Sobre a pressão das escolhas e as escolhas pressionadas

É importante explicar aos jovens que cada passo na nossa aprendizagem tem o seu tempo, e que o tempo de escolarização que irão viver no secundário, tem por fim último o seu desenvolvimento pessoal e social.

O terceiro trimestre do ano letivo é a altura do ano em que mais vezes pergunto aos e às jovens de 14 anos com quem trabalho: “Então, já escolheste o que vais seguir no secundário?”. As respostas vão oscilando entre o indeciso “Não sei. Mas os testes psicotécnicos deram-me para várias coisas”, ao pragmático “Sempre quis ir para ciências!”, ao utilitarista “Vou para Humanidades, porque não gosto de matemática”, ao artístico “Vou continuar a seguir música” ou ao prático e experiencial “Vou para um curso profissional de desporto”.

Ao longo da nossa vida de estudantes vão-nos perguntando repetidas vezes o que queremos ser quando formos grandes. Mas, entre a primeira vez que conjugamos o nosso futuro aos 4 anos, afirmando que queremos ser veterinárias ou astronautas, e o momento em que aos 14 anos nos dizem que temos que escolher um curso científico-humanístico, um curso profissional ou um curso artístico, existe toda uma vida de aprendizagens e de oportunidades, que tanto nos pode ter preparado ou não para este momento de tomada de decisão.

O ensino básico – que nos acompanha da infância à adolescência – deveria ser um tempo potenciador de aprendizagens e descobertas sobre o que cada criança e jovem gosta e não gosta de fazer. De descobertas sobre si mesmo, a sua história e identidade pessoal e familiar, as raízes que nos ligam ao lugar que nos acolhe, mas também ao Planeta que nos une numa humanidade partilhada. De descoberta de sonhos e interesses e de lançamento dos 4 pilares fundacionais da educação[1]: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser.

O ensino básico – que nos acompanha da infância à adolescência – deveria ser um tempo potenciador de aprendizagens e descobertas sobre o que cada criança e jovem gosta e não gosta de fazer

Para que tal possa acontecer, existem alguns pressupostos essenciais que devem ser garantidos tanto ao nível familiar como na própria escola. Cada criança e jovem deve viver num ambiente seguro e livre de violência, que favoreça o seu desenvolvimento e bem-estar psicossocial. É essencial que tenha acesso, na máxima medida possível, a uma habitação de qualidade, a cuidados médicos, a uma educação de qualidade. Além destes, o acesso a atividades extra-curriculares, à cultura e ao desporto e até mesmo a livros e recursos pedagógicos, os quais jogam também um papel preponderante.

De forma complementar, especialmente no 3º ciclo do ensino básico, é essencial que cada jovem possa encontrar-se com exemplos práticos de vidas profissionais. Os exemplos familiares são sempre o ponto de partida, havendo até escolhas pressionadas por este contexto familiar – algumas correm bem, outras menos bem. Ver e perceber o que a mãe, o pai e a família mais próxima faz e estudou é sempre bom. Mas a oportunidade de ir além do contexto familiar é essencial, pois em muitos casos, só sonhamos no tamanho da realidade à nossa volta. Por isso, ver outras possibilidades de caminho profissional, de áreas de estudo, de formas de aprender – seja via ensino regular, artístico ou profissional – é relevante se queremos entender a educação como ferramenta de justiça social.

Por outro lado, parece-me também cada vez mais relevante, que se mantenha o esforço de continuar a afirmar, especialmente junto dos e das estudantes do 3º ciclo, que o objetivo final do ensino secundário não é tão somente a entrada no ensino superior. É importante explicar aos e às jovens desta idade, que cada passo na nossa aprendizagem tem o seu tempo, e que o tempo de escolarização que irão viver do 10º ao 12º ano, tem por fim último o desenvolvimento contínuo, a conseguir tomar decisões individuais e partilhadas e a construir uma cidadania democrática.

Se o importante passo do ensino básico para o ensino secundário se resumir apenas à pressão da melhor escolha que me ajudará a entrar na faculdade, toda a perspetiva humanista e democrática contida no Perfil dos alunos à saída da escolaridade é uma mera declaração de boas intenções. E dessas, está a nossa realidade cheia.

[1] A visão dos 4 pilares da educação foi apresentada pela primeira vez em 1996, no relatório “Educação – um tesouro a descobrir” coordenado por Jacques Delors no âmbito da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI.

Fotografia de Jan Genge – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.