‘Afectiva’ ou ‘territorial’, a noção de paróquia remete para a dimensão comunitária da fé, nas suas diferentes dimensões. «Rezar», «formar-se» e «colaborar» fazem parte dessa experiência. Contudo, temos cada vez mais dificuldade em conciliar esses aspectos com as agendas diárias (com família, trabalho, lazer, tempo de transportes, etc.). Com frequência, a ‘pertença a uma paróquia/ movimento’ (ou seja, a participação nos seus programas) entra em concorrência e choque com outros aspectos da vida. O texto que agora apresentamos pretende lançar uma questão fundamental para a reflexão conjunta: pode a qualidade dos momentos comunitários (qualidade das celebrações; qualidade da dinamização das reuniões; qualidade das ferramentas de formação; qualidade da nossa rede de colaboração) ser uma alternativa à quantidade de actividades? Mais ainda: em que medida os momentos de oração, formação e colaboração, vividos em comunidade, ajudam a dar sentido, profundidade e ânimo para viver uma agenda tão dispersa, sobretudo em contextos urbanos?
1. Paróquias afectivas
As paróquias foram, sem dúvida, um dos modelos pastorais mais eficazes dos últimos séculos. Delimitadas geograficamente, garantiam a vida espiritual das comunidades, respeitando, habitualmente, as ‘idiossincrasias’ locais: devoções, costumes, gostos estéticos. Contudo, as enormes transformações no ritmo de vida das populações, por um lado, a par de uma nova atitude perante a fé e as instituições religiosas, por outro, têm suscitado reflexões sobre o modelo paroquial.
No que diz respeito à relação com a ‘terra natal’, em geral, a estabilidade de vida (em ciclos e sítios) deu lugar à imprevisibilidade e à itinerância. Reside-se num sítio e trabalha-se noutro(s); nasce-se numa cidade/aldeia e assenta-se noutra(s); cresce-se numa família mas vive-se entre amigos e desconhecidos.
No que toca à relação com a ‘paróquia’, também aí houve mudanças importantes. Os párocos já não são aquelas figuras ‘permanentes’ que viviam 50 anos na mesma terra sendo, por isso, a ‘única voz da Igreja’ a que os leigos tinham acesso. Com maior mobilidade, os cristãos têm hoje a possibilidade de escolher a missa a frequentar. Seja pelo horário (tantas vezes!) ou pelo parque de estacionamento; seja pelo tipo de cânticos ou pelo estilo dos padres; seja pelos amigos ou pelas modas: a verdade é que a paróquia já pouco tem de ‘lugar geográfico’. Hoje é, sobretudo, o lugar afectivo: escolhemos a comunidade que nos faz sentir em casa.
Para muitos católicos, os movimentos tornaram-se essas casas/paróquias afectivas. É lá que estabelecem laços de amizade que geram um espírito de comunidade, é lá que encontram uma linguagem espiritual que responde às suas preocupações e sensibilidade, é lá que celebram a fé, é lá que se mobilizam para serviços de voluntariado e de cuidado aos outros.
Para muitos católicos, os movimentos tornaram-se essas casas/paróquias afectivas. É lá que estabelecem laços de amizade que geram um espírito de comunidade, é lá que encontram uma linguagem espiritual que responde às suas preocupações e sensibilidade, é lá que celebram a fé, é lá que se mobilizam para serviços de voluntariado e de cuidado aos outros. Seja através de movimentos ou não, o que se torna claro é que não é o território, por si só, que cria uma comunidade, mas o modo como as pessoas são acolhidas e integradas numa rede de relações. A questão é: como fazê-lo, hoje? Como viver em comunidade quando estamos tão dispersos, tão assoberbados de trabalho e sem tempo?
2. Rezar, formar-se, colaborar
A questão da criação de comunidades é imensa. Para começo de conversa, avanço hoje com três verbos: rezar, formar-se e colaborar. Como se vê, nenhum destes verbos é novo. O desafio está em conjugá-los com o (pouco) tempo que temos disponível, no dia-a-dia. Os sintomas dessa dificuldade estão presentes num certo discurso (quase) esquizofrénico, que tanto pede para que os cristãos participem activamente na vida da paróquia/movimento, como recomenda que se passe tempo em família, que se seja disponível para o serviço aos demais e se tenha tempo para uma vida de oração regular. Os resultados deste tipo de discurso costumam ser um enorme sentimento de frustração e de estar aquém das expectativas/ necessidades. Padres e responsáveis de grupos lamentam a falta de assiduidade dos membros, as famílias sofrem por não haver espaço para elas na agenda, muitos católicos angustiam-se por não rezarem nem servirem tanto quanto gostariam.
O terceiro verbo, colaborar, também sugere uma outra forma de estar em comunidade. De um modelo ‘monárquico’ (no sentido de «um manda») é necessário avançar para um modelo comunitário, onde o discernimento e a actividade são partilhados pelos diferentes membros da comunidade, de acordo com as vocações próprias. Se, antes, falávamos de uma formação teológica, aqui seria necessário falar de uma formação para a cooperação (o que teria consequências para a formação do clero – diocesano e religioso – por exemplo).
Uma abordagem possível a esta questão talvez pudesse passar pela máxima «menos quantidade, mais qualidade». Aplicada àqueles três verbos, ela permite-nos explorar outras hipóteses. Às paróquias (territoriais ou afectivas) pede-se que sejam capazes de oferecer momentos bem cuidados: bons espaços de celebração (com boa arquitectura, boa pintura e escultura, antiga ou contemporânea), bons leitores, boa música (com bons textos, bons instrumentistas, de estilos variados) e, principalmente, bons momentos de silêncio que permitam a contemplação e a releitura profunda da vida (com Deus e com os outros). A paróquia deveria ser uma espécie de ‘mosteiro urbano’ (ou rural, se for o caso), onde um cristão pode entrar e redescobrir uma beleza inspiradora (não faltam bons exemplos: veja-se Taizé). Para que as paróquias/ comunidades tenham alguma relevância na vida das pessoas, têm que ser lugares significativos, lugares onde se pode saborear as coisas com qualidade e profundidade (ainda que seja apenas uma hora por semana).
No que toca à formação, a questão é mais delicada. Embora seja cada vez mais comum haver programas de formação sobre temas de teologia (Bíblia, cristologia, história da Igreja, liturgia, sacramentos) em escolas diocesanas, paróquias, grupos, movimentos e capelanias universitárias, há ainda uma enorme lacuna em termos de edições portuguesas de livros de teologia, concretamente de autores portugueses. Para além de literatura, falta-nos apostar em novos formatos de comunicação digital: cursos em linha, podcasts, vídeos, mini-documentários. Precisamos de mais livros, mas também precisamos de aprender a comunicar de outra forma.
O terceiro verbo, colaborar, também sugere uma outra forma de estar em comunidade. De um modelo ‘monárquico’ (no sentido de «um manda») é necessário avançar para um modelo comunitário, onde o discernimento e a actividade são partilhados pelos diferentes membros da comunidade, de acordo com as vocações próprias. Se, antes, falávamos de uma formação teológica, aqui seria necessário falar de uma formação para a cooperação (o que teria consequências para a formação do clero – diocesano e religioso – por exemplo).
nota
Como se vê, este texto não é mais do que um aperitivo.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.