Encontrar o silêncio que conduz à oração

Durante uma semana, num mosteiro urbano imerso no meio da cidade, formou-se um verdadeiro lugar sagrado onde o quotidiano pode descansar; e, a partir do descanso, cultivar o silêncio, a atenção, o gosto pelas sensibilidades diferentes.

Durante uma semana, num mosteiro urbano imerso no meio da cidade, formou-se um verdadeiro lugar sagrado onde o quotidiano pode descansar; e, a partir do descanso, cultivar o silêncio, a atenção, o gosto pelas sensibilidades diferentes.

O labOratório 2019 pretendia ser uma semana intensiva de vivência comunitária e em espírito de oração, a fim de dar formação litúrgica e musical, ligando música e vida espiritual; criar nova música para a liturgia, com estilos musicais diversificados; e proporcionar um ambiente de comunidade, aberto a pessoas de diferentes movimentos, paróquias e espiritualidades, como experiência de Igreja plural. Depois de uma primeira edição em 2017, de dimensões mais reduzidas, a ideia passava por alargar horizontes, aumentando o número e a diversidade dos seus membros, oriundos de todo o País e das mais diferentes proveniências e sensibilidades.

Para tal, cerca de 60 pessoas estiveram reunidas no Convento de São Domingos em Lisboa, de 31 de agosto a 8 de setembro, formando uma comunidade viva e orante: o nosso dia-a-dia era saboreado ao ritmo da Liturgia das Horas, com as Laudes, a Hora Intermédia e as Vésperas a marcarem um verdadeiro compasso interior, que assumia uma verdadeira cadência perfeita ao final do dia, com a Eucaristia. Ora, foi precisamente esta imersão na oração que mais nos pôs em contacto com a música, não só porque nos permitiu abrir o espírito à Palavra de Deus, mas também porque a própria oração era quase sempre ajudada pela música.

Foi com este pano de fundo que o labOratório se desenrolou ao longo de uma semana. De manhã, com tempos fortes de formação, teórica e prática, orientados por professores de várias áreas; pela tarde, com ateliês sobre música e espiritualidade, com os mais diversos convidados a apresentarem diferentes estilos musicais; à noite, com os Serões Lab, momentos de fruição através de pequenos concertos, que se revelaram verdadeiras janelas para a vivência da espiritualidade dos vários artistas que por ali passaram e deram testemunho do seu processo criativo.

Estávamos também divididos em quatro programas, que se apresentam em traços largos: o LabCanta, destinado à formação de cantores; o LabToca, para instrumentistas, focado em técnicas de improvisação e acompanhamento; o LabMaestro, dedicado à direcção coral; e o LabCria, para compositores, dos mais inexperientes aos já consagrados. Pelo meio, não faltou tempo para ensaios em conjunto, momentos de descontração e improvisação, ou para que alguns mais aventureiros se atrevessem a criar composições novas, ou mesmo textos novos para serem cantados em celebrações! E, claro, um concerto final onde pudemos dar a conhecer uma pequena amostra do muito que ali se viveu ao longo da semana…

Mas seria redutor tentar descrever esta experiência com base na formatação de um programa ou de um horário… Na verdade, muito mais importante do que o tempo exterior foi o modo como vivemos esta experiência. Ali, naquele mosteiro urbano imerso no meio da cidade de Lisboa, formou-se um verdadeiro lugar sagrado onde o quotidiano pode descansar; e, a partir do descanso, cultivar o silêncio, cultivar a atenção, cultivar o gosto pelas sensibilidades diferentes. Assim, movidos pela paixão pela música aliada à vontade de rezar e celebrar melhor, foi possível, enfim, encontrar o silêncio que conduz à oração.

O mote fundamental do labOratório – e particularmente reforçado aos participantes do LabCria – foi a convicção de que o que torna litúrgico um cântico não é um estilo, mas a sua adequação a um contexto (o da celebração a que se destina).

Importa ainda realçar que este labOratório não ficou encerrado sobre si mesmo, mas foi dirigido a uma comunidade: com efeito, uma grande parte do programa, incluindo as propostas de oração, foi aberto a quem nos foi visitando ao longo daqueles dias. Ali, num mosteiro dominicano e sob uma proposta dos jesuítas, se encontraram, para celebrar a Fé em união, diferentes sensibilidades e formas de estar em Igreja… que correspondem também a diferentes estilos e linguagens musicais! O mote fundamental do labOratório – e particularmente reforçado aos participantes do LabCria – foi a convicção de que o que torna litúrgico um cântico não é um estilo, mas a sua adequação a um contexto (o da celebração a que se destina). Esta tão grande diversidade de estilos e de formas de cantar ficou, aliás, plasmada de forma muito evidente no livro cinzento. E tem, creio, uma correspondência muito grande com o que aprendemos com S. Paulo: “Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de serviços, mas o Senhor é o mesmo; há diversos modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos.” (1 Cor 12, 4-6),

Este foi, para mim, um pequeno mas vivo sinal do que a Igreja quer ser no século XXI, um tempo muito privilegiado em que a Igreja tem sido convidada a revisitar as suas raízes e a redescobrir a centralidade da mensagem do Evangelho; e, a partir daí, ser luz e caminho para os seus fiéis, com cada vez maior desejo de profundidade e de encontro com Deus.

Através do silêncio, da música, da oração, da liturgia, assim se cumpriu a promessa: o Senhor mostrou-nos o poder do Seu Amor como tinha anunciado pela boca dos profetas! (escutar áudio em baixo)

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.