“Deus chama no silêncio interior de cada um”

Está em curso a Semana de Oração pelas Vocações. O Ponto SJ foi falar com o P. Pedro Rocha Mendes sj e tentar saber como Deus chama e o que deve fazer quem se sente interpelado.

Está em curso a Semana de Oração pelas Vocações. O Ponto SJ foi falar com o P. Pedro Rocha Mendes sj e tentar saber como Deus chama e o que deve fazer quem se sente interpelado.

1. Deus chama? Como?

Deus está sempre a chamar. Uma pessoa que não tem fé, provavelmente achará que é tudo fruto da nossa imaginação, que são fábulas da nossa cabeça. Mas quem tem Deus no coração e com Ele aprendeu a ter uma relação pessoal e a conhecer o seu modo de agir, sabe que Deus não só chama como está sempre a chamar. Por isso, quando fazemos silêncio e nos dispomos a escutar a sua voz é sempre um momento em que o Senhor se faz presente. Não de uma maneira concreta, prática e objetiva, como são os nossos encontros humanos. Mas exactamente pelo facto de respeitar a nossa liberdade e nos deixar, quase de forma sagrada, sermos os protagonistas da nossa história, o único modo que tem de nos tocar, sem ferir essa liberdade, é insinuar-se e propor-se. É no silêncio interior e na capacidade que cada um tem de se por à escuta do próprio Deus e da maneira própria que tem de agir dentro de nós: através dos sentidos, do sentimento de paz, liberdade, verdade, consolação profunda. É aí que nós sentimos que Deus nos chama. Chamamos a isso discernimento, pois descobrimos que dentro de nós há vozes que são nossas e forças que não são positivas – porque são auto-centradoras e autocentradas (formas próprias de egoísmo que põem a pessoa no centro de tudo, o privilégio de si mesmo) – mas também sentimos que há outra força, que não vem de nós, e que nos provoca sentimentos contrários. Em vez de nos fechar, liberta-nos, abre-nos aos outros, dá-nos paz, serenidade, tranquilidade interior, verdadeiras experiências humanas que não são causadas por nós, que nós não podemos dar a nós próprios.

É próprio do discernimento distinguir estes movimentos que são nossos e os que são de Deus, sabendo que, nestes movimentos de Deus, está ali a forma como o Senhor nos toca. É sempre uma presença insinuada que requer da nossa parte uma interpretação e clarificação do que nos está a dizer. Diziam os antigos: “O homem é capaz de Deus”. Porque Deus se fez homem. E, por isso, somos capazes de nos relacionarmos pessoalmente com Deus. E o homem é capaz de escrutinar e identificar o que é que estas presenças de Deus significam na sua vida, em concreto, o que é que o Senhor pode estar a quer dizer com esses movimentos que provoca em nós. Esse chamamento pode vir também de forma indirecta: através do exemplo de uma vida marcante, uma experiência espiritual forte, uma palavra e convite concreto de alguém que confia em nós e nos desafia a uma missão.

Cada pessoa que tem presente Deus na sua vida descobre em tudo o que existe a presença amorosa de Deus. O Senhor a chamar-nos sempre a uma vida mais feliz, plena e realizada. O modo próprio que o Senhor tem de nos chamar é descoberto no silêncio interior de cada um e no modo como cada um se vai relacionando pessoalmente com o próprio Deus.

2. Quem se sente interpelado à vida religiosa, e já tem essa inquietação, como deve gerir essa interpelação?

É bastante simples. Pois se alguém sente isso, é alguém que já aprendeu a escutar Deus e a sua vontade para a sua vida. Já está adentrado nestas questões do discernimento: sente que o Senhor o chama a uma vida feliz, plena, a ser um bom cristão, mas mais do que isso. Sente que o Senhor lhe pode estar a fazer um chamamento pessoal a algo mais radical. É isso uma inquietação. Sente que apesar de estar a responder positivamente ao que Deus lhe vai pedindo no dia a dia, há ali qualquer coisa mais e que ainda não está respondido. Chamo-lhe as pessoas inquietas. Aos candidatos à vida religiosa chamo pessoas que já deram mais um passo, não estão só inquietos mas já põem dentro de si a possibilidade de entrar para a vida religiosa ou o sacerdócio.

Nunca se deve gerir isto sozinho. Qualquer discernimento que envolva uma decisão de uma envergadura um pouco maior – não estamos a falar de uma decisão transitória ou do dia – deve ser acompanhado. Quando se tratam de questões mais de fundo, vocacionais (por exemplo, optar pela vida religiosa ou matrimonial) a primeira coisa é fazer este exercício, acompanhado. Pois as moções que são próprias do discernimento (as moções interiores pelas quais a pessoa passa) nem sempre são perceptíveis ao próprio, ou pelo menos com tanta clareza. São muito mais facilmente identificáveis quando vividas em acompanhamento com alguém que esteja habituado e tenha experiência nestes movimentos do Espírito Santo dentro de nós.

Uma pessoa inquieta deve procurar esclarecer essa inquietação, perceber se nasce mais da sua cabeça, se é mais uma idealização, ou se vem mais das entranhas e possa ter um toque vocacional. Buscar um acompanhamento e começar um processo de discernimento.

3. Como é feito o acompanhamento vocacional para ser jesuíta?

É muito específico, na medida em que tem sido alvo de fortes reflexões, de modo a podermos acompanhar com muita qualidade todos os que se propõem, desejam ou mostram interesse em entrar para a Companhia de Jesus.

Há várias fases. A primeira é de esclarecimento da própria inquietação, pois esta é uma coisa normal de acontecer a um bom cristão. Um amigo meu diz, com muita graça, que todo o bom cristão rapaz, que procure viver bem a sua fé, tenha uma prática religiosa coerente e constante, e se pergunte frequentemente o que Deus espera dele, é natural que tenha que, um qualquer dia, por a questão: “Senhor, estás a chamar-me ou não?”

A primeira etapa é, pois, esta clarificação da inquietação. Podemos dizer, hoje em dia, que há muita gente que vem com a ideia forte e bonita de ser padre, mas é só isso, uma ideia, não brota do seu interior. A questão vocacional tem sempre raízes muito fundas na nossa vida, nos nossos sonhos mais profundos, nas nossas experiências mais significativas, no que já vem impresso em nós.

Uma vez que é claro que o que a pessoa está a sentir é uma questão vocacional, passamos por várias fases de esclarecimento. O melhor ambiente para tratar disto é num retiro, em Exercícios Espirituais (EE). A questão é vista com mais profundidade se for vista desde o princípio, em todas as suas dimensões. E os EE possibilitam uma experiência pessoal forte, que passa por rever a sua vida, contemplar a sua miséria em contraste com a imensa misericórdia de Deus, sentir-se profundamente amado por Deus, e chamado a viver a sua vida em plenitude. Sempre com um grande acento na liberdade, não estando condicionado por nada, a não ser pelo desejo grande de fazer a vontade do Senhor. Procurando ver, de uma forma muito funda, se se quer mesmo fazer a vontade do Senhor ou a sua vontade, não se deixando condicionar por pessoas, critérios do mundo, deixando-se trabalhar pela própria graça de Deus.

Depois há várias fases que se vão fazendo, consoante também a própria pessoa. Incluem um maior conhecimento da pessoa por parte da Companhia e um maior conhecimento da Companhia por parte da pessoa. O processo é longo e depende do candidato, da sua idade, maturidade, da sua experiência de Deus. Hoje em dia não pode durar menos de nove meses e em média tem durado mais. São processos longos e que não vale a pena acelerar. Há sempre esta presença dos exercícios espirituais, pelo menos duas vezes, e o acompanhamento regular, quinzenal ou mensal dos candidatos, em que se vão trabalhando estas questões.

 

Mensagem do Papa Francisco para o 55ª Dia Mundial de Oração pelas Vocações:

Para aprofundar este tema, consulte a página Ser Jesuíta. 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.