Há coisas que ouvimos e que – por qualquer razão – ficam a ecoar dentro de nós por muito tempo. Há 15 dias ouvi um comentário acerca da nossa paróquia de Portimão e as palavras que ouvi não me têm deixado. O comentário foi este: “É uma Igreja feliz!” Quem o disse foi uma pessoa que lá tinha ido à Missa pela primeira vez. Não o disse a um dos padres mas a leigos da nossa Paróquia, à saída da Missa.
Este elogio deu-me muita alegria. Também teria gostado de ouvir que a nossa Paróquia era unida, caridosa, espiritual, afinada, simpática, bem organizada… Mas dizer que é “uma igreja feliz” deu-me uma alegria especial. Porque – parece-me – a verdadeira felicidade resume tudo. Não seria feliz se não fosse minimamente unida, espiritual, organizada, caridosa, etc.
Não sei o que terá motivado o comentário desta pessoa ao fim da Missa. Aquela Missa não teve nada de particular. Não houve cânticos com braços no ar nem palmas ou anedotas. O que viu a pessoa para fazer este comentário? Talvez uma maneira mais livre das pessoas cantarem, ou dizerem as orações. Talvez uma maneira mais afectuosa de as pessoas se olharem ou se saudarem, não sei. Coisas que nós, que estamos “dentro”, já nem notamos mas que alguém de fora nota e regista.
Teria sido melhor a pessoa dizer que éramos uma Igreja “santa”? Creio sinceramente que não há nada mais importante que a verdadeira santidade. (Leia-se a última Exortação Apostólica do Papa Francisco). Mas o problema é que há muitas falsas santidades. Como distinguir? A sabedoria popular distingue assim: “Um santo triste é um triste santo”. A tristeza é a presença escondida do tentador, que tantas vezes se disfarça de santo para enganar aqueles que querem ser santos. A alegria, pelo contrário, é um sinal da verdadeira santidade.
Creio mesmo que a verdadeira santidade coincide com a nossa Felicidade. E escrevo “Felicidade” com maiúscula para que não se confunda com a mera diversão. Não teria feito sentido para mim se alguém tivesse comentado que éramos uma Igreja “divertida”. A diversão é pouco e, às vezes, até é um engano. A Felicidade com maiúscula tem a ver com a nossa realização de fundo enquanto seres humanos e é tudo o que Deus nos quer dar. Ou seja: se a pessoa que fez o comentário tivesse participado na nossa celebração de sexta-feira Santa provavelmente continuaria a dizer que a nossa Igreja era “Feliz”, embora certamente não dissesse que éramos “divertidos”. Esta Felicidade com maiúscula não é a mesma coisa que a facilidade laxista. É até compatível com a cruz, embora aprenda a carregá-la de um determinada maneira já aperitivamente ressuscitada.
A Felicidade era também uma palavra forte na boca de Jesus. Quando Simão Pedro mostrou entender quem era Jesus, o Seu comentário foi: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas!” (Mt 16, 17) E quando, no cimo do monte, Jesus deu a nova Lei, o modo como a formulou foi:
«Felizes os pobres em espírito,
porque deles é o Reino do Céu.
Felizes os que choram,
porque serão consolados.
Felizes os mansos,
porque possuirão a terra.
Felizes os que têm fome e sede de justiça,
porque serão saciados.
Felizes os misericordiosos,
porque alcançarão misericórdia.
Felizes os puros de coração,
porque verão a Deus…” (Mt 5, 3 ss)
Quem está fora da Igreja e um dia resolva espreitar para dentro, certamente que não entenderá nada dos nossos rituais nem do nosso Credo. Mas certamente intuirá se somos ou não felizes. Não creio que sejam precisas muitas técnicas de “nova evangelização” se as nossas Igrejas forem verdadeiramente felizes. Isso falará por si. Ao dizer isto não estou a propor que encontremos técnicas especiais de animação litúrgica ou que tentemos parecer todos muito divertidos. Isso seriam apenas golpes exteriores de uma mera cosmética artificial. A verdadeira Felicidade é o resultado precisamente de tentarmos tirar as máscaras artificiais e as amarras da falsa santidade e nos ligarmos simplesmente ao Evangelho.
Que sejamos uma Igreja Feliz!
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.