Chegando a julho, começa o tempo de olhar para o ano letivo que passou e de fazer balanço do vivido. Esta é a altura de reconhecer e celebrar as aprendizagens realizadas, de identificarmos o que não se conseguiu fazer e de analisarmos os fatores que não nos permitiram atingir o que tínhamos definido. Este ano, que coincidiu com a vivência do Ano Laudato Si, senti necessidade de realizar este balanço, usando como referencial avaliativo a visão da Educação Ecológica[1] proposta pelo Papa Francisco na sua Carta Encíclica Laudato Si. Esta educação ecológica pretende educar para a aliança entre a humanidade e o ambiente e propõe-nos 4 caminhos complementares de trabalho educativo. A partir destes caminhos, partilho aqui o que de mais significativo me fica deste ano letivo e que caminhos vislumbro daqui para a frente.
1. Promover o pensamento crítico em torno do atual sistema
A educação ecológica traz consigo o grande desafio de desconstruir a lógica consumista de domínio e acumulação, inerente ao nosso atual sistema. Esta lógica baseia-se em 5 “mitos” fundacionais: o individualismo, o progresso ilimitado, a concorrência, o consumismo e o mercado sem regras.
Focando o nosso olhar na crítica ao individualismo, vemos que o contexto pandémico potenciou vários questionamentos e aprendizagens decorrentes da impossibilidade de continuarmos a viver seguindo uma perspetiva onde cada pessoa se salva por si só. O distanciamento físico e o consequente isolamento social de vários dos membros das nossas comunidades vieram reafirmar a necessidade do cuidado a partir dos laços familiares, de vizinhança ou até da própria escola. Em muitos casos, as escolas foram garante de uma alimentação diária para várias famílias e continuaram a ser locais essenciais de promoção de bem-estar emocional e afetivo, especialmente para as crianças e jovens que vivem em maior vulnerabilidade social.
Nos próximos anos, será importante continuarmos a apostar na construção e no fortalecimento de comunidades educativas promotoras de relações de cuidado e de laços de solidariedade, e que assumem a sua responsabilidade comunitária. Talvez consigamos até complementar este combate ao individualismo, com uma crítica ao modelo consumista e às relações concorrenciais que promove. Espero que, mais tarde ou mais cedo, consigamos chegar ainda à crítica ao progresso ilimitado e ao mercado sem regras.
2. Dar a conhecer as realidades científicas e articulá-las com as problemáticas ambientais
Desde que as problemáticas ambientais começaram a ser incluídas nos processos educativos (seja em contexto formal, seja no não-formal), existe uma tendência pedagógica para aliar a aprendizagem científica com o (re)conhecimento da realidade dessas problemáticas no contexto natural. Contudo, o contexto pandémico, no último ano e meio, veio suspender esta aliança, fazendo com que a realização de atividades educativas em contacto direto com a natureza e/ou em centros educativos ambientais fosse reduzida ao mínimo possível.
Ao nível do equilíbrio solidário, urge continuar o esforço que está a ser feito de apoio às famílias em situação de maior vulnerabilidade, sendo importante retomar as práticas de solidariedade e voluntariado que as escolas levavam a cabo, em articulação com a sua comunidade local.
Esta impossibilidade, em alguns casos, deu origem a novas formas de aprendizagem e sensibilização, a partir da própria escola, enquanto espaço-natureza. Em várias escolas, o cuidado com o espaço escolar ganhou novo fôlego e desde a criação de canteiros, à pintura de murais, à utilização da horta escolar para ensinar conteúdos programáticos científicos, os processos de consciencialização ambiental foram acontecendo. Através deles, a lógica do cuidado e da responsabilidade perante a natureza foi-se tornando visível. Talvez o desafio para os próximos anos não seja nem a questão da informação científica, nem da consciencialização, mas antes a promoção, em todos os processos educativos – dentro e fora da escola – de uma real literacia ambiental que nos ajude a redescobrir o valor da responsabilidade, da solidariedade e do cuidado.
3. Recuperar diferentes níveis de equilíbrio ecológico
O Papa Francisco propõe que a educação ecológica nos ajude a recuperar o equilíbrio em 4 níveis distintos: interior, solidário, natural e espiritual. O contexto pandémico veio reforçar e exponenciar alguns desequilíbrios já existentes em todos eles. Ao nível do equilíbrio interior, e cruzando com a realidade das doenças mentais, a pandemia veio trazer novos e acrescidos desafios. Assim, nos próximos anos, as comunidades educativas deverão prestar uma especial atenção ao desenvolvimento psicossocial das crianças e jovens e ao acompanhamento próximo dos casos que precisem de apoio. Ao nível do equilíbrio solidário, urge continuar o esforço que está a ser feito de apoio às famílias em situação de maior vulnerabilidade, sendo importante retomar as práticas de solidariedade e voluntariado que as escolas levavam a cabo, em articulação com a sua comunidade local. O equilíbrio com a natureza e com todos os seres vivos exige um compromisso maior no sentido de uma transição para estilos de vida mais sustentáveis. Está na hora de irmos além dos processos de reciclagem, avançando para o questionamento dos nossos processos de mobilidade e consumo dentro da nossa própria comunidade educativa. O equilíbrio espiritual exigirá também de nós a construção de caminhos de conversão que nos ajudem – individual e comunitariamente – a “ver novas todas as coisas em Cristo”, como nos propõe o Ano Inaciano.
4. Maturar hábitos de transformação pessoal e de envolvimento comunitário
Há um conjunto de novos comportamentos, que foram emergindo ou sendo reforçados pela pandemia, os quais são em si mesmos sinais de um compromisso ecológico individual e comunitário mais profundo.
Em primeiro lugar, os últimos dois anos viram crescer, na cidade de Lisboa, o número de comboios de bicicletas que, juntando famílias, associações locais e professores/as, fazem um percurso diário onde as crianças podem ir de bicicleta de casa até à sua escola. Outro exemplo é a existência, cada vez mais recorrente em várias comunidades educativas, de feiras e/ou bancos de troca de roupa e brinquedos, muitas vezes promovidas pelas associações de pais. Estas iniciativas acabam por ser formas de maturar hábitos de transformação pessoal que trabalham uma austeridade responsável, antípoda do modelo consumista. Tal mudança mobiliza-nos para, de forma comunitária e numa lógica de ação participativa, construirmos coletivamente respostas aos desafios que vivemos. Pelo andar da carruagem, os próximos anos trarão cada vez mais exemplos nesse sentido.
Em forma de síntese, afirmo que a maior aprendizagem, no meio de tudo o que fomos vivendo, foi mesmo a possibilidade de compreendermos que não há sistema nenhum que anule “[…] por completo, a abertura ao bem, à verdade e à beleza, nem a capacidade de reagir, que Deus continua a estimular no mais fundo dos nossos corações[2]”. Para o ano, cá estaremos para continuar a lutar por esta educação ecológica.
[1] Cf números 202 ao 215 da Carta Encíclica Laudato Sí.
[2] Papa Francisco, Carta Encíclica Laudato Sí, n.º 205
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.