Quando quero ir á missa – a qualquer dia da semana – consulto os horários, ponho na agenda e vou. Se preciso de um documento para aceder a um sacramento, consulto o horário do cartório e vou à paróquia. Sou informado dos horários da catequese dos meus filhos no fim da missa ou na Folha Paroquial, frequento retiros, palestras, tertúlias e conferências para onde me desafiam através de cartazes, da Folha Paroquial, email e nas redes sociais. Converso com o meu orientador espiritual, confesso-me com a periodicidade que decido e que a Igreja me recomenda. É a minha agenda, a minha disponibilidade e a minha decisão.
E se eu for cego? Se eu for cego talvez precise de ajuda. Antes de mais posso precisar de ajuda para saber o que acontece, onde acontece e a que horas. Dificilmente vejo os cartazes e não leio a Folha Paroquial. Se eu for cego provavelmente serei catequisado em casa, pelos meus pais e pela minha família. Frequento a catequese, recebo os sacramentos e vou à missa ao domingo se a minha família decidir que o faça. Posso saber ler braille, mas apenas serei fluente pelos 8 anos. Posso pedir a transcrição dos meus livros escolares, mas tenho acesso a poucos livros atuais ou com os desenhos em relevo, o papel de impressão em braille é muito caro.
E se eu for surdo? Se eu for surdo talvez precise de ajuda. Precisarei de ajuda para aprender a ler, evidentemente, e ler vai ser realmente essencial na minha vida – precisarei de receber uma educação de excelência. Se eu for surdo talvez tenha dificuldade em ser catequisado, terei dificuldade em receber orientação espiritual e em me confessar. Poderei ir à missa com a minha família, mas terei dificuldade em encontrar um local onde se faça a tradução simultânea para língua gestual portuguesa que me permitiria participar efetivamente em todos os momentos da liturgia.
Se eu tiver dificuldade para me deslocar tenho que planear muito bem os meus percursos. Nem todos os pisos permitem que eu me desloque com a minha cadeira de rodas, quer seja elétrica ou manual; ou com as minhas canadianas, tripés ou andarilho. Nos transportes públicos nem sempre posso entrar ou porque não existe plataforma ou porque a mesma está avariada. Não é certo que consiga entrar numa igreja, confessionário ou sala de catequese e, muitas vezes, tenho que chamar a atenção porque, para receber uma informação, as outras pessoas falam frequentemente com quem me está a acompanhar… como se eu não estivesse ali. Nem sempre posso ir jantar a casa de alguns dos meus amigos porque a casa deles tem degraus que eu não consigo subir.
Aprender a lidar com todas as pessoas que posso encontrar no meu caminho, em todas as situações ainda não se aprende na escola. Ainda não é matéria da disciplina de cidadania, infelizmente.
Se eu tiver algum problema de desenvolvimento o meu caminho na Igreja vai depender numa grande medida dos meus pais, irmãos, família, cuidadores … das pessoas com quem me cruzar. Vou precisar de mais tempo para encontrar os outros, para comunicar – para entender o que se passa à minha volta e para me fazer entendido – vou encontrar resistência para aceder aos sacramentos, para me inscrever na catequese, para ir à missa porque faço barulho ou porque não me comporto de acordo com as normas; porque não tenho a mesma forma de aprender que as outras pessoas da minha idade… às vezes vou ouvir dizer que sou um dos pequeninos de Deus e que por isso já estou perto d’Ele.
Aprender a lidar com todas as pessoas que posso encontrar no meu caminho, em todas as situações ainda não se aprende na escola. Ainda não é matéria da disciplina de cidadania, infelizmente. O melhor que podemos fazer para começar é perguntar: ‘Se eu fosse como esta pessoa, o que poderia sentir?’
A diocese de Lisboa publicou um guia de acolhimento eclesial chamado ‘Uma Igreja para Todos’. Este guia é uma adaptação do original espanhol publicado pela arquidiocese de Madrid chamado ‘La persona com discapacidad y su lugar en la Iglesia’. Não pretende resolver todas as questões nem esclarecer todas as dúvidas, mas pretende contribuir para que as pessoas com deficiência sejam mais bem acolhidas na Igreja; para que, ao nos encontrarmos uns com os outros sejamos capazes de ‘ver para além do olhar’ e ‘olhar com os olhos de Jesus’. Está disponível em papel nas paróquias da diocese e em PDF para quem quiser informar-se, aprender, trabalhar, refletir ou rezar.
Para alguma duvida ou questão pode escrever ao Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência do Patriarcado de Lisboa através do email [email protected]
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.