Uma questão de equilíbrio

Com que lentes deveríamos olhar para esta questão do encontrar um equilíbrio na vida? Porque não com umas lentes graduadas com 3 dioptrias diferentes?

Sempre achei absolutamente míticas as façanhas dos equilibristas de circo.

Cada passo dado, ou a ausência deste, cada balancear na corda bamba é merecedor de uma reação pelo suspense, da corda a tremer e de nela se encontrar um ser concebido para andar em pavimento estável, atrevendo-se a caminhar sobre uma corda que se diz bamba, colocando pé ante pé, deixando o desfecho de tal empreendimento nas mãos da prática e da sorte, criando um espetáculo digno de ser visto, sentido e refletido.

O que mais me fascina nesta profissão e arte, não é o risco constante ao qual o artista se submete, podendo ou não cair do seu palco fino e altivo, em direção a uma superfície dura e pouco misericordiosa. O que mais me fascina é o movimento dinâmico e constante que um equilibrista tem de empreender, de modo a manter-se em cima da corda bamba. Entre pequeninas e subtis inclinações e oscilações, ora para a esquerda, ora para a direita vai procurando não cair, percorrendo, de início ao fim, a pouco e pouco, um percurso algo desconfortável à condição humana, desprovida de asas para voar.

Quantas vezes na vida não expressamos a vontade de encontrarmos um modo de vida mais saudável ou por outras palavras, mais equilibrado?

Ora o porquê deste fascínio prende-se com o seguinte: o ponto de equilíbrio que permite ao atuante percorrer a corda bamba sem cair, não é estático, mas dinâmico, e não é um ponto, mas um processo.

Em muito identifico o equilibrismo dos equilibristas, com o equilíbrio que procuramos na vida. Compreendo também o erro que muitas vezes fazemos, de um passo em falso, que nos pode deitar abaixo da nossa corda bamba, através de exigências e perfeccionismos pouco razoáveis a que nos submetemos ou deixamos submeter.

Quantas vezes na vida não expressamos a vontade de encontrarmos um modo de vida mais saudável ou por outras palavras, mais equilibrado? Mas será que percebemos mesmo em que consiste este equilíbrio?

Com que lentes deveríamos olhar para esta questão do encontrar um equilíbrio na vida?

Porque não com umas lentes graduadas com 3 dioptrias diferentes?

1.ª dioptria

A que nos permite compreender que o equilíbrio não é um ponto, mas um processo, um caminho não linear, que precisa de ajustes, mudanças de rotas, consoante as necessidades e os desafios que a vida propõe ou até, por vezes, impõe. Para entendermos isto, precisamos de ganhar o olhar de quem observa a própria obra da criação de Deus. Obra que não está acabada, que está em constante criação, que é resultado de uma ação contínua, dinâmica, nunca estática, nem terminada, que está em constante trabalho, tornando-se mais profunda e fecunda, aprendendo e saboreando para dar melhor fruto, tornando-se mais bela e mais próxima a Deus e mais próxima à sua essência.

2.ª dioptria

Aquela que nos permite compreender que o equilíbrio não é estático, mas dinâmico. Este ponto requer grande sabedoria: a da paciência. A de sabermos confiar em Deus o que não podemos controlar e fazer aquilo que está nas nossas mãos fazer; a de compreendermos que talvez nunca iremos ter um momento de epifania, um “descobrir a pólvora”, um momento de “heureca!” em que encontramos a fórmula para este mesmo equilíbrio, que jamais muda ou precisa de melhorias. Não existem fórmulas pré-feitas, nem tão pouco perfeitas para Deus, para sermos felizes. Existem sim, caminhos concretos, que somos convidados a caminhar rumo a este Amor – esses são os caminhos que poderemos percorrer, aqueles que, apesar de incertos e não lineares, são percorridos por nós, em relação com Deus; são os caminhos que não são propostos por exigências externas a nós, mas aqueles que são verdadeiros, pois são os caminhos a que Deus, concretamente e pessoalmente, nos chama a fazer.

Sabendo regressar a Deus, enchendo-nos do seu amor, conseguimos regressar à nossa essência, compreender a nossa identidade, entender a nossa missão e caminho e receber os bons frutos que vêm deste regresso ao Pai.

3.ª dioptria

A que, por fim, nos permite compreender que este saber equilibrarmo-nos pede o cultivar de um olhar renovado sobre a realidade, um olhar agradecido por tanto bem recebido, olhando a vida segundo o olhar de Deus, um olhar amoroso, misericordioso e belo, que tudo transforma e que nos permite ajustar as nossas exigências pouco justas ou até pouco saudáveis, orientando-as para o que mais importa.

Sabendo regressar a Deus, enchendo-nos do seu amor, conseguimos regressar à nossa essência, compreender a nossa identidade, entender a nossa missão e caminho e receber os bons frutos que vêm deste regresso ao Pai.

Só após nos enchermos deste Amor, de abandonarmos as nossas exigências e expectativas no colo do Pai, é que poderão vir as metas, os objetivos, e a mais sincera missão, pois o verdadeiro serviço, não nasce do voluntarismo, nem da vontade de ser muito e muito fazer, mas do reconhecimento de ser-se amado.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.