A conversão na perspetiva de Inácio de Loyola

É preciso passar da falta de liberdade à existência dela. É preciso passar da menor liberdade à maior liberdade. Trata-se dum esforço que envolve a dimensão afetiva da pessoa, isto é, aquilo que atrai, move, direciona o seu coração.

É preciso passar da falta de liberdade à existência dela. É preciso passar da menor liberdade à maior liberdade. Trata-se dum esforço que envolve a dimensão afetiva da pessoa, isto é, aquilo que atrai, move, direciona o seu coração.

Para entendermos o que é a conversão no pensar e no viver de Inácio de Loyola, temos que visitar o livro dos Exercícios Espirituais que ele escreveu. Propõe-se aí um percurso que ajude a pessoa a descobrir a vontade de Deus para a sua vida, oferecendo-lhe também a motivação e a coragem para a abraçar. Há um fio condutor naquilo que vai sendo pedido ao exercitante com vista a fazê-lo chegar a uma meta.

Assim, logo no primeiro momento de oração proposto à pessoa, no chamado “Princípio e Fundamento” (nº 23 dos Exercícios) é explicitada a ideia do “ser para”. É dito que o ser humano «é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus». Afirma-se que ele tem que ter isto presente na hora de lidar com toda a variedade de coisas que são postas à sua disposição.

Por sua vez, no momento final de oração dos Exercícios, na chamada “Contemplação para alcançar amor”, é proposto à pessoa que faça o oferecimento de si, dispondo-se a concretizar na sua vida o “ser para” atrás referido. Com efeito, é-lhe pedido no nº 234 dos Exercícios que diga: «Tomai, Senhor, e recebei toda a minha liberdade […]. Tudo é vosso, disponde de tudo, segundo toda a vossa vontade». Significa isto que o “para” que exprime a finalidade da pessoa implica a liberdade desta para o levar às suas consequências.

O itinerário dos Exercícios Espirituais aparece, então, como uma “fábrica de liberdade”. Procura-se que a pessoa atinja um grau de liberdade que se revele compatível com a expetativa que Deus tem a seu respeito. É claro que este esforço de alargamento da liberdade não é para ser efetuado de modo abstrato. Os Exercícios têm em consideração toda a circunstância exterior e interior da pessoa que os faz. É a partir desta circunstância que o dito esforço deve ser empreendido.

Ora, é precisamente neste alargamento da liberdade pessoal face a Deus Criador que se tem de aplicar o esforço de conversão segundo Inácio de Loyola. É preciso passar da falta de liberdade à existência dela. É preciso passar da menor liberdade à maior liberdade. Trata-se dum esforço que envolve a dimensão afetiva da pessoa, isto é, aquilo que atrai, move, direciona o seu coração.

Por isso, é dito no nº 1 dos Exercícios que estes visam ajudar a pessoa a «tirar de si todas as afeições desordenadas», isto é, os movimentos interiores que a impedem de viver ordenada para o fim para que foi criada. É tirando de si essas afeições que a pessoa está em condições de «buscar e achar a vontade divina, na disposição da sua vida», conforme diz o mesmo nº 1.

Deste modo, o esforço de conversão torna-se claramente personalizado. Cada pessoa vive os seus impedimentos e lutas interiores que lhe consomem as energias e roubam a disponibilidade de estar ativamente centrada em Deus. Cada pessoa tem as suas afeições desordenadas, dalguma forma ligadas à sua estrutura e circunstância. Daí que deva alcançar um formato de liberdade que venha a propósito da riqueza que ela tem e, por conseguinte, daquilo que ela é. Tem que ser uma liberdade que permita encarar todo o investimento que Deus fez nela como instrumento de serviço: serviço a Ele e, por essa via, serviço também aos outros.

Pontos de oração:

– Deus criou-me e continua a facultar-me a sua graça. Estou, de antemão, posto a existir, certamente com uma intenção. Assumo, de verdade, que existo para louvar, reverenciar e servir a Deus?

– Há a “liberdade de” e a “liberdade para”. Mas é em função da segunda que a primeira tem sentido. Que “amarras” me impedem de viver de acordo com o fim para que Deus me põe a existir?

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.