Uma paisagem religiosa em mudança

A Área Metropolitana de Lisboa apresenta as dificuldades habituais, próprias deste tipo territorialidade – por um lado, um espaço integrado de mobilidades, por outro, um espaço de quotidianos fragmentados.

No início de julho foi publicado o relatório final de um estudo (CITER-UCP), que realizei com outros colegas, sobre as identidades religiosas na Área Metropolitana de Lisboa (AML). Esta é uma das regiões do país mais marcada pelas dinâmicas da mudança social. E é também um laboratório da diversidade religiosa. De acordo com o inquérito «Identidades religiosas em Portugal», que coordenei 2011-12 (CERC-UCP), o pluralismo religioso, no território português, está muito concentrado na AML.  Mais de metade da população não crente (55,2 %) encontra-se nesta região. A AML reúne 62,2 % dos inquiridos evangélicos ou outros protestantes. Reúne ainda 51% das Testemunhas de Jeová e 61,5 % dos pertencentes a outras religiões. Também nessa região se verifica a percentagem mais elevada de outros cristãos (47,2 %) e de crentes sem religião (43,5 %). Ou seja, à escala do país, a região apresenta uma singular experiência de diversidade quanto às posições face à religião e aos tipos de pertença ou não pertença religiosa.

Enquanto território metropolitano, a região apresenta as dificuldades habituais, próprias deste tipo territorialidade – por um lado, um espaço integrado de mobilidades, por outro, um espaço de quotidianos fragmentados. No estudo, foi muito importante determinar, com a ajuda da Geografia – contando com o precioso contributo da minha colega Margarida Franca – os traços diferenciadores das paisagens sociais interiores a este território tão complexo.

A geografia da Área Metropolitana de Lisboa (AML), com dezoito concelhos, conheceu um aumento da população nos dois últimos Censos (2001 e 2011) e nos anos subsequentes, até 2017. As estimativas do INE, para 2017, apontavam para 2 833 679 residentes na AML, estando este crescimento alicerçado, não na cidade de Lisboa – que nas últimas décadas tem perdido população residente –, mas no aumento populacional nos concelhos mais periféricos da Zona Norte do Tejo, como Odivelas e Mafra, e nos concelhos da margem Sul do Tejo, como Montijo e Alcochete.

A sua composição social e demográfica caracteriza-se por uma estrutura etária mais jovem e por um índice de envelhecimento inferior à média nacional. No contexto do continente, a região apresenta a percentagem mais elevada de jovens até aos 14 anos e uma das percentagens mais baixas de população com 65 ou mais anos. O concelho de Lisboa é o único que contraria esta tendência, apresentando-se mais envelhecido.

A AML, em termos socioeconómicos, apresenta um valor insignificante de população ativa no sector primário e pela maior proporção de população ativa no sector dos serviços. No concelho de Lisboa, por exemplo, o sector terciário representa perto de 90 % da população ativa.

Os efeitos da destradicionalização são bem visíveis na erosão do peso relativo dos católicos – um pouco mais de metade da população (54,9 %).

Em termos proporcionais, cerca de 7,3 % dos seus habitantes são estrangeiros, um valor muito significativo no contexto nacional e que se reflete na diversidade das identidades culturais, étnicas e também religiosas que têm caracterizado os concelhos integrados na AML. Esta diversidade é mais visível no concelho de Lisboa, com 12,3 % de residentes estrangeiros, mas também nos concelhos de Cascais, Amadora, Odivelas e Sintra.

Estas dinâmicas de metropolização do território têm um impacto significativo nas identidades religiosas, embora com diferenças assinaláveis entre as três áreas geográficas consideradas: Concelho de Lisboa, Zona Norte do Tejo, Zona Sul e Península de Setúbal. Os efeitos da destradicionalização são bem visíveis na erosão do peso relativo dos católicos – um pouco mais de metade da população (54,9 %). No conjunto das pertenças religiosas minoritárias, deve assinalar-se que mais de metade é constituída por evangélicos e outros protestantes. Se é certo que o peso de brasileiros (42,3 %) é muito elevado nesta minoria religiosa, ela não foi afetada, em termos gerais, pela diminuição destes imigrantes entre 2011 e 2017. Uma parte dos que, neste estudo, afirmam ter passado da Igreja católica para outra denominação (3 %), terá transitado para estes novos contextos religiosos.

O grupo dos indivíduos sem pertença religiosa continua em crescimento, situando-se em quase 35 %, mas está longe de constituir um conjunto homogéneo. Os crentes sem religião constituem um pouco mais de 13% da população inquirida, apresentando-se como a posição mais representada entre os sem religião e a segunda no cômputo de todas as posições. Os sem religião (crentes e não crentes) apresentam, como a razão principal para a sua posição, a discordância face à doutrina e aos códigos morais religiosos.

A maioria da população da AML assume-se como crente e pertencente a uma religião (64,1 %), com particular destaque para a área geográfica da Zona Norte, que atinge uma percentagem superior ao valor de referência da AML (67,0 %). A percentagem de população não crente é, na AML, é uma das mais elevadas (21,8 %), se tivermos em conta os dados conhecidos noutras regiões do país, sendo que no concelho de Lisboa este valor atinge os 28,7 %. Por sua vez, é a Margem Sul do Tejo e Península de Setúbal que, no tocante aos crentes sem religião, apresenta o valor mais elevado (16,2 %).

Na Zona Norte do Tejo, encontramos a maior percentagem de católicos (56,8 %) e, na Margem Sul, a menor (52,2 %) – precisamente, a região onde é mais elevada a percentagem dos crentes sem religião.

Tratando-se de uma das regiões do país mais determinadas por fluxos migratórios e práticas de mobilidade, é importante conhecer o impacto de tal dinâmica nas identidades religiosas.

No que toca aos evangélicos e outros protestantes, observou-se que se trata de uma identidade essencialmente periurbana. Na Margem Sul este grupo atinge os 6,4 % e, na Zona Norte, os 5,4 %. O concelho de Lisboa regista uma percentagem inferior, na ordem dos 2,3 %. De um modo diferente, as Testemunhas de Jeová estão mais representadas na Margem Sul (1,9 %) do que na Zona Norte (1,0 %).

A maior percentagem de população pertencente a uma comunidade não cristã encontra-se na Zona Norte do Tejo (2,7 %), seguida do concelho de Lisboa (1,6 %) e da Margem Sul (0,7 %). Neste grupo, destacam-se budistas e os muçulmanos, que têm uma maior expressão na Zona Norte.

Em termos gerais, as chamadas minorias religiosas estão mais representadas nas periferias, que conheceram um crescimento demográfico e se apresentam mais rejuvenescidas. Tal não significa que uma parte das atividades destes grupos religiosos não se articule com as dinâmicas urbanas do concelho de Lisboa, tendo em conta as mobilidades que caracterizam esta população. Tratando-se de uma das regiões do país mais determinadas por fluxos migratórios e práticas de mobilidade, é importante conhecer o impacto de tal dinâmica nas identidades religiosas. Por exemplo, tenha-se em conta que, quando circunscrevemos a amostra aos que vivem há menos de dez anos nesta região, o peso relativo dos católicos desce acentuadamente. É talvez uma mudança lenta, quando comparada com outras regiões europeias, mas é uma paisagem religiosa em mudança.

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.