A cidadania digital não pretende um regresso a uma idílica ausência de uso das novas tecnologias, nem propõe uma adoção imediata e automática de tudo o que é digital, pois não parece que nem um nem outro configurem algo de bom seja para quem for.
A cidadania digital propõe olhar a forma como usamos o mundo digital (novas tecnologias, etc) de modo a identificar o que está a mais (e que deve ser retirado), o que está bem (e deve ser mantido) e o que está em falta (e que, pela mesma lógica, deve ser acrescentado).
Nesta linha de pensamento, e enquanto formador de cidadania digital, gostaria de propor um exercício ligeiro para este verão: darmos três passos concretos para um “melhor-estar” digital.
Porém, não se tratam aqui de três passos sequenciais na mesma direção, como se de uma caminhada se tratasse. A imagem da caminhada, bem conhecida por muitos, pode não ser a mais proveitosa neste âmbito, pelo que proponho uma diferente.
Parece-me que, mais do que à imagem da caminhada, a nossa evolução para um melhor-estar digital se pode parecer mais com uma dança. Importa notar que não se dança dando três passos em frente. Dança-se, pelo que sei, dando passos em diferentes direções, a diferentes ritmos e por vezes até com diferentes comprimentos, conforme a situação.
Assim, proponho darmos três passos, usando esta imagem, em diferentes direções, podendo cada um depois escolher o ritmo (a altura mais correta para dar o passo) e o comprimento (a profundidade/intensidade do passo) de cada um destes três passos.
Para começar, daremos um passo atrás, seguido de um passo para o lado, finalizando com um passo em frente.
Proponho darmos três passos, usando esta imagem, em diferentes direções, podendo cada um depois escolher o ritmo (a altura mais correta para dar o passo) e o comprimento (a profundidade/intensidade do passo) de cada um destes três passos. Para começar, daremos um passo atrás, seguido de um passo para o lado, finalizando com um passo em frente.
O passo para trás será o passo mais tradicional no que diz respeito a reflexões acerca do uso das ferramentas digitais: e corresponde a uma diminuição do uso de algo digital.
Importa identificar o uso de algo digital (pode ser uma aplicação, um aparelho, um programa, um horário, um local ou contexto onde uso, etc) que me esteja a impedir de chegar onde quero ou que me esteja a impedir de ser plenamente quem eu desejo ser. Das várias ideias que nos possam surgir em mente, importa escolher uma (apenas uma) e implementar essa ideia. Muitos vão querer implementar as três melhores ideias, e estarão a transformar a dança num sprint, que é um exercício desportivo interessante, mas inútil para uma pista de dança. Alguns terão vergonha de dar o primeiro passo, não sabendo o que os outros vão pensar acerca desta sua iniciativa. Começar a dançar habitualmente levanta dificuldades, mas vale muito a pena.
Tendo dado este primeiro passo atrás, e tendo ele corrido bem, a maioria poderá pensar que o melhor é aproveitar o ímpeto e dar mais três ou quatro passos atrás; relembro que a ideia é dançar e não correr, pelo que recomendo que o próximo passo seja para o lado.
Agora o passo para o lado: este passo tem algo de diferente, pois não implica a diminuição do uso de algo digital (smartphone, rede social, serviço de mensagens, etc) mas sim o uso diferente dessa mesma tecnologia. Não me refiro a usar a mesma tecnologia para falar com pessoas diferentes, nem usar uma app diferente que sirva o mesmo propósito de uma que já se utilize. O desafio aqui é aprender algo novo e que nos seja útil, idealmente algo a que possamos dar uso não só no verão mas também no outono e depois no inverno … É importante avaliar se a decisão do passo na praia com calor mantém o seu interesse para nós quando estivermos de volta ao trabalho, na nossa casa, na nossa cidade, etc.
Esta aprendizagem (passo para o lado) deve ser feita pedindo ajuda a uma pessoa (não vale fazer uma pesquisa …) e quem quiser um desafio adicional deve fazer este pedido a um teenager.
O objetivo deste passo é alargar o nosso horizonte digital, aprender algo totalmente novo mas útil, aprofundar o que a tecnologia pode de facto fazer por nós concretamente – trazer até nós uma das milhares de oportunidades fantásticas que todos ouvimos dizer que existem (pelo menos em teoria) no mundo digital. Este passo poderá ser fácil para alguns, mas poderá demorar algum tempo para outros – não devemos desistir logo à primeira dificuldade, mas sim insistir pelo menos três vezes antes de passarmos ao terceiro passo, desta vez em frente.
O objetivo deste passo é alargar o nosso horizonte digital, aprender algo totalmente novo mas útil, aprofundar o que a tecnologia pode de facto fazer por nós concretamente – trazer até nós uma das milhares de oportunidades fantásticas que todos ouvimos dizer que existem (pelo menos em teoria) no mundo digital.
Chegamos então ao complicado passo em frente, que pode surpreender alguns … um passo em frente para o digital significa procurar aquela parte do digital que podemos e devemos usar MAIS. Vou agora repetir a frase que usei acima em relação ao primeiro passo (atrás): Importa identificar o uso de algo digital (pode ser uma aplicação, um aparelho, um programa, um horário, um local ou contexto onde uso, etc) que me esteja a impedir de chegar onde quero ou que me esteja a impedir de ser plenamente quem eu desejo ser.
Só que, desta vez, pode ser o POUCO uso de algo digital que me está a IMPEDIR de chegar onde quero e ser plenamente quem quero ser. Como assim? Bom, se o uso excessivo pode existir no digital, certamente também pode existir o uso insuficiente … Se me pode fazer mal o demasiado uso, também o escasso uso me pode prejudicar. E não se trata aqui de dar um passo evidente e simples como aprender a usar uma aplicação ou programa. Trata-se sim de aumentar o uso, intensificar o conhecimento de uma aplicação, aprofundar o uso de uma ferramenta digital para aumentar o meu melhor-estar, e também o dos que me rodeiam.
Cada um saberá o que cada um destes passos significa para si. Cada um saberá pedir opinião a alguém que o ajude a identificar e concretizar estes passos. Mas importa recordar algo: na dança, mais do que chegar a um destino, interessa gozar os passos que damos, principalmente se forem partilhados com pessoas com quem gostamos de estar. E, neste baile digital, mais do que correr desenfreadamente em alguma direção, parece importar mais irmos encontrando o nosso ritmo, irmos usando a nossa liberdade para experimentar algumas novidades, irmos usando o nosso sentido crítico para largar alguns passos velhos e desgastados e irmos fortalecendo a nossa criatividade no intensificar o uso daquilo que, sendo digital, nos faz sermos mais nós mesmos.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.