Recentemente publicado pela Paulus Editora, e da autoria de Cláudia Sebastião, Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente dos Afetos constitui um livro interessante no atual contexto político nacional e internacional. Focalizando-se sobretudo no “lado humano” e “afetivo” bem como na “dimensão social” do atual Presidente da República (cf. p. 8), o livro acaba por nos mostrar como a fé pessoal de Marcelo influi no seu modo de estar na política.
Através de um trabalho bem documentado e, como é próprio do jornalismo, num estilo claramente descritivo, Cláudia Sebastião relata o lugar de Marcelo em eventos da História mais recente do nosso país e a sua ascensão no cenário da política portuguesa. Ao apresentar o Presidente como um “homem de fé” (cf. p. 8), a descrição de Cláudia Sebastião revela como um político ativo pode assumir uma convicção religiosa no espaço público. Trata-se de percepcionar um modo específico de se ser coerentemente cristão enquanto protagonista da cena política.
O livro de Cláudia Sebastião pode ser, nesse sentido, interessante mesmo para aqueles que não comungam da mesma fé católica ou que discordam das posições políticas de Marcelo, na medida em que nos mostra uma maneira particular de um político ser cristão, uma maneira que eu gostaria de sublinhar aqui por me parecer importante nos tempos que correm.
No contexto hodierno, assistimos, tanto na velha Europa como no continente americano, à emergência de populismos cujos líderes tendem a assumir um nacionalismo que tende a misturar-se com uma certa religiosidade. A ligação entre a esfera religiosa e o âmbito da ação política pode assim ser percepcionada como uma nova forma de intolerância e de imposição política de convicções pessoais a toda a sociedade. Dessa forma, podemos ter a sensação que a fé religiosa surge como uma fonte de conflito e como um elemento que põe em causa a possibilidade de uma pacífica vida em comum nas nossas sociedades.
Mesmo apesar de alguns gestos, porventura excessivamente mediáticos, do atual Presidente da República, o modo de Marcelo se situar na política contrasta com certos populismos contemporâneos, na medida em que, como homem de Estado, ele não procura impor as suas convicções religiosas ou filosóficas, no juízo que faz antes de promulgar leis e diplomas (cf. p. 57). Apesar disso, Marcelo também não abdica, por outro lado, de assumir a sua fé no espaço público.
O modo de Marcelo se situar na política contrasta com certos populismos contemporâneos, na medida em que, como homem de Estado, ele não procura impor as suas convicções religiosas ou filosóficas, no juízo que faz antes de promulgar leis e diplomas (cf. p. 57). Apesar disso, Marcelo também não abdica, por outro lado, de assumir a sua fé no espaço público.
Como cristão publicamente assumido, o atual Presidente da República diz procurar “fazer pontes” (cf. p. 63), através de um “espírito ecuménico” onde o diálogo se faz presente como um caminho que conduz à resolução de conflitos e à coesão social. Marcelo sabe conviver e construir algo em comum com pessoas de famílias políticas diferentes da sua, bem como em diálogo com agentes de credos religiosos diferentes do seu. E reconhece, enquanto católico, que em Portugal “faz falta mais (…) esquerda católica” (cf. p. 65).
Apesar de não impor as suas convicções pessoais no exercício da sua função pública, respeitando os procedimentos e as instituições do Estado de Direito, o Presidente dos Afetos não abdica das suas causas. Não esconde, nesse sentido, o apreço pela “unidade de cuidados paliativos do Hospital da Luz”, onde todos o conhecem como um voluntário regular (cf. p. 127).
É interessante notar como as suas convicções emergem de uma ação e num espírito de diálogo reconciliador. Ao procurar, nesse contexto, fazer convergir diferentes religiões na tomada de posições conjuntas no espaço público, esclarece com clareza qual é o significado da “liberdade religiosa” consagrada na Constituição da República Portuguesa: “a liberdade de cada qual nos termos em que ela se define, podendo abarcar o ensino, a comunicação social, a solidariedade social (…) no espaço público.” E, respeitando esta liberdade, Marcelo, na qualidade de Presidente, acolheu o documento “Cuidar até ao Fim com Compaixão”, assinado por representantes de oito confissões religiosas na altura do debate em torno da eutanásia que proliferou no espaço público português (cf. p. 157).
Compreende-se este modo de estar na política a partir da influência que nele exerceram tanto a Ação Católica da primeira metade do século XX, como o Concílio Vaticano II da década de sessenta do século passado. Marcelo Rebelo de Sousa, desde tenra idade influenciado pelo Padre Abel Varzim, um assumido “percursor do catolicismo social” (cf. p. 13), adopta a perspectiva que o Concílio impôs à Igreja. Tendo seguido o Concílio de perto, Marcelo diz-se interpelado pela imagem de uma “Igreja serva e pobre” ao “serviço da comunidade” e, sobretudo, pelo acentuar da importância do papel dos “leigos” na ação evangelizadora da Igreja (cf. p. 25).
Compreende-se o catolicismo de Marcelo, não apenas pelos seus discursos, ou pelas suas publicações (nomeadamente em Os Evangelhos de 2001, livro em que comenta os evangelhos de cada domingo desse ano litúrgico), mas também pelos seus gestos. O trabalho caritativo de voluntariado sempre fez parte da sua vida. E, se o fazia antes de ser uma figura pública, parece continuar a exercê-lo, muitas vezes de forma escondida.
Compreende-se o catolicismo de Marcelo, não apenas pelos seus discursos, ou pelas suas publicações (nomeadamente em Os Evangelhos de 2001, livro em que comenta os evangelhos de cada domingo desse ano litúrgico), mas também pelos seus gestos. O trabalho caritativo de voluntariado sempre fez parte da sua vida. E, se o fazia antes de ser uma figura pública, parece continuar a exercê-lo, muitas vezes de forma escondida, mesmo depois de chegar a Belém, já como Presidente eleito.
Através da sua espontaneidade, revela ser a mesma pessoa tanto quando está com pessoas em situação de sem abrigo como quando participa enquanto homem de Estado em solenes tomadas de posse perante deputados ou lideres de governos e de instituições europeias. A proximidade de Marcelo, que tantos lhe reconhecem, mostra como o Presidente dos Afetos é capaz de colorir a solidariedade política com a caritas cristã; isto é, com o amor de quem conhece na relação efetiva.
No mundo atual que habitamos, desde as migrações até às mudanças climáticas, são inúmeros os problemas que hoje nos desafiam; problemas que ninguém, nem Estado algum, pode resolver sozinho. Mesmo para quem não se enquadra na mesma gaveta ideológica do atual Presidente da República, a figura de Marcelo Rebelo de Sousa mostra como as convicções religiosas podem fomentar uma cultura de diálogo, em vez de confronto, uma cultura de paz, em vez de guerra. Provavelmente, por isso, Marcelo se identifica tanto com o pontificado do Papa Francisco (cf. p. 53). Aos cristãos, Marcelo aponta uma maneira de estar na política que é capaz de colocar as próprias convicções em diálogo de forma a construir o futuro num mundo também habitado por outras pessoas e credos diferentes do nosso. Diante dos desafios que hoje enfrentamos, devemos caminhar juntos. A fé cristã pode ser uma fonte na construção desse caminho.
Fotografia: Presidência da República / Miguel Figueiredo Lopes.
Ficha Técnica
Título: Marcelo Rebelo de Sousa – O presidente dos afetos
Autor: Cláudia Sebastião
Coleção: Narrativas
Secção: Na primeira pessoa
Formato: 15 cm x 23 cm
Páginas: 184
Editora: Paulus Editora
ISBN: 9789723020885
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.