerce sobre o pequeno…

Assim, quando Deus, no Decálogo, proíbe o homem de representá-lo em imagens, fá-lo por cuidado paternal, e não apenas para evitar a idolatria. Em consequência desta interdição, não encontramos nas sinagogas qualquer representação de Deus.

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Interior da mesquita xiita de Nasir-ol-Molk (1876-1888), Chiraz, Irão.

| E no Islão? |

As mesquitas são, frequentemente, edifícios magnificamente ornamentados, mas não contêm jamais imagens figurativas. A razão da interdição de representação de Deus no Islão deriva da ideia que Allah é completamente diferente do resto da Criação

O Corão afirma: “Nada se Lhe assemelha” (42,11) e “nada O pode igualar” (112,4). Para a tradição muçulmana, não é possível representar Deus em imagens, menos ainda com aparência humana. Para o Islão, o homem não foi criado à “imagem de Deus”, como se diz na Bíblia.


4. E ainda uma palavra final…

Esta ideia que Deus não pode ser contemplado pelo homem atravessou os séculos e encontra um eco na cerimónia de coroação dos reis e rainhas de Inglaterra. Na série The Crown (A Coroa), Eduardo de Gales está a acompanhar pela televisão a cerimónia da coroação da sua sobrinha, a rainha Isabel II. De repente, a transmissão é suspensa e alguém lhe pergunta:

– O que é que se passa?

– É o momento da unção. O momento mais santo, mais solene, mais sagrado de toda a cerimónia.

– E porque é que não o podemos ver?

– Porque somos apenas mortais.   

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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