The past is a foreign country: they do things differently there. A abertura do romance de L. P. Hartley, The Go-Between, tornou-se mais famosa do que o próprio livro. Ironicamente brilhante, dispensa acrescentos. E por isso mesmo, dá o mote a ensaios. Deixo, porém, à crítica literária as possibilidades hermenêuticas. Interessa-me o que me parece uma decorrência óbvia do aforismo: para conhecermos, ainda que modestamente, o passado é necessário visitá-lo. Exatamente como um país estrangeiro.
Menos pobres, mais desenvoltos, beneficiando das liberdades de circulação e de uma moeda comum (na Europa), e sobretudo das viagens de avião a baixíssimo custo, os portugueses (e os europeus) viajam como nunca antes. Não espanta pois que qualquer pós-adolescente – ainda borbulhento – já tenha visitado uma dezena de capitais europeias. E não é necessário perguntar-lhe: ele teve o cuidado de anunciar cada saída, inventariar os locais por onde passou e pernoitou e publicar centenas de fotos nas redes sociais.
O conhecimento do passado – a metafórica viagem pelo tempo e pela memória – contempla a deslocação física. Óbvia e necessariamente. Visitar a Necrópole de Gizé e a Esfinge ajudará a compreender a Civilização Egípcia. Ver a Acrópole e o Pártenon serve o mesmo propósito para um interessado na Grécia Antiga. Percorrer o Coliseu, caminhar na Via Ápia ou observar com atenção o Mercado de Trajano podem colocar-nos mais próximos da Roma Antiga. Do mesmo modo, visitar os memoriais dedicados ao Holodomor servirá para não deixar cair no oblívio o genocídio soviético na Ucrânia. Tal como percorrer o complexo de campos de concentração e extermínio em Auschwitz é lembrar que o inominável sucedeu. Há pouco mais de 70 anos.
Mas por mais importantes que sejam as visitas a países estrangeiros, aos museus, ruínas, catedrais e memoriais – e são-no, sem dúvida –, há um conhecimento e memória que só se encontram e adquirem através dos livros e do estudo. Justamente porque são os livros que narram a História e constroem a memória, que contextualizam e permitem compreender. A escrita de um livro – e falamos de um bom livro – pressupõe um esforço de sistematização de conhecimentos, o diálogo com outros livros e autores, a análise crítica das fontes, o rigor factual, a contextualização e a preocupação com a clareza na exposição. Os bons livros beneficiam sempre do caminho percorrido por pretéritas gerações de estudiosos – os famosos ombros de gigantes – os quais por sua vez assentaram o seu labor no esforço dos que lhes precederam, e assim sucessivamente, numa regressão quase infinita.
As viagens podem assim oferecer uma ilusão de conhecimento do passado. O contacto com os repositórios de memória presentes nos diversos países é breve, esparso e frequentemente descontextualizado. Sacia a visão mas fica muito aquém da necessária reflexão crítica que só o diálogo silencioso com um livro – que acaba sempre por ser com muitos outros livros e autores – permite. E daqui advém um conhecimento superficial, suficiente para lançar dois ou três factos de algibeira numa conversa de café e dar ares de erudito mas que dificilmente serve para fundamentar um argumento sério e sustentar uma opinião sólida.
O certo é que o estudo da História, do Latim ou do Grego, por exemplo, pode ensinar mais do que uma vintena de viagens ao estrangeiro destinadas a preencher o álbum de fotos e a satisfazer a fome de likes no Facebook.
Moderninhos como somos e gostamos de parecer, deslumbrados pelos gadgets, pela ubíqua informação presente na wikipédia – prenhe de erros crassos – é fácil cair na tentação de julgar que se sabe alguma coisa. Conhecer o passado exige visitá-lo constantemente, lê-lo, ouvi-lo. Pensar nele de forma exigente e crítica. Até porque aquilo que hoje se sabe muda e é revisto e com essa mudança vem a necessidade de pôr em causa o que se julgava saber. Num ciclo que provavelmente nunca terminará.
Não é recente o desprezo a que está votado o estudo das Humanidades. Este estado tem origem em grande medida na sua alegada inutilidade, auxiliado pela vitória da ladainha do empreendedorismo e pela compreensível necessidade de as pessoas optarem por áreas cuja aplicação prática lhes garanta uma subsistência. O certo é que o estudo da História, do Latim ou do Grego, por exemplo, pode ensinar mais do que uma vintena de viagens ao estrangeiro destinadas a preencher o álbum de fotos e a satisfazer a fome de likes no Facebook.
Tenho dúvidas sobre se a história oferece lições; mas estou convencido de que o conhecimento do passado e a memória de onde viemos é essencial para compreender o presente. E numa altura em que recrudescem os nacionalismos e extremismos, convém lembrar que a História da Europa é também a da sucessão de sangrentos conflitos. A paz tem sido a excepção. O mundo não começou ontem. É bom lembrá-lo.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.